Homenagem a Olga Bechara

Para Olga.

Na sexta-feira, dia 18 de junho, faleceu a educadora Olga Thereza Bechara, professora aposentada da FEUSP.

O Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação e o Centro de Memória da Educação da Faculdade de Educação da USP lamentam a perda da nossa querida amiga e companheira na luta em defesa da escola pública e vem a público homenagear sua memória.

Olga, ao lado de Maria Nilde Mascellani, protagonizou uma das iniciativas mais importantes no campo das políticas públicas direcionadas à democratização do ensino secundário no Brasil, os Ginásios Vocacionais ( 1961- 1969).

Apoiou o CME – FEUSP em suas diversas iniciativas de pesquisa para reconstrução histórica deste projeto educacional, violentamente interrompido pela ditadura civil militar, projeto de curta duração, mas de profunda incidência sobre aos rumos da educação brasileira.

Olga esteve sempre disponível para orientar alunos e pesquisadores voltados ao estudo e análises das experiências educacionais vivenciadas por ela em sua rica trajetória docente.

Para homenageá-la, nada mais apropriado e relevante que o depoimento afetivo de Letícia Vieira, doutora em Educação pela FEUSP, hoje professora gestora da rede pública de educação básica do Estado de Santa Catarina, que com ela conviveu em seu percurso de pesquisa sobre o ensino renovado e as escolas experimentais no Brasil:

“Em outubro de 2016, com 83 anos de idade, recebeu-nos em seu apartamento em São Paulo, a professora Olga Bechara. O encontro nos rendeu uma entrevista, cuja transcrição alcançou 41 páginas, recheadas com detalhes sobre sua trajetória como educadora, em especial nas experiências das Classes Experimentais e dos Ginásios Vocacionais.

Nas Classes Experimentais, Olga Bechara atuou como professora de matemática. Lá, deu vida às teorias até então abstratas aos estudantes, trabalhando, de forma concreta, conceitos como perímetro, área, potenciação. Fez da sala de aula um grande metro cúbico, para dar a real noção aos estudantes. Integrava a matemática com Arte, em Trabalhos Manuais, bem como também a todas as outras disciplinas, como a história, que era o centro da coordenação de disciplinas.

“Vão conhecer”! Lembrava ela, contando-nos a expressão que utilizava para mobilizar os estudantes ao Estudo do Meio, prática basilar das experiências da Classes Experimentais e dos Ginásios Vocacionais. E conhecendo, aprendiam. E aprendendo, apreendiam o mundo crítica e ativamente. As reprovações já não eram tão frequentes, o progresso do estudante era avaliado qualitativamente, a auto-avaliação era uma realidade. Efetivava-se um ensino ainda hoje não universalizado no que se refere ao Ensino Médio brasileiro.

Este ensino significativo, por sua vez, fez com que os estudantes jamais a esquecessem. Professora Olga foi frequentemente referenciada nas falas dos ex-alunos das classes experimentais.

Neste ano, tive a honra de ter a Professora Olga em minha defesa de doutoramento. Que honra! Que alegria ter proporcionado a ela o revelar de um pequeno registro dessas experiências. Que alegria tê-la conhecido e compartilhado suas memórias. Ela que, com atenção, ouviu a leitura de minha dedicatória – momento em que, com emoção, falei da importância de figuras que, assim como ela, inspiraram-me a ser “mais educadora”:

“Revisitar as práticas das Classes Experimentais foram, para mim, como um sopro de ar fresco. Como uma promessa de que a educação pode possuir outros significados. Ser, em alguma medida, porta-voz da história dessas experiências, fez-me mais educadora. Ser uma das porta-vozes dessa experiência compromete-me com uma educação a serviço de todos, com um ensino ativo, atrativo, conectado com a realidade das crianças e jovens. Conectar-me com a história desses ensaios traz à tona a verdade de que “a escola dos sonhos já existe” – ou, ao menos, já existiu. Resta-nos, com as luzes deste passado, iluminar e ressignificar o presente. Contudo, busco, aqui, contar esta história, lutando contra a paixão que estes ensaios despertariam em qualquer educador comprometido com sua prática, evitando um olhar sacralizador. Dito isso, deixo meus agradecimentos e votos otimistas de coragem a todos aqueles que estiveram comigo nessa jornada e a todos os profissionais da educação que, assim como eu, desejam enxergar diferentes paisagens no horizonte”.

Com 83 anos de idade e sérios problemas de visão, professora Olga contava-me uma história que me ensinava a ser mais educadora. Com 88, ela deixa, fisicamente, este mundo, deixando, contudo, muitas e significativas marcas. Da convivência curta, mas marcada por sua ação prestativa, comprometimento com a educação e um babaganoush gostoso e bem temperado, levo a gratidão de ter conhecido e compartilhado espaço com essa figura histórica”.

Olga Bechara, presente!

EDA e CME – FEUSP

São Paulo, 21 de junho de 2021