Manifestação da Congregação da Faculdade de Educação da USP a respeito das mudanças estabelecidas pela Capes para o processo de avaliação de periódicos – Qualis/2020 e suas consequências para os Programas de Pós-graduação em Educação

A Congregação da Faculdade de Educação (Feusp), reunida em 16 de novembro de 2020, torna pública sua posição de contrariedade em relação aos critérios recém estabelecidos para a avaliação de periódicos científicos, que vêm sendo utilizados como referência para a avaliação da produção de pesquisadores e dos Programas de Pós-Graduação.

Considerando que esses critérios estabelecidos para o Qualis periódicos:

  • induzem a competição entre os periódicos, o que pode se expressar em pelo menos duas vias: a priorização de artigos de autores/as que potencialmente gerariam mais citações, favorecendo as figuras mais consagradas no campo – e, consequentemente, dificultando a disseminação da produção da grande maioria dos/as pesquisadores/as nos periódicos melhor avaliados segundo os critérios ora propostos; e o estabelecimento de condições para a publicação de artigos com vistas a incrementar as citações, tais como a exigência do uso de referências do próprio periódico; da parte da comunidade, estimula práticas de escambo de citações, endogenia e assédio nas relações de orientação e supervisão;
  • induzem à concentração em torno de temas e/ou abordagens considerados de maior interesse, ou de maior atualidade, marginalizando temas de relevância social e científica, mas de menor apelo, desestimulando a renovação temática e a emergência de novos objetos.
  • ao valorizar a publicação em língua franca e em periódicos de maior alcance global, desestimulam a abordagem de temas locais, regionais e nacionais em detrimento dos supostos interesses de leitores externos, transformados em alvos preferenciais da divulgação científica. Essa ênfase pode resultar em maior alheamento dos pesquisadores brasileiros para com problemas de nossa realidade, tornando, enfim, a ciência inútil para o conhecimento e o desenvolvimento do país, o que pode agravar o distanciamento entre a universidade e a sociedade.
  • desvalorizam a produção de determinadas áreas e sub-áreas ao estabelecerem critérios não isonômicos de avaliação, o que promove o desequilíbrio nos processos avaliativos, resultando em desigual distribuição de recursos para o fomento às pesquisas e aos processos editoriais. Salienta-se, nesse sentido, que o estabelecimento de um padrão único de avaliação contraria os paradigmas de isonomia e os princípios de redução das desigualdades regionais estabelecidos constitucionalmente.
  • dissolvem as tradições e a identidade das áreas e subáreas, sobrepondo às revistas em torno das quais elas se desenvolveram e que historicamente solidificaram sua legitimidade entre os pares, por veículos sem vínculo com suas comunidades acadêmicas.
  • conduzem à falência do sistema de divulgação científica nacional, uma vez que a relação de corresponsabilidade historicamente constituída entre entre Instituições para a avaliação e publicação da produção científica será substituída pela competição entre periódicos e Instituições.
  • submetem os periódicos e a produção científica brasileira à lógica comercial, tornando inviáveis as políticas editoriais de acesso aberto e a divulgação científica em altos estratos àqueles que não disponham de recursos financeiros para a publicação de pesquisas, uma vez que as revistas mais qualificadas no sistema de avaliação ora proposto são, ou ainda serão, controladas por empresas privadas que praticam cobrança por publicação, em valores indexados em dólar ou euro. A assinatura paga, para mera leitura ou download, de resto, já tem reduzido o acesso ao conhecimento a uma aristocracia científica e economicamente privilegiada. No atual cenário de estrangulamento do financiamento público de ciência e tecnologia, a consagração do acesso pago por seu valor agregado aos critérios de estratificação levaria à aniquilação das oportunidades de o pesquisador brasileiro, notadamente de ciências humanas e sociais aplicadas, fazer parte do debate científico internacional.
  • orientam a avaliação dos periódicos pelo nível de popularidade de artigos e/ou periódicos, e não pela efetiva contribuição que os trabalhos divulgados oferecem ao avanço do conhecimento científico, que, nas Ciências Humanas, ocorre num ritmo diferente daquele próprio às demais ciências; dado o caráter dialógico da produção de conhecimentos característico das Humanidades, os resultados das pesquisas se consolidam após processo de maturação que implica em mais longo tempo de trabalho colaborativo.

Somando-se a essas considerações a observação de que a alteração das regras de avaliação durante o período de vigência de regras previamente estabelecidas configura desrespeito às bases democráticas do fazer científico, manifestamo-nos contrariamente às mudanças estabelecidas pela CAPES para as avaliações dos periódicos científicos – Qualis/CAPES – e sublinhamos a necessidade de retomar as discussões para a definição de critérios que respondam às especificidades das áreas e de suas subáreas, bem como que valorizem a produção científica brasileira e promovam seu contínuo aperfeiçoamento.