Manifesto da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo pela imediata revogação do Decreto No. 10.502, de 30 de setembro de 2020

Reconhecer os centenários processos de discriminação de pessoas com deficiência, termo que abarca também as pessoas usuárias de saúde mental, faz-se urgente num país que viveu décadas de ditadura civil-militar, cujo projeto de Estado relativo a esse setor da população foi nada mais que delegar à filantropia a proposição de ações pontuais, em espaços segregados.

Ao longo da trajetória histórica da Educação Especial no Brasil, percebe-se a hegemonia de instituições especializadas no país. Somente no século XXI, institui-se sob forma de política nacional, a proposição da educação especial sob o marco da educação inclusiva. Fruto de um trabalho intenso, protagonizado por vários atores sociais, com destaque às pessoas com deficiência, a legislação brasileira passou a garantir-lhes o direito incontestável à educação e a assegurar a matrícula na classe comum, de caráter inclusivo, visando garantir seus direitos à aprendizagem. A definição do público-alvo da Educação Especial: pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação consolida um conjunto de estudantes que têm seus direitos garantidos.

Acompanhando os debates e tratados internacionais, que reafirmam o compromisso com “não deixar nenhum/a aluno/a para trás”, o Brasil, por meio de suas políticas públicas e com o empenho dos profissionais da área da educação, vem buscando qualificar o trabalho da escola pública no que tange às propostas inclusivas seja por meio da oferta de formações ou de recursos.

Nesse sentido, a educação inclusiva passou a ser um princípio constitucionalmente assegurado e uma conquista histórica para o Brasil, inclusive colocando o país numa posição de destaque em nível internacional. Acompanhando os debates e tratados internacionais, que reafirmam o compromisso com “não deixar nenhum/a aluno/a para trás”, o Brasil, por meio de suas políticas públicas e com o empenho dos profissionais da área da educação, vem buscando qualificar o trabalho da escola pública no que tange às propostas inclusivas seja por meio da oferta de formações ou de recursos.

Forte indicativo desse compromisso explicita-se na promulgação do Decreto 6.949, de 2009, que homologa a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, conferindo-lhe status de emenda constitucional.

A publicação do Decreto n. 10.502, de 30 de setembro de 2020, pretende instituir uma política que se autodenomina inclusiva e equitativa, entretanto, impulsiona a criação e manutenção de escolas e classes especiais como serviços especializados, o que caracteriza retrocesso que impactará fortemente na escolarização das pessoas com deficiência, que hoje têm chegado à educação superior como resultado da sinergia de esforço dos últimos anos, bem como fruto do investimento de políticas educacionais na perspectiva da educação inclusiva.

O Decreto 10.502/2020 já nasce obsoleto e em franca oposição às evoluções democráticas alcançadas nos debates internacionais, posto basear-se em concepções e formas de organização do sistema educacional que entram em frontal contradição com os marcos legais brasileiros, com destaque à a Constituição Federal (CF/1988) e da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência  (ONU, 2007) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). O referido decreto é um mecanismo de desresponsabilização do Estado quanto ao direito à educação, aos seus deveres de investimento na manutenção e desenvolvimento de uma escolarização pública e com garantia de uma permanência igualitária e de qualidade.

A Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo reitera seu compromisso com a educação pública, gratuita, estatal, laica, inclusiva, de qualidade socialmente referenciada. Assim, manifesta-se pela imediata revogação do Decreto No. 10.502/2020.

Não admitimos retrocesso!

Classe e escola especial não é inclusão!

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo