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XIV Colóquio internacional do Lepsi: Os nomes-da-criança: Infâncias, alteridade e inclusão
Período: 18/11/2021 a 20/11/2021
Há pelo menos um século, o termo infância ganhou entre nós uma resplandecência Comemora-se que a civilização tenha reconhecido a existência das crianças depois de séculos de desconsideração. As crianças, certamente, sempre existiram, mas agora possuem um estatuto político: a infância. De uma invisibilidade histórica a uma visibilidade panóptica - afinal convivemos na educação, por exemplo, com o imperativo da educação centrada na criança – eis a fórmula que parece resumir o salto dado na tematização da infância. Esta emancipação politica da infância mereceria ser parcimoniosamente analisada, seja em sua concepção, seja em suas consequências. Esta entrada no discurso do Mestre – aquele que é sempre a base de toda política - sugere que mensuremos o lugar que ela ocupará nesta trama discursiva. Olhamos para a criança, mas é ela que enxergamos? Ou ainda, o que enxergamos quando olhamos para a criança?
A resposta contemporânea a essas questões parece ser: “A” infância. Trata-se de um universal predicativo: toda criança é! Aquele tipo de universal que constitui o que Lacan chamou de discurso do universitário. Neste, a ciência viria cumprir o papel de fornecer as informações, e com elas os meios, para uma operação que toma o outro como objeto para descrevê-lo e dominá-lo. Que a infância ganhe em predicados parece trazer a ameaça a sua condição de sujeito. Como a ciência não cessa de evoluir cresce igualmente com ela a visibilidade do objeto que aborda. A visibilidade panóptica, gênero de controle apontado por Foucault como tipicamente normativo, nada mais é do que a operação padrão do discurso universitário. A infância é a normatização das crianças e da nossa visão sobre elas; daí em diante nosso olhar se vicia na criança da norma e, consequentemente, daquela que estaria fora das normas. O manto místico que cobre a ciência da aura do saber verdadeiro - como se ela não tivesse suas paixões - vem tornar convincente a operação e o circuito se fecha, de modo quase hipnótico, sem que possamos perceber como ele nos envolve: a infância aparece para nós como naturalizada.
Mas seria necessário – sobretudo em nossos tempos onde a infância parece fazer obstáculo para que se perceba as crianças – questionar aquilo que esta operação recalca: o significante mestre que constitui sua verdade. Devemos à Bárbara Cassin (2019) a melhor formulação deste recalque: “O universal é sempre universal de alguém!” Ou seja, ainda que se pretenda, como quer a ciência, um universal neutro - saído de uma regra de neutralidade que suprime o lugar da enunciação enquanto marca do sujeito em prol do enunciado universal, replicável - nunca há universal neutro. Por trás do universal que a ciência formula está a marca do Mestre.
Dizer que o universal é sempre de alguém, é reintroduzir o sujeito na discussão da ciência. Mas é, também, ressalvar a função política de todo universal: a segregação! Encontramos nesta frase de Cassin o mesmo diagnóstico de Lacan quando analisou as consequências políticas da aliança da ciência com o capital. Para ele como para Cassin, a resultante seria a segregação. Todo universal, sendo de alguém, é segregativo porque exclui o outro, aquele que não está do lado de quem formulou o universal. A infância é um universal que carrega atrás de si e em seu nome vários outros universais: a educação centrada no aluno; o desenvolvimento na infância; a educação inclusiva, etc. Em nome-da-criança “A” infância é erigida, operação que recalca o significante mestre que a condiciona. “Complicar o universal” é a fórmula que propõe Cassin para combater este vício do universal segregador. Complicar significa uma ação direta sobre este universal, uma ação que introduza nele o que a autora chama de “relativismo consequente”, que não é aquele – inconsequente – do cada um tem sua verdade. Não se combate o universal da ciência com supostas verdades particulares, mas com uma relativização da própria ideia de verdade. Relativização que fica bem demonstrada no neologismo criado por Lacan para a verdade: “varidade”. O termo francês varieté – variedade - é condensado com verité – verdade – dando em varité – varidade. Nada de verdade de cada um, mas, antes, de apontar que a própria verdade é não-toda. Ser não-toda não quer dizer ser incompleta, ineficiente, mas, ao contrário, é nesta semi-verdade que encontramos aquilo que toca o sujeito. A verdade que “cura e restaura” como assinalou Desmond Tutu na Comissão Verdade e reconciliação que pôs fim ao apartheid na África do Sul. Contra a verdade fáctica e universal da ciência, esta que busca a excelência, a verdade não-toda é aquela que prima pela suficiência. Nos termos de Cassin “(...) não uma verdade-origem, senão uma verdade-resultado, uma performance de verdade(...) (p.114). A verdade que interessa ao sujeito é a verdade perfomativa.
Os nomes-da-criança é, portanto, a fórmula que propomos para pôr em pauta a variedade das verdades na infância. Na e não da para marcar a saída do universal predicativo. A fórmula toda criança é esconde: (1) todas aquelas que não são – lembremos da horrorosa e esclarecedora manchete de jornal: “menor mata criança!” que ilustra com perfeição como “A” infância não é para todas as crianças; (2) que não-toda criança é, ou seja, esta abertura que mantém em aberto a possibilidade de deixar a criança falar sem ser panopticamente dominada por aquilo que se diz dela.
Mas há uma universalidade da infância que não deve ser deplorada; contra o universal panóptico da ciência há o universal tópico da estrutura. Se a universalidade científica escamoteia a veriedade da verdade, a infância parece ter um lugar lógico que a define no quadro geral do humano: o da pátria do humano. Afinal, “Saiba, todo mundo foi neném, Einstein, Freud e Platão também, Hitler, Bush e Sadam Hussein quem tem grana e quem não tem. Saiba, todo mundo teve infância, Maomé já foi criança, Arquimedes, Buda, Galileu, e também você e eu “ (Arnaldo Antunes “Saiba”,2004) Autores como Freud – em sua célebre fórmula emprestada de Wordsworth: a criança é o pai do homem – Agamben – infância como descontinuidade na história que possibilita o corte entre língua e discurso – Arendt – infância como natalidade que introduz o novo cortando o tempo, dando a este uma dimensão propriamente histórica – souberam com maestria marcar este lugar lógico da infância. E é na esteira deles que nos autorizamos a propor como título para nosso colóquio: Os nomes-da-criança: infâncias, alteridade e inclusão, numa clara alusão à fórmula lacaniana sobre os nomes-do-pai. Para Lacan, como para nós, trata-se de pluralizar o universal e recuperar com isso a dimensão política suprimida pela ciência: Deus criou o homem, os homens são produto humano, terreno, dizia Arendt para marcar que a pluralidade é a essência da politica. É a este lugar lógico, estrutural da infância no humano que fazemos referência para encontrar apoio, nosso apoio, para complicar o universal. Mas é, também, na pluralização que reintroduz o sujeito e sua necessária alteridade em relação ao Outro e o outro que nos propomos a pensar a inclusão da criança na infância.
Referências:
Antunes, A. Saiba (2004)
Cassin, B. Elogio de la traducción: complicar el universal. Ed El cuenco de Plata, Buenos Aires, 2019.
Alunos de Graduação
Profissionais da redes pública de saúde e educação
Professores da Educação Básica
Horários e Locais:
18/11/2021 - 09:00 às 12:00 - Plataforma Online
19/11/2021 - 08:00 às 12:00 - Plataforma Online
20/11/2021 - 08:00 às 12:00 - Plataforma Online
Rinaldo Voltolini - EDF
Daniel Revah

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Daniel Revah
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