Ano 100 com Paulo Freire

Paulo Freire

 

Paulo Freire, um educador brasileiro

Quem é este homem?

Paulo Reglus Neves Freire, nordestino, brasileiro, de classe média, filho de Joaquim Temistocles Freire e Edeltrudes Neves Freire, nasceu na cidade de Recife, no Estado de Pernambuco em 19 de setembro de 1921. Teve mais três irmãos: Stela, que se tornou professora primária, Temístocles, que foi para o exército e Armando, que trabalhou como funcionário público. A família sempre conviveu com muitas dificuldades financeiras. Teve uma infância pobre e viveu em uma região em que a população estava submetida a imensas desigualdades sociais e econômicas.

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foto Wikipedia
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foto Folha de São Paulo

 

 

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acervo do Memorial Paulo Freire

Sobre sua infância, Paulo Freire discorre no livro A importância do ato de ler (1989). Recorda como aprendeu a ler e coloca em evidência os vários tipos de leitura que fez nesse período da vida, como a leitura do lugar em que vivia, das pessoas com que se relacionava, dentre outras. O seu primeiro mundo na infância é descrito como o espaço da casa, das relações com os irmãos e com os pais de maneira delicada e afetiva. Este mundo vai sendo ampliado com a descrição detalhada do entorno da casa, onde existiam inúmeras árvores, pássaros, os ventos, as chuvas, os cheiros, os sons, as cores, as texturas. Os animais também faziam parte desse cenário.

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Família de Paulo Freire

Foi nesse mundo, descrito por suas lembranças, que Paulo Freire se alfabetizou. Sua mãe teve uma grande importância nesse processo, pois, por meio de gravetos, debaixo das mangueiras o ensinou a ler e escrever. Aos oito anos, Paulo Freire mudou-se para a cidade de Jaboatão, a 19 km de Recife, junto com sua família. Lá cursou o ensino primário. Aos 13 anos perdeu o pai e seus estudos tiveram que ser adiados. Só conseguiu ingressar no secundário, aos 16 anos no Colégio Oswaldo Cruz, em Recife.

 

Aos 22 anos, matriculou-se na Escola de Direito em Recife e diplomou-se em 1946. No entanto, não seguiu a profissão de advogado. Sua primeira experiência profissional se deu no próprio colégio em que frequentou o secundário, como professor de língua portuguesa. Durante o curso de Direito, em 1944, casou-se com Elza Maria Costa de Oliveira. Tiveram cinco filhos: Maria Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim e Lutgardes. Elza foi professora primária e diretora de escola. Teve uma significativa participação nas primeiras experiências realizadas por Paulo Freire na área da educação.

Em 1947, Paulo Freire foi contratado para dirigir o Departamento de Educação e Cultura do SESI (Serviço Social da Indústria), onde iniciou seus trabalhos com alfabetização de adultos. No período de 1954 a 1957 passou a exercer a função de superintendente do SESI. Simultaneamente a essas atividades, assumiu outros cargos públicos, como, por exemplo, membro do Conselho Consultivo de Educação de Recife no ano de 1956. Doutorou-se em filosofia e história da educação, em 1959, quando também foi nomeado professor efetivo de história e filosofia da educação, da Escola de Belas Artes de Recife.

Em 1958, o presidente da República no Brasil, Juscelino Kubitschek (que governou entre 1956 e 1961), convocou um Congresso de Educação de Adultos. Paulo Freire apresentou o trabalho que vinha realizando no nordeste. Defendeu que o subdesenvolvimento do Brasil não poderia ser imputado ao fato da população não saber ler e escrever. O “atraso” do país se dava pela grave situação de miséria em que se encontrava o povo. A educação e a escola brasileira foram severamente criticadas por Paulo Freire, consideradas desconectadas da realidade, não se enquadrando nem nas necessidades da sociedade moderna, nem nas demandas de desenvolvimento para o país naquele momento.

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Paulo Freire em Angicos acervo memorial Paulo Freire

A partir de então, Paulo Freire passou a ser conhecido no Brasil, propiciando uma mudança no foco da educação popular.  De acordo com Fávero (2006), a discussão sobre a educação continuava associada ao tema do desenvolvimento, bandeira do presidente Juscelino Kubitschek. Mas adquiriu também outra formulação, voltando-se para a defesa de ações direcionadas à formação da consciência do povo brasileiro, do ponto de vista individual e coletivo, particularmente da população mais pobre, excluída deste processo.

No início da década de 1960, foi um dos fundadores e o primeiro diretor do Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. Participou de maneira efetiva do Movimento de Cultura Popular (MCP) de Recife. Em 1961, exerceu a função de diretor da Divisão de Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e Cultura do Recife. As experiências e projetos para alfabetizar cortadores de cana, entre outros trabalhadores do campo, começaram a ganhar força e adeptos nesse período.

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João Goulart convidou Paulo Freire para Coordenar a Campanha Nacional de Alfabetização

No governo do presidente João Goulart (1961-1964), último governo democrático antes do golpe militar em 01 de abril de 1964, ocorreu uma maior aproximação entre o Ministério da Educação e Cultura e as entidades estudantis, sindicatos e setores da Igreja Católica que vinham atuando com a educação popular. Paulo Freire ficou com a missão de produzir levantamentos e pesquisas sobre a questão do analfabetismo no país. Foram criadas as Comissões Regionais de Cultura Popular, com a função de incentivar pesquisas nas áreas ligadas à promoção da cultura popular, tais como, folclore, teatro, cinema e música. Um pulsar acelerado passou a ditar os rumos dos movimentos culturais que se multiplicaram no país e mobilizaram lideranças tanto do mundo privado quanto da esfera pública. O 1º. O Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular e a criação de um programa extensivo de educação de adultos aconteceram nesse contexto.

Em janeiro de 1964, foi instituído o Programa Nacional de Alfabetização que optou pela proposta metodológica de alfabetização de Paulo Freire, sendo ele próprio coordenador da Comissão Especial responsável pela sua implantação. Em 1964, foram criados 60.870 círculos de cultura, a fim de alfabetizar 1.834.200 adultos, atendendo 8,97% da população analfabeta na faixa etária de 15 a 45 anos (Paiva, 1983).

O Movimento de Educação de Base também foi um agente fundamental no processo da educação de adultos e que estava imbuído da filosofia e pedagogia freiriana. Em 1963 elaborou uma série de materiais didáticos direcionados para jovens e adultos, tendo por objetivo tornar o processo de alfabetização uma tomada de consciência e transformação da realidade, alguns títulos já indicavam esta perspectiva, como por exemplo: Saber para viver e Viver é lutar.

As experiências bem-sucedidas com alfabetização foram reconhecidas em 1964 pelo presidente João Goulart que aprovou sua multiplicação no Plano Nacional de Alfabetização. No entanto, poucos meses após a implantação, o plano foi vetado pelos militares, que assumiram o poder. Freire foi preso duas vezes em Recife, confinado por quase 70 dias. As ameaças constantes fizeram com que buscasse asilo em 1964 na Embaixada da Bolívia. Sua estada nesse país foi bastante breve, pois um outro golpe militar fez com que emigrasse para o Chile, onde permaneceu até 1969, exilado com vários outros companheiros brasileiros.

No Chile conseguiu reunir toda a sua família e um novo ciclo na vida do educador foi iniciado, principalmente no que se refere a reflexões e sistematização do trabalho efetuado no Brasil na educação de pessoas jovens e adultas. Uma de suas principais obras foi produzida nesse período, a mais conhecida, A Pedagogia do Oprimido, na qual explicita seus princípios pedagógicos, políticos e propõe um novo modelo de ensino, com uma dinâmica menos vertical entre professores e alunos e a sociedade na qual se inserem. O livro foi traduzido em mais de 40 idiomas.

Trabalhou para o Ministério da Educação, para o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e também como consultor da UNESCO junto ao ICIRA – Instituto de Capacitação e Investigação em Reforma Agrária. O processo de educação e alfabetização realizado pela primeira vez em outra língua, o espanhol, dos camponeses rurais com os quais trabalhou, apontou a questão da língua, como uma das mais importantes dimensões da cultura, destacando os desafios que precisavam ser superados, o que não chegou a acontecer naquele momento.

Freire também atuou, eventualmente, junto a Corporación de Reforma Agraria (CORA), oferecendo, da mesma forma, métodos de alfabetização para camponeses nas propriedades expropriadas administradas pela agência, chamadas Asentamientos. Em seus quatro anos e meio no Chile, ele viajou por toda a extensão do país ajudando a organizar a alfabetização e os programas de educação popular. Nesse país, a alfabetização de adultos se tornou intimamente ligada às transformações sociais e econômicas no campo, promovendo a participação ativa e criativa dos camponeses na comunidade e sua participação no processo de desenvolvimento.

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Paulo Freire volta ao Brasil

foto pf11Em 1969, Paulo Freire aceitou o convite da Universidade de Harvard e, no ano letivo de 1969/70, ofereceu um seminário sobre suas reflexões na área de educação. Em 1970, transferiu-se para a Suíça onde trabalhou no Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas, lecionou na Universidade de Genebra e junto a um grupo de exilados brasileiros fundou o Instituto de Ação Cultural (IDAC). Genebra tornou-se, a partir de então, a base física de Paulo Freire e sua família até o retorno definitivo ao Brasil em meados de 1980, quando, após a anistia política, conseguiu passaportes brasileiros.foto pf10

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Paulo Freire na Índia
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Paulo Freire na África

De acordo com Haddad (2014), um tema ainda pouco estudado, quase invisível e que mereceria mais atenção, refere-se à atuação de Paulo Freire em Genebra. Acredita que Freire influenciou com suas ideias a cooperação internacional, tornando-a menos assistencialista. Freire visitou várias organizações que investiram em processos de transformação social nos países do hemisfério Sul e também do Norte. As viagens realizadas por ele tinham por objetivo tratar tanto seu pensamento pedagógico, quanto da repressão que ocorria na América Latina, África e Ásia. Nos países africanos, colaborou principalmente com as colônias portuguesas que, na década de 1970, lutavam por sua independência, tais como: Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Guiné-Bissau. Os novos governos revolucionários, que tinham como tarefa desenvolver economicamente seus países, consideraram a educação, especificamente a dos jovens e adultos, uma das principais bandeiras de luta para efetivar o processo de transformação, os índices de analfabetismo desses países africanos eram próximos de 90%. O investimento prioritário na educação para estes segmentos, excluídos da escola pelos colonizadores, era uma prioridade, como uma das possibilidades de provocar uma ruptura cultural após mais de 400 anos de colonização, permitindo a reconstrução e ressignificação das identidades culturais e históricas das várias etnias.

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Paulo Freire com Luiza Erundina

Paulo Freire retornou ao Brasil e assumiu a docência na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Em janeiro de 1989, aceitou o convite da Prefeita Luiza Erundina para ocupar a Secretaria de Educação da Cidade de São Paulo, cargo que ocupou por quase dois anos. Faleceu em 2 de maio de 1997.

 

Profa Maurilane Biccas – FEUSP