Intervenção nas escolas: ameaça à autonomia das comunidades escolares e ao direito à educação – Conversa com diretores afastados – Relato do evento

 

No dia 27 de maio de 2025, ocorreu o evento Intervenção nas escolas: ameaça à autonomia das comunidades escolares e ao direito à educação – Conversa com diretores afastados no Auditório da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), organizado pelas educadoras do Programa de Formação de Professoras e Professores (PFP) da FEUSP. Para compor a Mesa, foram convidados os diretores Cláudio Marques da Silva Neto, da EMEF Espaço de Bitita, e Leonardo Mannini, da EMEF Ibrahim Nobre, escolas parceiras de projetos do PFP. Contudo, o evento foi pensado para que todas as diretoras e diretores afastados que pudessem comparecer tivessem espaço de fala.

Desde o início deste ano, havia rumores entre as profissionais das escolas sobre possibilidades de ação da Secretaria Municipal de Educação (SME) junto às direções escolares e, em 23 de maio, foi publicada no Diário Oficial da Cidade (DOCSP) a convocação de 25 diretores de escolas municipais para participar do “Projeto Aprimorando Saberes Diretores de Escola”, que integra o Programa Juntos pela Aprendizagem. Apesar de não ter sido publicado em diário oficial, circulou entre as profissionais das escolas e em publicações da imprensa que, para participarem dessa formação, as(os) diretoras(es) seriam afastadas(os) de sua função junto às comunidades escolares. Para ocupar seus lugares, a SME nomearia um terceiro assistente de direção.

Diante da gravidade de uma ação de afastamento de gestores, considerando os princípios de gestão democrática e de autonomia das escolas, além da falta de informações precisas sobre tal situação, o evento foi pensado para buscar compreender a medida a partir da voz das profissionais e construir conjuntamente possibilidades de colaboração da universidade junto às comunidades escolares. Além dos dois diretores convidados, estiveram presentes outras gestoras escolares da rede municipal que também foram impactadas por essa medida, assim como professores, professoras,  supervisoras escolares, parlamentares, representantes de sindicatos, estudantes e docentes da FEUSP e de outros institutos da USP.

Em sua fala, o diretor Cláudio Marques abordou o processo pelo qual ele e outras diretoras da rede municipal têm passado desde o dia 21 de maio, com o chamado para uma reunião no dia 22/05, sem pauta prévia, na Diretoria Regional de Ensino. Nessa reunião, Cláudio informou que foi comunicado pela dirigente de ensino que o processo de afastamento de diretores seria publicado no dia seguinte, que eles seriam afastados da escola e cumpririam seus horários na DRE, sem prejuízo de vencimentos. No dia 23/05, houve a publicação no DOCSP somente da convocação para a realização do referido curso, na qual não constavam o afastamento nem o nome das diretoras e diretores, apenas o registro profissional. Uma das supervisoras que participou do evento, a professora Fernanda Rodrigues de Morais, da Diretoria Regional de Ensino (DRE) Penha, informou que a SME não consultou nem comunicou a supervisão sobre esse processo. Observando que não há ato administrativo publicado sobre o afastamento, o diretor Cláudio destacou que a Prefeitura Municipal de São Paulo (PMSP) tem agido de forma a não criar materialidade acerca do que poderão ser considerados atos ilegais para não ser acionada na justiça. Cláudio Marques também tratou do contexto sócio-histórico de tal medida, mencionando o  projeto de privatização da gestão das escolas e argumentando como esse projeto da PMSP faz parte dos objetivos mais amplos do atual governo do estado de São Paulo para ascender à presidência por meio da representação de interesses empresariais e da extrema direita. Em seguida, Marques apresentou o contexto da EMEF Espaço de Bitita e pontuou alguns fatores que contribuem para a composição da nota do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

De acordo com matérias publicadas pela imprensa, o secretário municipal de educação, Fernando Padula Novaes, afirmou serem as notas do Ideb e do Idep o critério para a escolha dos diretores e diretoras que seriam afastados de suas escolas. Porém, o professor Cláudio Marques problematizou essa questão, a partir da constatação de que o Ideb, por exemplo, é um instrumento de monitoramento da política pública, não das escolas. Assim, “como instrumento de monitoramento, o Ideb não explica as causas do problema, apenas apresenta o problema”. Ele reforçou em sua fala que “escala estatística não é sinônimo da qualidade do trabalho das escolas” e propôs uma reflexão: “seria o Ideb uma forma de enquadrar as vítimas pelo mal que elas sofrem?”

Ainda sobre os índices, em várias falas foi indicado que, mesmo se fossem consideradas as notas como critério legítimo para afastamento dos diretores, esse argumento não se sustenta, visto que havia diretores afastados cujo IDEB da escola estava acima do corte estabelecido pela SME e as 25 escolas selecionadas não estavam entre as 25 escolas da rede municipal com os menores índices nas avaliações*. Para Marques, há alguns elementos em comum entre as escolas escolhidas: estão inseridas em comunidades empobrecidas e de população majoritariamente negra. No caso da EMEF Espaço de Bitita, 40% de estudantes da escola são imigrantes. Ao se pensar no fator linguístico, grande parte dos alunos não tem a língua portuguesa como primeira língua, questão complementada na fala da professora Fernanda, supervisora da DRE Penha, que mencionou o direito, assegurado por lei, das crianças realizarem provas em sua primeira língua. Outro fator que contribui para a composição da nota do Ideb é a taxa de ocupação – movimentação de matrículas. Por atender a uma comunidade de imigrantes, há uma alta rotatividade de estudantes na escola, elemento que não é levado em conta para a composição da nota do Ideb, visto que não há fatores ponderadores dentro do instrumento avaliativo. Além disso, o diretor também pontuou que os efeitos da pandemia não foram considerados no momento de avaliar as escolas.  Ao concluir sua fala, Cláudio Marques propôs que os diretores e as diretoras de escolas afastados convoquem reuniões dos Conselhos de Escolas para que a comunidade avalie a cessação da designação do assistente de direção nomeado pelo prefeito.

 

Em seguida, o professor Leonardo Mannini, diretor da EMEF Ibrahim Nobre, trouxe elementos que caracterizam a escola na qual atua, como a comunidade na qual está inserida, os desafios e projetos desenvolvidos na unidade. Apresentou o Projeto Político Pedagógico, destacando o trabalho meticuloso que a unidade realiza em relação à alfabetização das crianças. Mannini reconheceu publicamente o trabalho de diversos profissionais da escola e ressaltou o envolvimento da comunidade com a escola, trazendo como exemplo a participação de pais de estudantes no cuidado com os espaços escolares. Para finalizar, o diretor mencionou a importância do afeto nas trocas que ocorrem no ambiente escolar.

Após as falas dos diretores convidados, houve a manifestação de diretores e diretoras que seriam afastados e/ou de suas representantes. As professoras Eloisa Gerolin e Marília Almeida representaram a direção da EMEF Campos Salles. Além do informe sobre a manifestação da comunidade escolar em frente à DRE Ipiranga e de um ato no bairro do Heliópolis, a professora Eloisa destacou o projeto diferenciado da escola, desenvolvido em contato com a comunidade local a partir da concepção de “bairro educador” e reforçou a fala do professor Cláudio Marques, de que o índice não descreve a realidade das escolas.

A professora Raquel Mariano Alves, representante da direção da EMEF Profa. Daisy Amadio Fujiwara, a partir de sua experiência como professora de língua portuguesa de turmas do 9º ano, informou que foi convocada para um curso de formação na DRE junto com outros colegas professores de língua portuguesa que tiveram alunos que não alcançaram nota satisfatória nas avaliações de larga escala. Ela questionou alguns aspectos dessas avaliações, como a falta de adequação das provas aos estudantes público-alvo da educação especial, a falta de acesso das professoras ao banco de questões dessas avaliações – antes, durante e depois da aplicação – além da categorização adotada para classificar as questões por nível de dificuldade, com base em uma lógica que reforça a falta de valorização do trabalho docente na análise dos resultados alcançados pelos alunos nessas avaliações.

A diretora Rosilene Silva Vieira, da EMEF Dilermano Dias dos Santos, apresentou demandas para a universidade, argumentando que é necessário investigar de onde vêm os contratos da prefeitura e os critérios que se mostram como técnicos, mas que não se sustentam. A diretora também abordou a importância de se exigir transparência da gestão pública e garantia de impessoalidade, propondo a investigação e a denúncia dos convênios firmados pela prefeitura, assim como a denúncia de uma política pública que não é anunciada abertamente. Ao finalizar sua fala, ela destacou que os estudantes da periferia estão sendo violentados mais uma vez, por se sentirem culpados pelo afastamento da diretora por conta do resultado de uma prova que fizeram, e concluiu reforçando que: “a vida dos alunos não cabe no Ideb”.

O diretor Carlos Roberto Medeiros Cardoso, da EMEF Deputado Caio Sérgio Pompeu de Toledo, por sua vez, destacou a importância da gestão democrática, relembrando a trajetória acadêmica do professor Vitor Henrique Paro, docente aposentado da FEUSP, que estava na plateia. Ele ressaltou que o Ideb existe para comparar escolas e que, mesmo se o critério para o afastamento dos diretores e diretoras fosse a nota no Ideb, a escola na qual trabalha não constaria na listagem por conta da nota atingida em 2023. Segundo o diretor, as escolas foram elegidas por uma questão política, ligada ao posicionamento da equipe gestora e de seu comprometimento com a  educação pública e com as comunidades e seu território.

O diretor comentou ainda que a decisão da SME é também um ataque à Universidade de São Paulo, pois alguns dos diretores e diretoras afastados foram formados por esta instituição. Ele exaltou a união dos estudantes da EMEF Deputado Caio Sérgio, que fizeram manifestações contrárias à decisão do afastamento, destacando  os elogios de dirigentes da DRE a essa escola. Por fim, o diretor fez um convite ao secretário municipal de educação para que venha à FEUSP conversar com a comunidade acadêmica e com os profissionais de educação da rede municipal.

A diretora Rute Reis, da EMEF Saturnino Pereira, iniciou sua fala demonstrando sua solidariedade a todas(os) as(os) diretoras(es) afastadas(os) de sua função e destacou que esse processo arbitrário não é novidade, considerando-se o que vem acontecendo no país e na cidade de São Paulo nos últimos anos. A diretora ressaltou que tal medida da SME está em conformidade com o projeto de privatização da gestão escolar e problematizou a perda da autonomia da Associação de Pais e Mestres (APM), apresentando uma denúncia contra as contas do cartão corporativo da APM, administrado pela DRE. Ela também revelou os problemas pelos quais a comunidade da Cidade Tiradentes tem passado, relacionados à moradia, e ressaltou a necessidade de  aproximação com as comunidades para organizar a luta junto a elas, buscando unidade na defesa da educação e na defesa do direito à moradia.

A professora Fernanda Rodrigues de Morais, que atua como supervisora de ensino na DRE Penha e acompanha o trabalho desenvolvido na EMEF Antônio Carlos Rocha do CEU Tiquatira, representou a diretora Liliana Santoro no evento. Fernanda Morais destacou o comprometimento da diretora com a educação integral e a proposta de tornar os espaços da escola atrativos para os alunos, de forma a incentivar que os estudantes queiram ficar na escola. Ao contextualizar a realidade dessa unidade escolar, deu exemplos da situação de extrema vulnerabilidade social a que a comunidade está submetida e afirmou que, a partir do trabalho desenvolvido pela diretora, “a escola é um oásis em meio a tanta exclusão”.

Fernanda Morais destacou que o curso para o qual as diretoras e diretores foram convocados não possui informações definidas, que a forma como as diretoras e os diretores foram afastados de sua função revela uma violência com aquelas e aqueles que realizavam seu trabalho de forma competente e comprometida com a comunidade. Ela trouxe a informação de que 93 escolas da rede municipal não possuem nota do Ideb, pois para pontuar no índice é necessário que uma porcentagem mínima de estudantes realizem a prova e há uma grande dificuldade em convencer pessoas em situação de exclusão a realizarem uma prova que não trará resultados práticos para elas. Nesse contexto, exaltou o trabalho da diretora Liliana junto aos alunos, que realizaram a prova atingindo a nota de 4,8, número muito comemorado na escola e dando pela primeira vez um índice no Ideb para os Anos Finais do Ensino Fundamental da EMEF Antônio Carlos Rocha. Para finalizar, a supervisora destacou que, nas 25 escolas da lista, as diretoras e os diretores são profissionais comprometidos com os direitos humanos e com a comunidade no entorno escolar, afirmando que a supervisão se opõe à medida da SME e que os dados do Ideb não podem ser usados para punir profissionais da educação.

Embora as escolas cujas diretoras, diretores e representantes participaram do evento apresentem realidades bem distintas, é possível observar que todas atendem a grupos em situações de vulnerabilidade social e que o trabalho realizado pelas equipes gestoras está assentado em fortes laços com a comunidade local.

Na segunda parte do evento, foi aberta fala ao público em geral e foram discutidas algumas propostas relativas a pesquisas a serem realizadas pela universidade e de atividades de apoio às comunidades escolares.

 

* Recomendamos a leitura de nota técnica publicada pela Rede Escola Pública e Universidade, na qual, após acurada análise do Ideb e do Idep, conclui-se que “as escolas selecionadas para a intervenção, de forma geral, não figuram entre aquelas com piores desempenhos no município. Algumas delas, pelo contrário, ocupam posições bem superiores às médias da rede. Portanto, na média, a escolha deste grupo de 25 escolas não foi motivada por desempenhos ruins ou pelo não atingimento das metas”(p.12) https://www.repu.com.br/_files/ugd/9cce30_eb8fc20b88e64ac8aee9a424a40088da.pdf

 

Texto: Anna Razvickas, Jany Elizabeth Pereira e Marina Capusso

Fotos: Marina Capusso e Leonardo Mannini

II Encontro de Iniciação à Pesquisa Científica na Graduação

Durante os meses de maio e junho, os  Discentes e Docentes da Comissão de Pesquisa e Inovação estão organizando o II Encontro de Iniciação Científica da FEUSP.
O encontro volta-se aos estudantes da graduação e tem como objetivo principal a formação de jovens pesquisadores, além de contribuir com a promoção da pesquisa de iniciação científica na FEUSP. Organiza-se a partir da apresentação das principais orientações necessárias à imersão dos graduandos no universo da pesquisa, em especial na estruturação e escrita de projetos de iniciação científica.
 
As atividades têm contado com significativa participação de estudante do curso de Pedagogia e de demais unidades da USP.

(Re)educação para as Relações Étnico-Raciais: formação em diálogo

No dia 16 de maio de 2025, as educadoras do Programa de Formação de Professoras e Professores (PFP) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), juntamente com o Profº Dr. Rosenilton Silva de Oliveira, docente da FEUSP, visitaram a Escola Estadual Dr. Luís Arrôbas Martins para uma atividade de formação. Partindo de momentos de diálogo com a equipe gestora e docentes da unidade escolar, foi organizada uma ação formativa na escola que tratasse do tema Educação para as Relações Étnico-Raciais. Essa ação corresponde a uma das possibilidades de articulação entre o PFP e as escolas parceiras. A relação de parceria com a EE Arrôbas teve início em 2015, com as primeiras reuniões entre educadoras PFP e equipe gestora para organizar o acolhimento e recepção de estagiárias da FEUSP.

 

Para abordar o tema proposto, foi convidado o professor Rosenilton de Oliveira, que, dentre outras atividades, é responsável por ministrar a disciplina Cultura e Educação Afro-brasileira e Indígena no curso de Licenciatura em Pedagogia da FEUSP e coordena o grupo Fateliku – grupo de pesquisa sobre educação, relações étnico-raciais, gênero e religião.

A atividade ocorreu no horário de trabalho coletivo das professoras, com a presença da equipe gestora e de todas as professoras da unidade. Após a rodada de apresentações, o professor Rosenilton iniciou a atividade afirmando que todas nós fomos educadas para as relações étnico-raciais, mesmo que não consigamos identificar como, onde e quando esse aprendizado ocorreu. Assim, considerando que vivemos em uma sociedade racista, é preciso nos (re)educarmos.

Em seguida, o professor explorou o conceito de marcadores sociais da diferença – cor/raça, gênero/sexualidade, religião e classe –, demonstrando como os marcadores são categorias de classificação, que criam um sistema de aproximações e distanciamentos com base em marcas que, na maioria das vezes, não sabemos onde e quando aprendemos.

Argumentou ser  importante que as profissionais da educação saibam reconhecer os marcadores sociais da diferença, como os que, por exemplo, se relacionam ao pertencimento racial e/ou de classe, identificando as ações cotidianas que podem ser geradoras de desigualdades no ambiente escolar. Por fim, foram reforçados os princípios da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER): reconhecer, valorizar e reparar, destacando que o enfrentamento ao racismo deve ser realizado coletivamente.

Ao final, houve um momento de troca entre as participantes e a sugestão, por parte da equipe escolar, de um novo encontro para dar continuidade à discussão, explorando outros aspectos da ERER, como as leis 10.639, de 2003 e 11.645 de 2008, que tratam da obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas.

 

Texto: Anna Razvickas e Marina Capusso

Fotos: Jany Elizabeth Pereira e Marina Capusso