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XV Colóquio internacional do LEPSI/ VII Congresso da rede INFEIES de Psicanálise, Política e Educação: "A nova ordem escolar"
Período: 07/11/2024 a 09/11/2024
A nova ordem escolar
Sob o olhar atento de muitos pesquisadores, a escola tem sido frequentemente diagnosticada como excessivamente rendida ao mercado. Não apenas enquanto um lugar a mais onde o mercado poderia vender seus produtos – sempre imprescindíveis como nos faz crer a propaganda - mas, sobretudo, como um lugar estratégico para disseminar a lógica que ele precisa para se fortalecer ideologicamente e para produzir a massa de consumidores que ele necessita para engordar sua conta.
Da escola não se espera mais que crie cidadãos – mesmo que os discursos oficiais digam o contrário – mas que ela desenvolva um “capital humano.” (Laval, 2004). A expressão entrou no vocabulário contemporâneo sem causar escândalo, uma vez que se fez parecer razoável comprometer cada criança, cada jovem, o mais cedo possível com um grande projeto de desenvolvimento econômico – cujos matizes não são os mesmos quando estamos do lado de cima ou de baixo da linha do Equador - mais que social, no qual as crianças e jovens teriam interesse em entrar para melhorar suas competências e sua condição de competitividade. A mão que balança o berço é a mão invisível do mercado!
A ameaça ecológica flagrante e o aumento generalizado do desemprego no mundo, são sinais difíceis de esconder dos jovens que já perceberam – mesmo quando estão tomados na sedução desse grande projeto de expansão sem limites da lógica concorrencial e do consumo – que talvez haja uma parte desta canção de ninar que não está bem cantada.
Talvez não seja por acaso que a jovem Greta Thunberg, ícone da denúncia radical ao engodo deste projeto, tenha exatamente escolhido a greve à escola como o ato decisivo para encaminhar seu protesto. Ainda que possamos relativizar o alcance de sua crítica pelo que ela pode comportar quanto à importância da escola, ela parece ter entendido o lugar onde se inicia o sequestro dos jovens para compor o exército do capital humano. Porque marchariam, ao passo de seus sequestradores, rumo ao desfiladeiro que se anuncia evidente logo aí à frente? Sem ter nenhum cargo político influente, a jovem Greta retira sua autoridade exatamente de sua juventude ameaçada por um futuro sem futuro. E mesmo as tentativas de atribuir a ela desvios patológicos ou um suposto oportunismo político de conveniência, não foram capazes de conter a verdade de seu protesto que ganhou o mundo. É o “retorno da verdade na falha de um saber”, diria, provavelmente, Lacan.
A um psicanalista, a expressão “capital humano” não passa sem escandalizar, porquanto ela testemunha a forma provavelmente mais bem acabada da supressão do sujeito. A vitória da economia sobre a política – ou como sublinhou Hannah Arendt, da sociedade sobre a pólis (Arendt, 1999) - promoveu uma inflação do indivíduo, na mesma proporção que uma desidratação do sujeito. No lugar do trágico, habitat próprio ao sujeito, surge o épico de um indivíduo cada vez mais “empresário de si mesmo”, conforme fórmula deenvolvida por Laval (2004)
Este deve buscar crescer infinitamente, transformar suas relações em transações, confundir felicidade com sucesso. Quando fraquejar e deprimir poderá buscar ajuda, em geral, em coachings ou terapias comportamentais que prometem devolver a ele sua adaptabilidade e motivação necessárias a retomar sua competitividade no jogo. Sabemos o fim deste indivíduo épico, sempre pronto a competir: o esgotamento e a medicação.
Quanto à escola, por sua vez, ali aonde exatamente o projeto grego da skolé a havia criado como o lugar do ócio – tempo de entrada na esfera pública, livre das obrigações econômicas de subsistência, que é ofertado ao jovem para que ele aprenda a dominar suas paixões (pathos) através do exercício da razão (ratio) - ela se vê convidada a participar, junto com todo o projeto social que a legitima e a condiciona, como mais um lugar de neg- ócio.
Caberia à escola do negócio não mais estimular o controle das paixões, mas, ao contrário, insufla-las ao máximo para que alimentem o consumo no extenso mercado da sedução dos produtos. Mas como sublinhou Christian Laval, este projeto de transformação da escola em uma empresa encontrou e encontra resistências que o têm impedido de consumar seus objetivos. Certas contradições internas, um mal-estar que ele gera, a dificuldade, enfim, para suprimir por completo o sujeito, permitem a existência de um espaço a ser explorado pelas vozes que salvaguardam o sujeito.
A psicanálise e, em especial quando ela se dedica a pensar o campo da educação, tem muito a dizer sobre este estado de coisas. Ou melhor, tem muito a fazer dizer sobre este estado de coisas, tarefa que caracteriza melhor sua posição discursiva. Mas sustentar esta posição num mundo que tenta suprimir o valor político da palavra exige vigor e assertividade. As questões axiais que alimentaram o debate da psicanálise com a escola republicana – as vicissitudes da questão intergeracional; a dimensão transferencial na relação professor-aluno; a impossível mestria pedagógica da educação; a resistência estrutural do sujeito à educação ideal, e tantas outras – se encontram ameaçadas de se tornarem obsoletas, no mesmo gesto que visa tornar obsoleta a própria escola republicana em prol daquela da ordem empresarial.
Convidamos a todas e todos a renovar conosco esse vigor e essa assertividade, mais importantes do que nunca ao psicanalista, sobretudo, àquele que se dedica às questões da educação. Em defesa da escola, em defesa do sujeito, nos proporemos os temas que permitem abarcar o âmago desta pretensa nova ordem escolar. A ver o que produziremos nesta travessia!
Referências:
Arendt, H. A condição humana, Rio de Janeiro, Forense universitária, 1999.
Laval, C. A escola não é uma empresa, Londrina, Editora Planta, 2004.
Alunos de Pós-Graduação
Professores da Educação Básica
Rinaldo Voltolini - EDF
Douglas Emiliano Batista - EDF
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