Analisar as diferenças entre a educação escolar indígena e a educação escolar convencional no Brasil, foi o ponto de partida do trabalho feito pelos pesquisadores Aline Abbonizio, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Elie Ghanem, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). A preocupação de fundo foi trazer elementos que pudessem elucidar em que nível as comunidades indígenas têm autonomia para definir processos escolares que superem o caráter colonialista da educação escolar convencional.
As respostas para essas questões foram obtidas especialmente por meio de observação direta e registros de conversas informais. “Os resultados consistem na descrição de características marcantes da prática escolar, levando à conclusão de que aquele grupo local, ao planejar seus objetivos escolares, está refletindo sobre o que quer do seu futuro e de sua comunidade, o que faz de sua escola o espaço principal de reunião comunitária, debate e intervenção sobre as condições de vida atuais e futuras”, diz um trecho da pesquisa.
Os pesquisadores realizaram seus estudos no município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Ghanem, que ficou voltado para a Escola Tukuya, localizada próxima à fronteira com a Colômbia, impressionou-se muito a unanimidade em relação ao gosto que a comunidade tem por sua escola. “O propósito central dessa escola é fortalecer a cultura Tuyuka, especialmente pelo uso de sua língua. E isso é reconhecido por crianças, pessoas adultas e idosas. Eu estive em todas as casas perguntando o que havia de bom naquela escola e, invariavelmente, a resposta foi: ‘é na nossa língua’”, explica.
Ghanem utiliza o termo “colonialista” na pesquisa, pois, muitas vezes, somos pretensiosos ao imaginar que os povos indígenas não têm conhecimentos passíveis de serem objeto de aprendizagem no ambiente escolar.
“Dois fatos me impressionaram especialmente na comunidade em que pesquisei, além do grande valor atribuído à escola como fator de fortalecimento da língua e da cultura daquele povo, a acentuada integração entre as atividades escolares e as práticas comunitárias. Não há tempos rígidos, não há horários fixos nem se seguem disciplinas escolares. As atividades da escola obedecem a um ritmo sereno e envolvem tarefas de manutenção dos costumes, incluem tanto a roça quanto o artesanato ou a coleta de produtos da mata”, relata Ghanem.
A escola indígena é funcional?
Na opinião de Ghanem, a proposta de cada escola indígena, onde desenvolveram a pesquisa, é muito funcional para os propósitos das comunidades e o que passou a ser nomeado como seus projetos de futuro. “As terras estão demarcadas e isso possibilita suficiente tranquilidade para que exerçam soberania quanto à definição de seus destinos. O controle comunitário da escola é muito forte, seu trabalho é constantemente apreciado e avaliado pelo coletivo, inclusive a indicação de docentes é feita pelas comunidades”.
O que precisa ser ajustado, na opinião do pesquisador, é a conduta das autoridades do sistema escolar para prestar apoio intenso e efetivo ao trabalho educacional que as escolas indígenas realizam. “Isto se deve ao fato de que os recursos postos à disposição dos professores e professoras indígenas são muito limitados. A manutenção dos prédios escolares é extremamente precária, a merenda costuma ser inadequada e insuficiente”.
Além disso, continua Ghanem, os professores e professoras indígenas precisam produzir os materiais de leitura para suas comunidades e turmas e não contam com apoio técnico, nem internet, nem meios de impressão. “As formas autóctones e comunitárias de avaliação das escolas e de estudantes são desprezadas pelo sistema, que não reconhece os pareceres descritivos utilizados pelos indígenas, requerendo homogeneamente o uso de escala de notas por disciplinas”.
Nas comunidades onde a pesquisa foi desenvolvida, se confirmou que seus moradores conhecem e estabelecem seus próprios objetivos das escolas. “O fato de as escolas priorizarem a língua predominante de cada povo, de recuperarem e utilizarem saberes tradicionais e de buscarem a aprendizagem por meio de práticas de pesquisa, são alguns exemplos de subsídios imprescindíveis à proposição de indicadores de avaliação educacional adequados à educação escolar indígena diferenciada”, finaliza Ghanem.