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Evento

 
XII Colóquio Internacional do LEPSI
VII Congresso da RUEPSY
III Congresso da Red INFEIES
* A Escola: consumida ou consumada? *
Período: 16/11/2017 a 18/11/2017

Anais do Evento

Editor(a): Rinaldo Voltolini

Índice
Título: INCLUSÂO EDUCACIONAL: MAL-ESTAR DA DIFERENÇA
Autor: Aline Martins Disconsi
Coautor(es): Rose Gurski
E-mail: amdisconsi@gmail.com
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
- Trabalho Completo (clique para visualizar)
1-Resumo
O presente estudo, advindo da interlocução da psicologia com uma instituição de ensino profissional, propõe-se a refletir sobre a inclusão educacional. Parte da importância das conquistas jurídicas que amparam e validam os princípios inclusivos e reflete sobre a impossibilidade das diretrizes vigentes, por si só, garantirem a educação inclusiva em sua plenitude e tampouco cessarem o mal-estar produzido pelo confronto com as diferenças. Em um segundo momento, discorre sobre os registros e sobre a problematização do mal-estar da diferença em uma instituição de ensino. Desenvolve a ideia de que a exclusão é efeito da absolutização de uma suposta norma que lineariza todo aquele que se candidata a algum tipo de ensino e de que a incorporação da diversidade é a possibilidade de quebra de tal modus operandi. Ainda, aborda uma concepção de que o mal-estar na educação é proveniente do encontro com as diferenças, trazendo como fio condutor da discussão as contribuições de Freud e de Lacan. Por fim, problematiza uma prática da psicologia realizada em uma equipe trabalho interdisciplinar, bem como a proposta de exercer a inclusão neste contexto.
Palavras-chave: inclusão educacional; diversidade; mal-estar.
2-Introdução
Era de bom tom levar tartarugas para passear pelas galerias.
(BENJAMIN, 1994, p. 51)
Em uma noite de chuva torrencial – depois de frustradas tentativas de escrita que corporificassem o presente estudo – sonhei com uma lenta e gigantesca tartaruga que, alheia ao fluxo dos carros, buscava atravessar uma movimentada avenida. A tartaruga parecia não se importar com a sua quase-não-visibilidade perante as imponentes maquinarias automobilísticas e, decidida, seguia morosamente seu intuito, ou seja, o de chegar a um destino seja ele qual for. Minha participação naquele onírico cenário restringia-se em amparar, como uma espécie de guarda de trânsito, o inusitado percurso da tartaruga. As palavras por mim proferidas "Deixem a tartaruga passar, deixem a tartaruga passar", eram silenciadas em meio ao barulho dos motores dos carros. Carros esses que, por sua vez, não coincidiam com o formato dos automóveis da realidade. Ao contrário, os carros ganhavam materialidade através de palavras, ou melhor, de uma palavra: inclusão. Carros-inclusão que, no cotidiano acinzentado de uma cidade qualquer, seguiam acelerados os divergentes fluxos de um trajeto e que apenas por mero acaso não atropelavam a ousada tartaruga. Tais fragmentos de imagens, resquícios de um sono intranquilo, expressam a intenção desse trabalho.
Ao final do século XX, como resultado da Conferência Mundial de Educação Especial, é proclamada na Espanha a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994). Enquanto conjunto de princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais, a Declaração de Salamanca reafirma o compromisso com a educação para todos e reconhece a urgência de uma educação voltada para crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais . Seguindo tais preceitos, sustenta que os sistemas e os programas educacionais devem ser reformulados e implementados levando em conta a diversidade dos sujeitos que neles estão inseridos. Ainda ressalta que os estabelecimentos de ensino, ao se orientarem pelas diretrizes inclusivas, incorporam os meios mais potentes para a superação de atitudes discriminatórias e para a consolidação de uma sociedade inclusiva. No entanto, ao adentrarmos o interior dos contextos educacionais nos confrontamos com situações cotidianas que demonstram reincidentes dificuldades e possíveis resistências em se desviar de uma lógica voltada para o silenciamento das diferenças e cambaleante no direito de acolher aqueles que sempre deles estiveram apartados.
Reconhecer tal incongruência, colocar a tartaruga na rua, "leva-lá para passear", tem como objetivo desacelerar o fluxo das urgências e dos imperativos – tão costumeiros para aqueles que trabalham no âmbito da educação – e forjar um tempo-espaço de reflexão que permita analisar como acontecem os processos de inclusão das diversidades em uma instituição de ensino. Mas, também, acompanhar esse modo peculiar de transitar pela avenida, pela cidade e, sobretudo, pela escola, implica dar visibilidade aos enunciados que problematizam certa expressão de mal-estar ocasionada pelo encontro com as diferenças. Afinal, não é apenas por obra do acaso que a gigante tartaruga circula despercebida, sendo por uma questão de sorte que ela não se vê esmagada pelos carros-inclusão...
É, então, inspirada pela tartaruga do sonho, a qual ofertará um espaço de aproximação com os conflitos vividos no ambiente educacional, que elenco o seguinte problema para pensar sobre os processos de inclusão em uma instituição escolar: como a tartaruga, em sua potência lentificadora, pode problematizar uma instituição de ensino que se pretende inclusiva?
3-Metodologia
Para dar conta desta proposta de anteprojeto lançaremos mão de cenas e de histórias registradas com as marcas das inquietações e dos tensionamentos que perpassam uma prática profissional que se produz no encontro entre a psicologia com uma instituição de educação profissional. O ambiente que advêm as reflexões aqui expostas é o Campus Porto Alegre vinculado ao Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. Ao longo da pesquisa a ideia é pinçar cenas escutadas no ambiente institucional escolar para, a partir das discursividades que aí se enunciam, produzir uma análise sobre o mal-estar que se passa quando se tenta incluir uma pessoa com uma radical diferença. Contudo, partir da análise de cenas e de histórias, não se trata de desenvolver uma mera descrição de fatos e de situações. Pelo contrário, a proposta é de revisitarmos e de alinhavarmos tais experiências com conceituações que possam produzir uma pausa para pensar o mal-estar da diferença e as discursividades que emergem no encontro da diversidade no contexto educacional. Neste sentido, pensá-las e colocá-las enquanto potência de análise significa dar passagem para as marcas que dessas cenas-histórias ressoam e, sobretudo, traçar reflexões sobre as práticas discursivas que estão aí, no jogo institucional, no qual somos atravessados.
4-Resultado e Discussão
O reconhecimento, a valorização e o acolhimento da diversidade – enquanto característica constitutiva de qualquer sociedade – são os alicerces fundamentais de um discurso que aponta para a construção e a efetivação de uma sociedade inclusiva (MEC, 2004). No cerne de tal discurso, a temática da inclusão social está irremediavelmente atrelada ao princípio ético de compreensão e de respeito pelo outro e ao direito civil de igualdade perante a lei e, por pressuposto, de garantia de que todos independente de suas peculiaridades enquanto indivíduos ou grupos sociais tenham possibilidade de acesso e de participação, sem distinção e em condição de igualdade, a todas as oportunidades (UNESCO, 1948).
Em consonância com tais recomendações, a tentativa de redução das desigualdades sociais e regionais vinculada ao processo de democratização das instituições públicas de ensino impõe mudanças de paradigmas e transformações na legislação educacional brasileira as quais, por sua vez, indicam a universalização de todos os níveis e de todas as modalidades de ensino e reafirmam o ideal de incluir sujeitos que historicamente estiveram apartados da sociedade e, por conseqüência, colocados à margem dos processos de escolarização (BRASIL, 2011). Fruto de um contexto que concebe a educação como espaço privilegiado de garantia de direitos e de exercício da cidadania, a reivindicação por uma sociedade justa e igualitária, ao buscar resgatar aqueles que a própria organização escolar reiteradamente repeliu, é construída através da máxima educação para todos e do compromisso de transformação dos tradicionais sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos (UNESCO, 1990; UNESCO, 1994).
Consolidar um paradigma educacional, amparado nos direitos humanos, que possua uma concepção de igualdade que respeite a diversidade é o fio condutor da política inclusiva que surge como contraponto da política integrativa. Tais políticas materializam formas distintas de conceber a inserção e o acolhimento das diferenças. A primeira delas refere-se a um constructo-histórico recente, datado do final da década de 60 do século XX, que surge como questionamento às práticas de exclusão social e que busca integrar os sujeitos nos sistemas sociais tais como trabalho, educação, família e lazer. Segundo Mantoan (1998), o modelo filosófico-ideológico integrativo – baseado no princípio da normalização – pressupõe que todos têm o direito de vivenciar diferentes modos de vida em sociedade e o mais próximo possível da normalidade.
A crítica destinada a este modelo, conforme apresenta Sassaki (1997, p. 32), é a de que o princípio de integração confundiu normalizar estilos e padrões de vida com tornar as pessoas normais uma vez que a sociedade e, por conseguinte, a escola aceita receber as diferenças desde que elas estejam adaptadas às normas e às práticas tradicionais vigentes. Sugere-se, com isso, que a inserção é "parcial e condicionada às possibilidades de cada pessoa" (WERNECK, 2006, p. 109). Para Voltolini (2009) este paradigma reduz – e até mesmo aniquila – as diferenças dos ambientes escolares através de intervenções que, seguindo a prescrição de especialistas, versam sob um caráter restitutivo.
Em contraposição ao princípio da integração, a inclusão social e educacional indica novas possibilidades de acolhimento à diversidade e de afirmação das diferenças. A educação inclusiva, com significativa expressão no Brasil a partir dos anos 90, defende a inserção total e incondicional de todos os estudantes nos sistemas regulares de ensino e afirma que são estes espaços que terão que se organizar e se preparar para receber um público com distintas formas de existir e de aprender. Incluir a todos, neste contexto, implica respeitar as diferenças e garantir espaços onde as singularidades sejam reconhecidas, registradas e valorizadas.
Enquanto atributo macropolítico, a educação inclusiva é um direito indiscutível a ser garantido, contudo há que se problematizar que tal princípio não se concretiza em virtude somente da imposição de suas leis e de seus decretos. Na realidade, o caráter impositivo da educação inclusiva, que se solidifica enquanto procedimento normativo a ser seguido, põe em evidência a sua não aceitação. Dito de outro modo, aceita-se e acolhe-se "porque tem", mas não porque se deseja. Não se trata, com isso, de dizer que a dimensão do direito que busca delimitar as condições objetivas para incluir não seja relevante. Mas, trata-se, de reconhecer que responder aos imperativos das legislações educacionais inclusivas não garante a travessia da tartaruga pelas ruelas da educação.
Articulado com tal linha de pensamento, Voltolini (2009) sugere que devemos operar com a superação da lógica dominante da jurisdição e reconhecer que o princípio da inclusão requer uma "implicação subjetiva" por parte de todos os que neles estão envolvidos. De acordo com este autor, o destino da política inclusiva implica em recolocar o sujeito no centro da discussão e em deslocar o "ter", âmbito do direito, para o "ser", âmbito do sujeito (VOLTOLINI, 2009). Considerar que "não existe cidadão que não seja antecedido pelo sujeito" é um deslize sutil, mas que representa o destino de uma política que se pretenda realmente inclusiva (MILMANN, 2006, p. 96).
Descolarmo-nos do "ter uma escola" para o "ser um aluno" é um dos desafios para não sucumbir perante a proposta da inclusão educacional. Mas, o que significa de fato, no plano da educação, acolher a dimensão subjetiva para além da dimensão objetiva? É possível produzir uma cultura onde o desejo de acolher se sobressaia à prerrogativa do ter que incluir? Suscitar tais indagações implica em problematizar sobre como os estabelecimentos de ensino tem se posicionado diante da ousada incursão das diferenças e do diferente em seu cotidiano. Afinal, colocamos a tartaruga na rua, mas será que permitimos a sua travessia?
Título: De un dispositivo de formación docente fundado en el psicoanálisis: Recuperar la función socializadora de la educación
Autor: Ana Carolina Ferreyra
E-mail: anacaroferreyra@gmail.com
Instituição: FLACSO - UBA - UNGS
- Trabalho Completo (clique para visualizar)
Resumen:


Presentaremos un dispositivo de formación docente que implementamos en dos profesorados universitarios en Buenos Aires, Argentina.


El dispositivo nos resulta muy interesante a juzgar por los efectos que produce en nuestros estudiantes (efectos que se manifiestan en el coloquio final)


Intentaremos dar cuenta: por una parte de los fundamentos que le dieron origen y justifican la actualidad del programa que ofrecemos y por otra, de algunos hallazgos que impulsaron la necesidad de su formalización, y que causaron una investigación en curso.


 


Palabras clave: formación docente ; dispositivo; implicación subjetiva


 


De un dispositivo de formación docente fundado en el psicoanálisis: Recuperar la función socializadora de la educación


 


       El máximo interés del psicoanálisis para la Pedagogía se apoya en un principio, demostrado hasta la evidencia.


Sólo puede ser pedagogo


 quien se encuentre capacitado para infundirse en el alma infantil,


 y nosotros, los adultos, no comprendemos nuestra propia infancia  (…)


Cuando los educadores se hayan familiarizado con los resultados del psicoanálisis,


 le será más fácil reconciliarse con determinadas fases de la evolución infantil,


 y entre otras cosas,


 no correrán el peligro de exagerar la importancia


 de los impulsos instintivos perversos o asociales que el niño muestre.


 Por el contrario, se guardarán de toda tentativa


de yugular violentamente tales impulsos


 al saber que tal procedimiento de influjo


 puede producir resultados tan indeseables


como la pasividad ante la perversión infantil,


 tan temida por los pedagogos


 Freud, S. (1913-14/1997)


 


Introducción:


De un tiempo a esta parte, en algunas disciplinas de cursado obligatorio para los profesorados de Enseñanza Media y Superior,  venimos implementando un dispositivo de formación que halla sustento teórico en la temporalidad lógica para la constitución de un sujeto que propone el psicoanalista francés Jacques Lacan en su escrito “El tiempo lógico y el aserto de certidumbre anticipada: un nuevo sofisma”


La idea del presente artículo, es la de presentar dicho dispositivo, el cual nos resulta muy interesante a juzgar por los efectos que produce en nuestros estudiantes (efectos que se manifiestan en el coloquio final)


Pretendemos dar cuenta: por una parte de los fundamentos que le dieron origen y justifican la actualidad del programa que ofrecemos y por otra, de algunos hallazgos que impulsaron la necesidad de su formalización, y que causaron una investigación en curso.


 


¿Por qué y qué del psicoanálisis para la formación docente?


 


Partimos de la premisa según la cual una práctica está siempre en función de una concepción de sujeto, sea que ésta esté o no explicitada y en este sentido “no es en absoluto lo mismo abordarlo [al sujeto] como un conjunto de sustancias y neuronas -que no hay dudas, las tiene- que abordarlo como alguien responsable de sus decisiones, las sepa o no”(Kait, G.;2015)


Al respecto, el psicoanálisis propone una noción de sujeto que produjo una ruptura epistemológica con la concepción moderna del sujeto de la conciencia, a partir de la hipótesis freudiana del inconsciente; hipótesis que será retomada y reformulada por Jacques Lacan y que dará lugar a la noción de sujeto que sostenemos en nuestra materia.


Será la noción de inconsciente como discurso, un concepto que se forjará sobre la huella de lo que opera para constituir al sujeto como efecto del lenguaje y a su vez la concepción de sujeto como efecto de lenguaje la que introducirá de manera necesaria (y no contingente) al Otro, haciendo las veces de puente para una conversación posible entre el psicoanálisis y la educación.


Partimos del hecho de que esta relación necesaria al Otro, presenta para el sujeto humano no pocas contrariedades, tal como lo refleja el uso metafórico de la parábola de los puercoespines que hiciera Freud apelando a aquella propuesta por el filósofo Arthur Schopenhauer, según la cual:


 


“En un frío día de invierno un grupo de puercoespines se acercaron mucho los unos a los otros, apretujándose, con el fin de protegerse, mediante el mutuo calor, de quedar helados. Pero pronto sintieron las recíprocas púas, que los hicieron distanciarse otra vez a los unos de los otros. Mas cuando la urgencia de calentarse volvió a acercarlos, se repitió otra vez la misma calamidad, de modo que eran lanzados de acá para allá entre uno y otro mal, hasta que por fin encontraron una distancia moderada entre ellos, en la que podían mantenerse óptimamente”  


(face="Times New Roman" size=3 color=black>Arthur Schopenhauerface=Arial size=1 color="#C96A80"> Parerga y paralipómenaface=Arial size=1 color="#222222">, volumen II, capítulo31, sección 396)


 


De aquí, entendemos con Voltolini (2011) que la función primordial de la educación, preliminar a cualquier otra tarea que se le pueda designar, es la de “introducir lo común” (como Uno pero sin que ello implique univocidad), acto que implica establecer una relación con el Otro (en tanto representante de la cultura) y con el otro (el semejante), la que bien puede definirse en términos de regulación de la proporción con el otro, de la que depende inclusive cualquier sentido o uso que se pueda hacer del conocimiento adquirido.


Despejada la importancia de la caracterización/definición del sujeto, consideramos necesario ofertar, además,  herramientas para leer las especificidades del sujeto (niñx o adolescente), situándolo en el marco de una institución (la escolar) con sus características propias y en una dimensión socio-cultural como la actual (diferente quizás a la de otras épocas y/o regiones).


Para todo ello apelamos -además del psicoanálisis- a los aportes que ofrecen la pedagogía social, la antropología, la sociología y toda otra disciplina que enriquezca la comprensión de la temática que nos ocupa.


 


Cómo estructuramos la materia


En principio, la materia ofrece un recorrido por los conceptos fundamentales del psicoanálisis, pero he aquí la necesidad que encontramos de esclarecer algunas cuestiones, dado que no es novedoso el hecho de que el psicoanálisis tome contacto con el campo educativo.


En un artículo dedicado a la investigación, el psicoanálisis y la universidad, Amelia Imbriano nos recuerda que la creación de las universidades en el siglo XII, se debió a órdenes reales. Dice la autora: “(...) poder del Amo, quien decidió concentrar el saber para que sirviera a sus fines de dominación. El Amo recupera, estandariza y regulariza el saber para que pueda servirle. (...) en las universidades se ha desarrollado una ideología, la búsqueda del saber por el saber, que lleva a una repetición al modo del automatón y la despreocupación por las transferencias y por las consecuencias, lo que implica que ese saber no sirve para la comunidad y que el que lo posee no se preocupa por los efectos del mismo. Por tanto, la tradicional universidad ha surgido enlazada a la efectuación del poder del Amo en la producción de la esclavitud” (Imbriano, A.; 2000)  


El caso que nos ocupa, la modalidad que sostenemos poco tiene que ver con este modo de concebir la transmisión y la búsqueda del saber.


Nos interesa orientar la transmisión en torno a campos de problemas, lo que facilita el trabajo interdisciplinario y las vinculaciones entre la investigación, la docencia y los servicios profesionales a la comunidad.


De aquí que pensamos la transmisión de la teoría psicoanalítica, no con la intención de lograr la repetición automática y la despreocupación por lo que se pone en juego en la relación educativa sino muy por el contrario, a los efectos de contribuir al armado de la caja de herramientas de los futuros agentes educativos, ya que compartimosface=Verdana size=3 color=black> con Foucault (1985)la idea de que “Entender la teoría como una caja de herramientas quiere decir: - que no se trata de construir un sistema sino un instrumento, una lógica propia a las relaciones de poder y a las luchas que se comprometen alrededor de ellas; - que esta búsqueda no puede hacerse más que poco a poco, a partir de una reflexión (necesariamente histórica en algunas de sus dimensiones) sobre situaciones dadas


Es por ello que -además de la selección de los contenidos- implementamos un dispositivo de evaluación y trabajo que acompaña toda la cursada, y que supone el trabajo reflexivo e implicado (apuntando a la implicación subjetiva), a la par que con otrxs,  sobre una situación dada.


Metodología: El tiempo lógico: Instante de ver, tiempo de comprender, momento de concluir.


A) El instante de ver:


Sostenidos en la afirmación freudiana del epígrafe, así como en el objetivo de conmover  la posición de lxs futurxs profesionales hacia un lugar de responsabilidad subjetiva, solicitamos a lxs estudiantes que ubiquen una escena de su escolaridad secundaria o primaria (según sea el nivel educativo para el cual se están formando) y/o de su práctica docente (en el caso de aquellxs estudiantes que ya están en ejercicio de funciones docentes) en la cual haya sucedido algo que les haya generado un enigma para el cual aún no tengan explicación y que la narren intentando abstenerse de dar explicaciones y/o de concluir anticipadamente. La narración debe desplegarse en tres dimensiones:


a) color="#222222">La dimensión socio-cultual: se trata de describir el contexto social y cultural de la escuela o de la instancia educativa en la que transcurre la escena. Este pedido se fundamenta en la idea de que determinadas coordenadas históricas, sociales y culturales  tienen su incidencia en la producción de malestar.


b) La dimensión subjetiva: involucra los modos en que un sujeto vive lo social y contempla aspectos específicos de las infancias y/o las adolescencias. Desde la perspectiva del psicoanálisis, esta dimensión hace referencia a las coordenadas de producción de un sujeto, en nuestro caso del "candidato" a estudiante, del que en principio tendremos indicios, pero también de nuestro “candidato” a docente, en la medida en que trabajamos a favor de su propia implicación en la función a desempeñar.


c) La dimensión institucional educativa atañe a la descripción de las características particulares de una institución (que para el caso que nos toca es la institución escuela) (aquello que hace a su gramática, pero también a las formas particulares de gestión de las situaciones en su interior), entre otros aspectos que pueden ser relevantes en cada escena.


Una vez narrada la escena, les solicitamos que formulen preguntas que apunten a develar la lógica subyacente a la escena, aquellos resortes que hacen que algo sea posible (cuidando que las preguntas no apunten a comprender las razones de los sujetos, las que entendemos suelen ser opacas hasta para el mismo sujeto).


El objetivo que nos proponemos es el de ingresar por lo singular de una situación, para que, a partir de la misma, se pueda ampliar el campo visual, la mirada sobre lo que sucede con lxs estudiantes en una escena del ámbito educativo, con el fin de ayudar a despejar el terreno para que la enseñanza tenga lugar.


Se trata de un ejercicio que invita a no dejarse capturar por una primera impresión sobre lo que acontece en el aula, en el recreo, en la esquina de la escuela, con un chico o chica. Se trata de un tiempo que (tal lo referido más arriba) recreando la elaboración teórica del psicoanalista Jacques Lacan, es considerado el primer tiempo de tres instancias de una temporalidad lógica desde el punto de vista de la subjetividad


 


B) El tiempo de comprender


Es el tiempo de la apelación a la teoría como caja de herramientas. Aquí lxs estudiantes deberán echar mano de aquellos conceptos impartidos en la materia que consideren que pueden ayudar a comprender la escena que elijieron.


 


C) El momento de concluir


Se plasma en la instancia del final, donde invitamos a lxs estudiantes a volver sobre el primer instante de ver, para mirarlo quizás, con otros ojos.


Es en ese momento que quienes transmitimos y enseñamos verificamos que algo se movió del lugar de donde estaba, y fundamentalmente que asistimos a una conversación con sujetos que se posicionan de un modo diferente ante la función que les tocará (o que les toca a quienes ya están en ejercicio), verificación que encontramos en frases de nuestros estudiantes en su coloquio final, cuando nos afirman cosas tales como:


“Poder entender qué son las adolescencias y cómo se construye el vínculo me permitió entenderlos [a los estudiantes] y entender mejor dónde me tengo que poner. Antes me hubiera pensado como par...muchos de nosotros todavía somos adolescentes...pero tenemos que ponernos en un lugar de asimetría....”


“Me pareció re importante el concepto de pulsión....no hay con qué darle...se manifiesta y se va a manifestar....Entonces hay que saber que no tenemos que imponer un molde sino ver qué hacés con eso”


“Antes tenía preocupación por ser par...por la autoridad...esto me ayudó a pensar el límite de una manera diferente....para dar lugar a lo que está permitido”


“Al empezar el análisis de la escena teníamos puesto el enfoque en el alumno...y fuimos rotando y la mirada fue puesta también en la intervención de los adultos...no tienen que quedarse con lo primero que uno ve...eso hay que tomarlo como síntoma y a su vez como palanca...para ayudar a que la cosa cambie”


“Lo que más me interesó es la posibilidad de ver de otra forma las relaciones que se establecen con los alumnos...por ejemplo en otra época hubiera pensado que estaba bien echar a los alcoholizados....Ahora pienso que no es la manera....hay algo atrás....hay que desnaturalizar...a simple vista no se vé....hay que mantener el enigma...”


“Es importante la necesidad de relacionarnos a través de los contenidos culturales...y a la vez tener presente que estos tienen que ser vivos y transmitir el deseo...”


“Yo presuponía un montón de cosas, entonces me costaba la transferencia...cuando además tenés superpoblación...cuesta pensar en los sujetos....es angustiante....no podía generar un lazo ni que apareciera el deseo....No te podés centrar en un alumno en especial...Entonces hay que buscar otros métodos... Leer a Moyano y pensar en la selección de los contenidos....y tener presente la idea de asimetría y los límites con la doble cara que prohibe y habilita...me dí cuenta que se trata de transmitir, no de imponer...de dar herramientas para que el sujeto se apropie...Uno de lo primero que se agarra es del saber...entonces no permitís un lugar de sujeto. Tengo muy presente la transmisión del deseo ...y eso hace que uno trabaje también”


“Cuando leímos cosas en relación a la transferencia y a los contenidos culturales...me dí cuenta que hacía lo mismo que odiaba en mis profesores”


“Te dan ganas de salir a la cancha”


 


Discusiones y primeros resultados:


Parafraseando a Imbriano (op.cit) en su descripción de lo que el psicoanálisis produce en el investigador diremos respecto de nuestra tarea, que se trata de “una invitación a cultivar la búsqueda de un saber que se encuentra, por ejemplo, en las sorpresas, en alusión directa al campo abierto por el descubrimiento del inconsciente que lleva la marca de Sigmund Freud (…) Las hipótesis, las preguntas y los encuentros [con lxs otrxs] cobran especial importancia. La condición será autorizarse a crear, producir, construir, por humildes que sean los presupuestos, hipótesis, intuiciones, sospechas. Esta posición implica un compromiso que causa (…) una experiencia cartesiana. El método de la duda es muy útil. Por ejemplo, nos permite no creer ningún enunciado a priori (…) No se trata que el investigador [en nuestro caso el estudiante futuro docente] trabaje una pregunta sino que una pregunta trabaja al sujeto. Lo que resulta de la experiencia es un saber nuevo para cada uno. (…) Implica que el sujeto salga de su pereza y se produzca como trabajador decidido“


Podemos pensar que el trabajo que proponemos es el de poner a trabajar lo que se presenta en un impasse, lo que no funciona, la dificultad. Al decir de Miller podría ser “tomar posición respecto de un saber y ponerla a prueba en una exposición. Esto implica ceder algo, desprenderse, separarse. Cambiará de posición al respecto de “su saber” (…) El trabajo implica la reelaboración permanente, tomar posición, hacer una elección, tomar una decisión, establecer un juicio en relación a un enigma, para soportar la puesta en crisis y la producción de la refundación del enigma”


 


Bibliografía:


Freud, S: (1913) Múltiple interés del psicoanálisis – En: Freud, S.: O.C. Traducción de Lopez Ballesteros


(disponible en: face=Roboto size=2 color=black>Freud,%20Sigmund%20-%20LXXV.%20M%FAltiple%20inter%E9s%20del%20psicoan%E1lisis.pdf) Consultado  el 30 /3/ 2017)


Imbriano, A.(2002) Teoría de la Investigación en Psicoanálisis: La investigación, el psicoanálisis y la universidad, disponible en: face="Times New Roman" size=3 color=black>href="http://www.psicomundo.com/foros/investigacion/imbriano.htm">http://www.psicomundo.com/foros/investigacion/imbriano.htmface=Arial size=3 color=black> (consultado el 20/2/2017)


 


Miller, J.A.:(2006) Introducción al método psicoanalítico – Ed Padios


 


Voltolini, R (2011): Educação sem sociedade – en Magalhães Mrech, L. y Pereira M.R (comp.) Psicanálise, transmissão e formação de professores -  Fino Traço Editora
Título: 0 papel da escola na formação do sujeito
Autor: Ana Celina Aquino Vasconcellos
E-mail: anacelina@globo.com
Instituição: Instituto Superior de Educação Pró-Saber
- Trabalho Completo (clique para visualizar)
Comunicação oral para congresso de Psicanálise e Educação - 16 a 18 de novembro de 2017
Temática: Mal estar contemporâneo e os impasses da educação:

O papel da escola na formação do sujeito
Ana Celina Aquino Vasconcellos
Dra. em Educação - USP
Co-coordenadora da Pós-Graduação em Psicopedagogia
Instituto Superior de Educação Pró-Saber – ISEPS

Resumo: O papel da escola na formação do sujeito traz uma reflexão sobre a função da escola numa perspectiva cultural, institucional concomitante à formação do sujeito. A literatura pedagógica centrada sobre o que hoje se tem nomeado cultura escolar compreende que o ritual da própria organização interna a cada escola configura um feixe de rotinas, usos e costumes, saberes e valores, que não apenas fazem parte da instituição, mas, sobretudo, “fazem” a instituição. A escola cumpre uma função civilizatória por ser uma instância social, universal, apropriada para a instrução e formação coletiva de crianças, jovens e adultos, de todas as classes sociais. Indagamo-nos, entretanto, sobre a adequação da função civilizatória da escola e qual o recorte que a escola fez e faz da cultura para distinguir as novas (ou não) maneiras de lidar com a formação de crianças. A escola, amplamente reconhecida como a única instituição da modernidade frequentada por todos, crianças e jovens, tem um poder inegável, formando uma sociedade escolarizada, a qual, segundo Lahire (2006), influencia as práticas culturais da vida adulta. Nossa interrogação é em torno exatamente desse papel da escola. A função da escola seria exclusivamente a “arte de transformar crianças/adolescentes em alunos”? O essencial da cultura, isto é, a maneira de viver, não se aprende na escola, mas no seio da família e do meio social em que se está inserido. De fato, impor uma superescolarização ao indivíduo é destruir sua identidade, pois este aprende hábitos e gostos característicos no interior de sua família e comunidade. A ênfase no papel da escola em detrimento da educação familiar pode ser causa de infelicidade, uma vez que, desprovida de raízes e memória cultural, dá margem a que surja um conflito latente entre as orientações em jogo: as atitudes, os valores culturais que o indivíduo traz de seu meio familiar e social, de um lado, e, de outro, as exigências implícitas da cultura escolar, que enfatiza uma abordagem predominantemente intelectual e livresca. Os eixos da Pesquisa IRDI, desenhada e coordenada pela psicanalista Maria Cristina Kupfer para estudar o desenvolvimento infantil psíquico desde seu nascimento, nos delineiam um caminho na ideia pensada do conceito lacaniano de suposição de sujeito e que gostaríamos de trazê-lo por considerarmos fundamental essa contribuição para a sala de aula. A existência de um sujeito que fala de si na construção do seu conhecimento é fundamental para que se dê o encontro do professor com o sujeito aluno, tal qual faz o adulto privilegiado na relação com a criança. Temos que a educação só pode ser viável se for uma educação que contemple o homem na sua inteireza. Uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e não apenas ao sujeito cartesiano, ligado tão somente a um de seus componentes. Advogamos a ideia de que a educação ajude a ligar tudo o que foi desconectado, respeitando o homem como o sujeito que pensa, sente, toma decisões, faz escolhas, deseja, assume e responsabiliza-se por seus atos.
Palavras-chave: função da escola; cultura escolar; civilização escolar; suposição do sujeito; ser cognoscente
Título: As relações de consumo e seus impactos na infância contemporânea
Autor: Ana Cintia Diosti Kuchkarian
Coautor(es): Professora Doutora Elizabeth dos Reis Sanada
E-mail: acdiosti@hotmail.com
Instituição: Instituto Singularidades
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“A característica mais proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a transformação dos consumidores em mercadorias”. Zygmunt Bauman
Ser aceito e admirado continua sendo meta do ser humano, que vive, desde a mais tenra idade, driblando desafios para a sua bem-sucedida inserção na sociedade. Ficar de fora é uma angústia e quando não se consegue compreender ou nomear essa exclusão abre-se espaço para o consumo desenfreado com a intenção de empoderar-se, fortalecer-se, pertencer. A partir desta constatação, temos como objetivo discutir as relações de consumo e seus impactos na infância contemporânea.
O mercado publicitário tem apostado num precioso nicho: crianças carentes de presenças e presentes, influenciadas por produtos e padrões pré-fabricados e pais ansiosos em suprir a lacuna deixada por horas e horas no trabalho e suscetíveis aos argumentos de quem aprendeu, com comerciais da TV e personagens favoritos, a persuadir a mãe e a abrir a carteira do pai.
A exposição descuidada à mídia pode resultar num comportamento adultizado e erotizado precocemente, construindo crianças com desejos e atitudes reproduzidas sem consciência e levando educadores a refletirem sobre o quanto esses processos interferem na aprendizagem, no convívio social e na constituição da criança enquanto sujeito. A escola é um colégio capaz de grandes transformações e a intervenção docente pode minimizar ou estancar processos de exclusão, bullying, formação de tribos e, num âmbito mais simplista, trazer à tona complexos, rejeições, patologias e seus impactos no cotidiano.
Os questionamentos sobre como a pseudonecessidade de produtos e estereótipos convive com a postura escolar são latentes, já que a criança é um dos principais pilares que sustenta esta rede de consumo e sua imagem é o elo para uma nova realidade: a da infância consumista, insaciável, frenética, que chega à escola com novos interesses, preferências e condutas e nem sempre convive pacificamente com as angústias e os prazeres de ser “apenas” criança preocupada em brincar livremente, aprender a ler e escrever e empoderar-se o suficiente para não ser uma marionete midiática. Para compor nossa apresentação, além do amplo repertório teórico, traremos recortes de casos obtidos em nossa prática docente e clínica.
Título: Crenças pedagógicas na educação musical
Autor: André Albuquerque Mourão
E-mail: andre.albumourao@gmail.com
Instituição: FEUSP
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Crenças pedagógicas na educação musical

Resumo ampliado/expandido

André Albuquerque Mourão para o 12º Colóquio Internacional do LEPSI

1. Resumo

A ilusão (psico)pedagógica é aquela que condena os adultos a sempre “conhecer” de antemão os agentes e fatores envolvidos no processo educativo. Significa estar em constante “atualização” sobre o “como fazer” em relação às crianças e à sua suposta realidade infantil. Assim, a depender do conteúdo a ser ensinado ou da área teórica que se aplica à pedagogia, encontram-se diferentes traduções da crença pedagógica moderna, que busca na educação o aperfeiçoamento das práticas sociais e políticas do futuro. Investigamos como tais problemáticas aparecem na educação musical. Nessa área, são diversas as justificativas cientificistas e funcionalizantes para a realização da atividade musical, bem como as explicações sobre as benesses que esta traria às crianças.

Palavras-chave

Educação musical; Psicanálise e educação; Filosofia da educação; Pedagogia

2. Introdução

A educação, a escola, o tempo de brincadeira das crianças, os momentos que estas passam junto aos adultos, seriam ou não experiências que possuem um objetivo final, uma funcionalidade? Se a resposta for afirmativa, então sempre poderemos apostar nossas fichas nos avanços científicos dos mais diversos campos para que tais estudos e teorias produzidas possam nos elucidar, cada vez com maior precisão, sobre a melhor maneira de educar nossas crianças, o melhor caminho para o funcionamento eficaz de nossas escolas, as brincadeiras que mais assegurariam um futuro feliz e as atividades mais adequadas para realizarmos com nossos filhos – nos ajudando, inclusive, a otimizar nosso tempo.

O século XX viu a consolidação de inúmeras teorias e aplicações pedagógicas, difundidas em escala global de uma maneira inédita na história, que buscam desvelar a realidade infantil, sua verdadeira natureza, a partir de variadas áreas do conhecimento – a psicologia, a sociologia, a neurologia, etc. Junto a isso se disseminaram novos pressupostos sobre a própria ideia de infância e educação que, a despeito das teorizações em si, se naturalizaram no imaginário social e político.

Evidente que os ideais de criança mudam com os tempos sempre a partir dos próprios ideais de adulto. Dessa maneira, alternam-se na história diferentes representações da criança, onde esta é imaginada “ora anjo a ser protegido dos males adultos, ora animal a ser adestrado em nome da civilização também adulta” (Lajonquière, 2013 : 41). Independentemente de qual desses lados se encontram as diferentes práticas pedagógicas hoje, o problema que se instala a partir da lógica de uma sociedade do progresso reside no fato de que nós adultos estaremos sempre condenados a “conhecer” de antemão a verdade sobre os elementos e agentes em cena no âmbito educativo. Significa que necessitamos estar em constante “atualização” sobre o “como fazer” em relação às crianças. Diz-se, no campo das investigações de psicanálise e educação, que estas necessidades modernas constituem a ilusão (psico)pedagógica (Lajonquière, 1999, 2010).

Nesse contexto, a experiência infantil é vista como algo passível de controle em função dos resultados educativos esperados, onde a própria noção de “experiência” parte da perspectiva pragmática de controle científico. Na área da pedagogia, isso se traduz como uma “produção” da experiência da criança a partir daquilo que é considerado “o modo mais vívido e apropriado de comportamento da criança no mundo” (Arendt, 2014 : 232).

Portanto, a ilusão (psico)pedagógica é, em última instância, aquela sustentada pela crença na adequação e ajuste dos fatores contingenciais envolvidos no âmbito educativo com vistas à resolução dos supostos impasses neste campo. Dessa forma, dependendo do conteúdo a ser ensinado ou da área teórica que se aplica à pedagogia, encontramos diversas traduções da crença pedagógica moderna. Pretendemos apresentar os avanços de nossa pesquisa de Mestrado (orientada pelo Prof. Dr. Leandro de Lajonquière), que visa investigar as traduções dessa crença na literatura da pedagogia/educação musical. Assim se justifica a inserção de nosso trabalho na área de psicanálise e educação – não propriamente como uma visão psicanalítica sobre a transmissão da música no âmbito educativo, mas como uma forma de operar a análise dos discursos da educação musical.

Tomando também a perspectiva filosófica de reflexões que identificam o mundo moderno* como sendo aquele marcado fortemente pela ruptura com a tradição, buscamos as evidências deste processo nos escritos sobre educação musical. Isto é, se a “crise geral” (Arendt, 2014 : 221) do mundo moderno implica que “perdemos as respostas em que nos apoiávamos de ordinário” (Ibidem : 223) e isso se faz sentir em todas as esferas da sociedade, nossa hipótese é a de que essa crise também se apresenta na educação musical.

Se antes não havia dúvidas sobre a maneira que se ensina música para crianças – ou, ao menos, predominava em cada sociedade um consenso geral sobre quais os alicerces desse ensino –, hoje a “tradição” é questionada por todos os lados**. Não apenas multiplicaram-se a quantidade de métodos de ensino, a partir dos “métodos ativos” (Fonterrada, 2008) da primeira metade do século XX, como também os motivos para a realização da atividade musical. Assim, é possível encontrar justificativas neurológicas (“aprender música estimula o lado esquerdo do cérebro, a coordenação motora, etc.”), sociológicas (“trabalhar um repertório musical condizente com a realidade social das crianças”), psicológicas e assim por diante.

Portanto, nosso esforço vai ao sentido de levantar o material bibliográfico de educação/pedagogia musical*** e colocá-los à luz do referencial dos estudos de psicanálise e educação e da filosofia da educação. Soma-se a isso minha experiência enquanto professor de música e músico profissional, bem como a realização de uma pesquisa prévia, também orientada pelo Prof. Dr. Leandro de Lajonquière, sobre este mesmo tema****.

3. Metodologia

Partimos de referenciais teóricos da psicanálise e da filosofia que pensam as noções de educação e da infância enquanto experiências essencialmente não funcionais. Aí vemos a própria noção de experiência enquanto acontecimentos na vida de um indivíduo ou na história das civilizações humanas aos quais se pode atribuir um sentido a posteriori; que podem marcar mais ou menos profundamente os hábitos e modos de vida de uma época, bem como sua dimensão pública. Mas, como qualquer experiência, da experiência educativa não se pode nunca esperar garantias.

Tomamos duas formulações filosóficas como norteadoras do trabalho, colocando sempre o material analisado do campo da educação musical sob o prisma dessas duas questões.

A primeira – referida por nós como “a pergunta de Benjamin” – trata-se da pergunta formulada por Walter Benjamin no texto, Experiência e Pobreza: “Pois qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?”, (Benjamin, 1987 : 115). Não se trata de uma pergunta retórica a partir de uma perspectiva nostálgica, mas de um convite profundo para se pensar as relações entre transmissão e transformação. Isto é, de que maneira mudamos tanto o modo de nos relacionar com o passado – com nosso “patrimônio cultural” – como a maneira de nos dirigirmos àqueles que chegam ao mundo?

A segunda – “o nó da educação para Arendt” – diz respeito às reflexões de Hannah Arendt sobre o papel e os desafios da educação no mundo moderno, trazidas principalmente no texto A Crise na Educação e que encontram uma síntese parcial na seguinte formulação:

“O problema da educação no mundo moderno está no fato de, por sua natureza, não poder abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem tampouco mantido coeso pela tradição”. (Arendt, 2014 : 245-246).

4. Resultados e Discussão

A pergunta de Benjamin e o nó da educação para Arendt são questões essencialmente análogas. Ambas dizem: existe um legado humano, mas ao mesmo tempo não existe legado humano nenhum se não houver uma palavra que o transmita e crie a possibilidade de sua apreensão, bem como a possibilidade de inovação a partir desse legado.

No âmbito educativo moderno, a perda da autoridade por parte dos adultos, que não mais se responsabilizam pelo mundo ao qual trouxeram as crianças (Arendt, 2014 : 240), implica a substituição dessa autoridade pelo saber científico, que aí nada mais faz do que servir ao desejo de não desejar. Significa uma recusa em deixar marcas tanto no mundo quanto nas crianças que a ele chegam. Seja por que se crê em alguma falência ou fracasso da condição adulta, seja por que se crê na pureza da infância. Ou ainda por que há “a convicção de que o artifício humano, produto de mãos mortais, é tão mortal quanto seus artífices” (2012 : 67). Na área de psicanálise e educação diz-se renúncia ao ato educativo (Lajonquière, 1999 : 24).

Nesse cenário, a transmissão da linguagem musical do adulto para a criança que a apreende, passa a ser considerada uma atitude que põe esta última numa condição de “passividade” ou de mera função cognitiva de imitação. Assim, nos escritos de educação musical, a renúncia ao ato educativo se traduz, por exemplo, na afirmação de que “Não há mais professores. Apenas uma comunidade de aprendizes” (Schafer, 1991 : 277).

As distinções conceituais de Arendt nos são caras para compreender o que definimos por “educação”: as diferenças entre educação – esfera “pré-política” – e política, entre educação e aprendizagem, bem como os conceitos de autoridade, de vida e mundo, nascimento e natalidade.

A partir de tais conceitos, podemos chegar a conclusões como a que se segue:
Se um professor de música age de uma maneira nova, trazendo práticas musicais para o contexto educativo que antes não eram aceitas por conta, por exemplo, de um julgamento moral sobre o que é “boa música”, isso configura um ato político da sua perspectiva adulta. Mesmo porque se espera que aquilo que é trazido para o contexto educativo carregue um sentido para esse mesmo educador – e não que seja um experimento científico utilizando as crianças como cobaias. Mas, na esfera da educação, esse ato político de renovação – essa natalidade – não pode ser mais do que a apresentação do mundo “como o mundo é” (Arendt, 2014 : 246). Ou seja, uma transmissão sempre parcial de “objetos culturais” (Ibidem : 258) apresentados por esse professor. Por isso, se deu certo ali pode não dar certo acolá.

*Para Arendt, trata-se das “experiências políticas e ao modo de vida que marcaram o século XX”, diferente do período histórico chamado de “era moderna” (Carvalho, 2017 : 3).

**Ao contrário da utilização anterior do termo tradição, onde esta seria o “artifício humano, um legado de realizações materiais e simbólicas” (Carvalho, 2017 : 3), aí se trata daquilo que a pedagogia moderna genericamente se refere como “ensino tradicional”.

***Desde referências aos autores “clássicos” da primeira metade do século XX - Dalcroze (1865-1950), Willems (1890-1978), Kodály (1882-1967), Orff (1895-1982), Suzuki (1898-1998) –, passando por Murray Schafer (1933), até os escritos que problematizam a educação musical brasileira atualmente.

****Trata-se de meu Trabalho de Conclusão de Curso no Departamento de Música da ECA/USP, onde me graduei ao final de 2015.

Referências Bibliográficas

ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 11ª ed. São Paulo, SP: Forense Universitária, 2012.

______ Entre o passado e o futuro. Tradução de Mauro W. Barbosa. São Paulo, SP: Perspectiva, 2014, pp. 221-247.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (Obras escolhidas, vol. I). Tradução de Sergio Paulo Rouanet. 3º ed. Editora Brasiliense S.A., 1987.

CARVALHO, José Sérgio Fonseca de. Educação, uma herança sem testamento: diálogos com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Perspectiva : FAPESP, 2017.

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. 2ª ed. São Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: Funarte, 2008.

LAJONQUIÈRE, Leandro de. Do que não se quer saber na formação de professores (2013). In: PESSOA DE CARVALHO, Anna Maria (org.). Formação de professores: múltiplos olhares. São Paulo: Sarandi, 2013, pp. 39-60.

______ Figuras do infantil: a psicanálise na vida cotidiana com as crianças. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

______ Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999

SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Tradução de Marisa Trench de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da Silva, Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1991.
Título: IMPASSES E PASSOS NA INCLUSÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS AUTISTAS E PSICÓTICAS
Autor: Andressa Mattos Salgado Sampaio
E-mail: andressa_salgado@usp.br
Instituição: Universidade de São Paulo
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Resumo

Tendo como objetivo conhecer a o que pensam e falam os professores sobre o seu trabalho frente ao processo de inclusão escolar das crianças autistas, psicóticas, esta pesquisa se propôs a investigar quais os impasses inerentes ao ato educativo junto a essas crianças, como também possíveis passos no trabalho do professor nesse contexto. Para realizar este estudo buscou-se a contribuição autores interessados na interlocução Psicanálise e Educação e Educação Inclusiva como, Alfredo Jerusalinky, Leandro de Lajonquière, Maria Cristina Machado Kupfer e Maud Manonni. Os participantes da pesquisa foram os professores da rede estadual de ensino de Curitiba que atuavam com o processo de inclusão escolar de crianças autistas ou psicóticas. A oferta de um espaço para que os professores pudessem falar sobre o seu trabalho com esses alunos foi a estratégia metodológica adotada. No desdobrar das dificuldades relatadas pelos professores nos encontros em grupo, foram localizados três pontos de impasse no trabalho da inclusão escolar com essas crianças: a estrutura escolar; os fundamentos da pedagogia; e a própria estrutura psíquica das crianças autistas ou psicóticas. A análise dos resultados mostra que há uma possibilidade ao se considerar a inclusão escolar dessas crianças. Essa possibilidade está atrelada à capacidade que o professor tem de implicar-se com o seu ato educativo. Quando o professor trabalha numa concepção de educação que leva em conta o sujeito parece haver chances de que ambos, professor e aluno possam atuar em nome próprio, resguardando as respectivas subjetividades.

Palavras-chave: Inclusão escolar; Impasses na Educação; Trabalho docente; Psicanálise e educação.

INTRODUÇÃO

O ingresso em uma escola regular, para uma criança autista ou psicótica, representa a tentativa de integração em uma instituição e em um grupo que a grosso modo é denominado “normal”. Nesse momento estão em jogo algumas particularidades determinantes do processo inclusivo: a criança, a família, o professor, a turma e a escola. Deste modo, a posição que estes diferentes campos assumem, ao se ocupar de cumprir o direito ou dever de incluir, quando olhados mais de perto, podem nos dar pistas do que é da ordem do possível ou impossível em se tratando da educação escolar dessas crianças. Contrariamente ao que diz o senso comum, o trabalho docente é uma ação de extrema complexidade. O movimento de discutir, refletir e reinventar a própria prática é necessário para que possam ser identificados os efeitos da idealização no ato educativo e principalmente na educação inclusiva. No processo de inclusão escolar de crianças autistas e psicóticas é muito comum possibilidades e limites institucionais se confundirem na concretização dos processos de ensino e aprendizagem, com as possibilidades e os limites subjetivos dos professores e alunos. Entre os pesquisadores há quem diga que o fator decisivo para o sucesso da educação inclusiva é a boa vontade, o interesse do professor em aceitar o desafio de incluir crianças com necessidades educacionais especiais em suas salas de aula. Para autores como Jerusalisnky (1999) e Kupfer (2001) a educação inclusiva envolve uma gama de fatores relacionados aos aspectos históricos, políticos e culturais que devem ser cuidadosamente considerados. Kupfer seguramente critica alguns teóricos que preconizam o ideário da inclusão “a qualquer custo”, já que, na educação inclusiva de crianças autistas ou psicóticas, o professor precisa sustentar sua função de produzir enlace, em acréscimo a sua função pedagógica, e, para isso, necessita do apoio de uma equipe de profissionais dispostos a ouvir esse professor e ajudá-lo a pensar a sua prática (pp.86-87). Nesse contexto, da inclusão escolar de crianças autistas ou psicóticas, não basta somente uma política pública ou uma reorganização curricular, mas também, é preciso haver espaços de reflexão e escuta sistemática dos professores, conduzidos por uma prática de interlocução interdisciplinar de profissionais dispostos a interagir, a acompanhar e a sustentar com esses professores a inclusão escolar dessas crianças na escola regular. Sobre a importância dessa interlocução, Kupfer (idem)
assinala que os discursos institucionais que se dão na escola tendem a reproduzir repetições, na tentativa de conservar o igual e garantir a sua permanência, mas, contra isso, o trabalho interdisciplinar contribui para que surjam vez por outra, “falas de sujeitos que buscam operar rachaduras no que está cristalizado” (ibidem, p.136). Esse estudo se serviu dos conceitos de inclusão escolar de crianças autistas e psicóticas conforme apresentado por Jerusalinsky (1984;1993;1999;1997), educação terapêutica, psicanálise e educação, e interlocução interdisciplinar e escuta de professores, tal como os define Kupfer (1989;1997;1999;2001), os conceitos de psicologização da educação, inclusão escolar, e ilusões (psico)pedagógicas conforme definidos por Lajonquière (1999;2001;2010), e por fim, as reflexões sobre educação impossível no contexto da estrutura escolar, conforme discutido por Manonni (1987;1988), foram os principais referenciais teóricos desse estudo. A investigação proposta partiu do pressuposto que entende os discursos pedagógicos sob uma lógica que tende a produzir repetições, na tentativa de fazer permanecer o ideal, como forma de se proteger da angústia provocada pelo diferente, pelo fracasso do ideal. Outro pressuposto é o de que os professores não têm encontrado um espaço para falar sobre as vicissitudes que estão vivendo com seus alunos autistas ou psicóticos, espaço este tão necessário para refletir sobre os impasses na educação. Deste modo, esta pesquisa convidou oito professores da rede estadual de ensino de Curitiba-PR que atuavam no processo de inclusão escolar de crianças com esses diagnósticos para falar sobre seu trabalho com seus alunos. Tal intervenção foi inspirada no dispositivo de conversação, uma estratégia metodológica adotada pelo Centro Interdisciplinar da Infância (CIEN), na França, desde 1996, quando foi criado por Jacques Alain Miller. Essa foi a referência metodológica escolhida por considerar a as particularidades dos sujeitos como entendidas pelo referencial psicanalítico. Deste modo, o pressuposto que embasou tal investigação, é o de que ao falar sobre a sua prática docente no processo e inclusão, o professor possa identificar impasses inerentes ao ato educativo, e talvez interrogar os efeitos da ideologização da inclusão escolar, os discursos correntes tal como as práticas daí advindas. É importante ressaltar que essa pesquisa reconhece a diferenciação entre pesquisa psicanalítica como aquela que se assenta sobre a prática da psicanálise, e pesquisa em psicanálise, como aquela que utiliza o referencial da psicanálise para sua pesquisa empírica. Por buscar um outro modo de olhar para o sujeito e para a Educação é que essa pesquisa supôs encontrar no referencial da epistemologia da Psicanálise, mais especificamente nos estudos sobre a conexão Psicanálise e Educação, fundamentos para estudar o fenômeno da inclusão escolar. Assim, o objetivo ao divulgar os resultados desse estudo, não se assenta na vã tentativa de Psicanalisar a Educação, mas de dar a conhecer à comunidade escolar uma ótica diferente daquela comumente utilizada pela pedagogia, pragmatista e psicologizante, para olhar o seu aluno e olhar para a sua própria prática.

Resultados e Discussão

O referencial bibliográfico estudado e os dados encontrados nesse estudo evidenciaram que para enfrentar o que incomoda na educação das crianças com necessidades educativas especiais, principalmente as autistas e as psicóticas, a pedagogia na atualidade vem tentando a ortodoxia de buscar a educação ideal pela via dos métodos de ensino considerados por ela adequados, pela implantação de recursos físicos na escola, pela formação especializada dos professores etc. Dizer que a pedagogia está subordinada à imagem de um ideal, significa dizer que a pedagogia não suporta, e, por isso, proíbe qualquer manifestação contrária a um ideal de potência, desconsiderando, com isso, o sujeito do desejo. A pedagogia pede às crianças que sejam outra coisa, menos aquilo que elas verdadeiramente são. Grande impasse! Na proposta de inclusão escolar há sempre um pedido que vem do Outro: da escola, da família, da lei. Diante de tantos pedidos, o professor se vê mergulhado na angústia de se ver colocado diariamente frente ao fracasso do seu ensino, já que, na sua maioria, os professores alicerçam a sua concepção de educação nas teorias (psico)pedagógicas que visam a homogeneizar o ensino e naturalizar o desenvolvimento das crianças. Cabe lembrar que a natureza das estruturas psíquicas
relativas ao autismo e à psicose apresenta impasses que são inerentes à relação que a criança estabelece com o processo educativo, o que acentua ainda mais a angústia do professor. No desdobrar das dificuldades relatadas pelos professores nos encontros em grupo, foram localizados três pontos de impasse no trabalho da inclusão escolar com essas crianças: a estrutura escolar, os fundamentos da pedagogia e a própria estrutura psíquica das crianças autistas ou psicóticas. A partir do momento em que se torna obrigatório que essas crianças estejam na escola regular, instaura-se um impasse tanto para professores quanto para esses alunos. Em alguns momentos os professores entrevistados se colocam como ―não querendo se haver com isso, delegando a tarefa de ensinar ao professor de apoio. Em outros momentos, os professores dizem sentirem-se angustiados por ―ter que dar conta de tudo isso, evidenciando o fato de que estarem implicados com seu aluno desperta neles sentimentos de ansiedade, culpa, impotência, desânimo, desamparo. Ao mesmo tempo em que o saber sobre a criança ilude o professor que vai buscá-lo na tentativa de superar as dificuldades da prática, esse saber sobre a criança, uma vez obtido, encerra as possibilidades de atuação de ambos, o professor e o aluno. Além disso, confirmando um dos objetivos colocados neste estudo viu-se que, o discurso do tecnocientificismo médicopsico-pedagógico produz inflexões no ato educativo com as crianças autistas, psicóticas. Neste contexto desafiador, perante a tarefa de educar uma criança autista ou psicótica, o corpo teórico proposto pela Psicanálise contribui com rigor quando sugere que se possa conduzir o ato educativo de modo a que o professor leve em conta não só as subjetividades dos sujeitos, mas também reconheça-se como um sujeito barrado, alguém que não pode tudo, por ser esta uma característica do ser humano e pela própria impossibilidade da sua profissão. Curiosamente, os relatos dos professores participantes desta pesquisa, mostraram que esses alunos desafiam e fazem os professores questionar a sua prática, ou indagar-se em relação a sua missão educativa. Este estudo abriu uma possibilidade de um novo trabalho de investigação, já agora no âmbito do doutorado, que se ocupa em pensar o que sustenta o professor nessa posição de quem ensina algo a alguém? Abriu também a oportunidade de discutir a formação de professores, uma vez que os dados mostraram que atuar na inclusão escolar de crianças autistas e psicóticas é mais do que proporcionar informações de cunho didático-metodológicas. Implica, além disso, em revisar concepções, principalmente porque estar na posição de mestre exige do professor equilíbrio e postura ética na condução do seu ato educativo. Os relatos dos professores participantes deste estudo mostraram que a inclusão dessas crianças produz angustia nos professores. Essa angústia aparece nas falas cujo conteúdo os apresenta como se eles fossem destituídos de todo o saber pedagógico; ao não saberem tudo, eles não sabem nada. A angústia se mostra revestida de uma ausência de saber, para a qual os métodos pedagógicos parecem não operar como o esperado. E é sobre ou nesses métodos ou estratégias, mais ou menos pedagógicos, quando não puramente (psico)pedagógicos, que acredita-se assentarem-se alguns dos impasses da Educação Inclusiva. Certamente o ator fundamental para sustentar da acolhida dessas crianças na escola é o professor, sendo que é apenas na lida cotidiana com essas crianças que se pode construir as ferramentas subjetivas necessárias para estar ou não nessa posição de educador de uma criança autista ou psicótica. Muitos fatores dificultam a inclusão escolar das crianças autistas e psicóticas; a política educacional é arbitrária, tem sucateado a rede pública de ensino; a sociedade, em geral, é produto de uma trajetória excludente e preconceituosa, o que aumenta ainda mais as dificuldades de inclusão dessas crianças, mas, além desses, o sucesso de incluir essas crianças na escola não passa apenas pela formação dos professores ou pelos métodos pedagógicos, é preciso reconhecer que não é todo professor que vai suportar conviver com a loucura, olhar diariamente para o fracasso do seu ideal. Assim, não é só de uma reforma política educacional que se sustenta o trabalho de inclusão escolar dessas crianças, nem são apenas as medidas administrativas que vão resolver os problemas educacionais decorrentes dessa inclusão, pois a inclusão de uma criança autista ou psicótica na escola exige uma conversa mais ampliada que leve em consideração que essa é uma questão também de saúde mental. A escola é mais uma ferramenta do processo de tratamento terapêutico para essas crianças. Elas não vão entrar na escola para se “normalizar”, elas, muitas vezes, não vão se beneficiar dos
métodos pedagógicos para melhorar a sua aprendizagem. Aprender a vida tendo o cotidiano escolar como pano de fundo, aprender a circular e pactuar os códigos sociais, parece ser a grande mola propulsora do processo de inclusão dessas crianças na escola. Quando a inclusão dessas crianças é vista sob essa ótica, e trabalhada nesses termos, pode-se pensar em passos possíveis nesse trabalho. Não obstante, no Brasil ainda estamos longe de entender que é preciso olhar para a inclusão escolar dessas crianças também pelo viés da saúde mental. Construída sob a égide da normalidade, a escola tem se recusado a olhar aquilo que caracteriza a criança autista ou psicótica; a loucura. Ao se propor que essas crianças vão à escola, é preciso que se coloque no plano de inclusão outros dispositivos de circulação social. Enquanto a reflexão da inclusão escolar de crianças autistas e psicóticas for tomada apenas sob a ótica dos recursos e ajustes pedagógicos, será mantido o caos apontado pelos professores participantes desta pesquisa, como bem demonstra, por exemplo, o que tem sido produzido ao recorrer-se ao professor de apoio em sala, ou “professor P.A.S”, conforme nomeado pelos participantes desta pesquisa. Aproveitando-se de um jogo de palavras diz-se, na escola, que este professor vem para que nela se instale a Paz, uma vez que esse recurso chega à escola para fornecer um apoio ao aluno incluído e ao professor. Mas, esse recurso não se mostra suficiente para que essa Paz seja obtida. Isso possivelmente acontece porque a organização da estrutura autista e da psicótica vem fazer lembrar o que não se quer lembrar, produzindo um mal-estar inevitável, conforme apresentado nos trabalhos de Mannonni (1988). A reflexão produzida neste estudo faz pensar que ser professor dessas crianças não é para qualquer um, parece que, além de uma formação acadêmica competente, é necessário que o professor se implique com seu aluno e queira lidar com a doença mental presente nas crianças com estruturas autistas e psicóticas. Parece ser prudente, que, ao abrirem-se as portas da escola para as crianças autistas e psicóticas, abrir também o diálogo com os principais atores desse ato, os professores. Isso significa, dentre outras coisas, abrir espaço para a reflexão sobre a ilusão de atingir a educação ideal, e, por consequência, o aluno ideal, conforme questiona Lajonquère (1999, 2001, 2010). Para uma criança autista ou psicótica, ir à escola, além de um direito, faz parte do seu tratamento terapêutico, o que não faz de seu professor um clínico. Assim, para essas crianças, a conjunção educacional e terapêutica deve movimentar não só as discussões acadêmicas, mas também as políticas, na tentativa de criar uma discussão sobre a idealização da inclusão escolar, reconhecendo a necessidade de essa questão fazer parte das pautas das políticas públicas de educação e de saúde mental, considerando a inclusão escolar como mais uma ferramenta do tratamento terapêutico e refletindo sobre a adequação das condições de trabalho frente à inclusão escolar dessas crianças nas escolas. Acredita-se que é preciso conceder aos professores o direito de viver a experiência escolar cotidiana com essas crianças e de poder falar dessa vivência, do que dela suporta ou não. Os resultados deste estudo aprofundaram a ideia de que pensar a inclusão escolar de crianças autistas e psicóticas não significa ter que criar novos métodos pedagógicos nem capacitar os professores especialistas. Não basta apenas trabalhar com os modelos didáticos ou com as teorias pedagógicas no processo de formação dos professores, pois o poder das receitas pedagógicas, dos cursos de atualização ou até mesmo das mais relevantes conquistas políticas encontra o seu limite maior no desejo dos professores-sujeitos. Igualmente, a discussão que conclui este estudo põe em cheque a própria política de Educação Inclusiva, sobretudo pelo fundamento idealista que a sustenta. Diante disso, o que restam são novas perguntas. Repensar o que se concebe por educação já não traria consigo a essência da inclusão, que é considerar a singularidade presente em cada aluno - o seu modo singular de aprender, sem que essa precisasse ser considerada uma Educação outra? Afinal, quando se pensa em diversidade, em diferença, em necessidades educativas especiais, não se poderia pensar que, de fato, cada aluno, por distintas razões, precisa sempre ser educado considerando-se a sua diferença? Por que se tem que inventar sempre um nome e sobrenome para a Educação – Educação Inclusiva, Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Integral,
Educação à Distância, Educação Regular, Educação Infantil, Educação Fundamental, enquanto que do aluno de Inclusão se lhe retira o nome e sobrenome e se lhe impõe um estigma? Será que a presença da criança autista ou psicótica na escola regular incomoda a muitos exatamente porque expõe o não-saber do professor, e, por consequência, a impossibilidade de o discurso (psico)pedagógico responder a tudo? Será que isso que se chama de especial causa tanta estranheza justamente porque obriga a questionar a prática ― e afeta o pseudoequilíbrio, pseudo porque remetendo ao ideal, mantido na Educação? Em síntese, a contribuição da psicanálise para uma educação que leva em conta o sujeito parece não deixar dúvidas de que pensar a inclusão escolar de crianças autistas ou psicóticas envolve muito mais do que apenas construir métodos pedagógicos, transmitir novas informações, criar novas leis, ou modificar o currículo da escola. Por mais que se avance na discussão acerca da inclusão escolar, quando se trata da Educação restará sempre uma parcela de saber a ser construída na prática e na relação com outros profissionais, bem como restará sempre uma parcela de nãosaber, com a qual sempre será preciso lidar. Além do mais, tem-se aí a possibilidade de dar um passo ao lado de tantos impasses; re-pensar o trabalho da Educação na visada do olhar para o sujeito. Entre impasses e passos, os participantes desta pesquisa mostraram a possibilidade de dar um passo na inclusão escolar dessas crianças em função da implicação do professor com o ato educativo. Quando os professores falam de ―ter que estar preparado para tudo, ter que ―pensar em meios de acessar o universo dessas crianças, e ter que ―aceitar outras possibilidades de respostas às suas investidas pedagógicas, parecem revelar algo de si em relação a sua posição dentro do processo de inclusão. Do mesmo modo a fala desses professores parece lançar luz sobre a possibilidade de, a partir do efeito que o aluno autista ou psicótico causa no professor, acontecer um movimento no qual tanto o professor quanto o aluno possa construir os meios para uma inclusão de fato. Este estudo parece ter mostrado que, quando há uma aposta nesse sentido e o professor trabalha na visada de uma educação que leva em conta o sujeito, se permitindo inventar o seu fazer, começa a haver a chance para que ambos atuem em nome próprio, o professor e o aluno.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______. 1988.A criança retardada e a mãe. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes
Título: A relação do sujeito com o conhecimento: implicações do brincar.
Autor: Bety Ribeiro Corrêa
Coautor(es): Luciana Gageiro Coutinho
E-mail: bety.rib@gmail.com
Instituição: Universidade Federal Fluminense
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O trabalho diz respeito a uma pesquisa cujo objetivo é estudar a relação entre o brincar e o conhecer. A investigação se dará a partir do estudo de casos de crianças que se encontram no período de ingresso no Ensino Fundamental e são encaminhadas para a clínica psicopedagógica. Supondo-se que o desenvolvimento da capacidade simbólica pode interferir na relação da criança com o conhecimento, questiona a supressão do espaço do brincar em favor dos conteúdos, nessa fase que envolve uma série de mudanças na organização do tempo e do espaço na escola, desconsiderando as singularidades subjetivas de cada criança nesse processo.
Palavras-chave: Sujeito; Conhecimento; Brincar; Simbolização.
Título: Mal-estar contemporâneo e impasses na educação: De descompassos e (com)passos
Autor: Camille Apolinario Gavioli
E-mail: camillegavi@yahoo.com.br
Instituição: CONSULTÓRIO PARTICULAR
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Ana, 2a6m, chora e grita à noite. Seus pais conversaram, brincaram, contaram estórias, levaram ao hospital, e os choros não param. Houve vezes que a vizinhança, desconfiando de maus tratos, acionou o conselho tutelar. Suspeitam que a menina chora pela falta da mãe que, às vezes, trabalha à noite e não está presente no horário dela dormir. Um ano após essa entrevista, os pais reaparecem. À questão do choro noturno, soma–se uma questão na escola. A professora diz ‘Ana, não está conseguindo fazer as atividades no tempo proposto para turma. Ignora minha fala, continua brincando e quando é interrompida, começa a chorar’. Da mostração à demonstração, do falar ao dizer.
Palavras–chave: psicanálise; sintoma na criança ou da criança; contemporaneidade
Título: FORMAÇÃO DOCENTE: O QUE PODE UM PROFESSOR?
Autor: Carmen Lucia Rodrigues Alves
E-mail: alves.carmen@uol.com.br
Instituição: Universidade de São Paulo - Faculdade de Educação
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Esta pesquisa aborda a formação docente a partir da investigação de um grupo de professores da Rede Municipal da Cidade de São Paulo que desenvolve um projeto que contempla a própria formação, indicando um contraponto ao modelo dominante de formação docente centrado na ideologia da técnica e do rendimento. Em conformidade com os autores que abordam a formação docente integramos estudiosos da Sociologia, História, Pedagogia e da Psicanálise. Para o desenvolvimento do trabalho, pautamo-nos na metodologia etnográfica. O resultado, ainda parcial, indica um potencial de ruptura com os padrões estabelecidos, uma vez que identificamos a construção de relações horizontais entre o grupo e a gestão, permitindo a aquisição de um saber com implicação do professor como sujeito do ato educativo.
Palavras-chave: formação docente; formação continuada; psicanálise e educação.
Título: O desejo de saber infantil e o impossível da educação no ato educativo.
Autor: Chyara Toloto Benatto
Coautor(es): -
E-mail: chybenatto@yahoo.com.br
Instituição: Secretaria do Governo do Estado de São Paulo
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O DESEJO DE SABER INFANTIL E O IMPOSSÍVEL DA EDUCAÇÃO NO ATO EDUCATIVO



Chyara T. Benatto
XII LEPSI – Universidade de São Paulo/USP-SP
Brasil
chybenatto@yahoo.com.br



• RESUMO


O presente trabalho procura pensar a educação no interior do campo psicanalítico animada pelo desejo e investigar o que está em jogo no ato educativo entre adultos e crianças tendo em vista as vicissitudes que permeiam a constituição do desejo de saber infantil.
Devido a infindos questionamentos acerca das práticas docentes nas instituições de ensino e das relações entre pais e filhos sobre a educação ideal dispensada às crianças, sustentada por discursos pedagógicos distintos, pensou-se em colocar em relevo dois discursos que circulam nos tempos atuais sobre a forma ideal de educar as crianças: o discurso que tem como argumento a necessidade da existência de uma relação assimétrica entre adultos e crianças, típico da visão tecnicista, e, em contrapartida, o discurso (psico)pedagógico hegemônico, baseado na fantasia naturalista do “eterno esperar” que a criança se desenvolva. Os dois discursos em discussão colocam pais e professores diante de um impasse: “ensinar algo a uma criança” ou “esperar que ela se desenvolva”?
Esses discursos revelam um mal-estar pedagógico, uma sensação de ineficácia e impotência em relação ao trabalho docente flagrante nas falas dos professores: “as crianças não têm interesse em aprender”.
Com base na discussão sobre os dois discursos em questão e sobre o desejo que os sustenta e que está em jogo no laço entre adultos e crianças quando o assunto é educação, este trabalho intenciona dimensionar o desejo de saber infantil e a sua constituição tendo em vista o contexto desses dois discursos pedagógicos.
Desse modo, este trabalho procura pensar a educação no interior do campo psicanalítico animada pelo desejo e colocar em relevo o seu caráter de laço social e, assim, discutir o que está em jogo na constituição do desejo de saber infantil na sua relação com o Outro.
Para desenvolvimento deste trabalho, pensou-se em uma bibliografia inicial que apontasse os elementos essenciais para a compreensão do desejo e as suas vicissitudes na constituição do desejo de saber infantil, apresentados pela psicanálise, e o estudo de casos relevantes que possam contribuir com o debate em questão.

Palavras-chave: discursos pedagógicos; desejo de saber infantil; psicanálise e educação; ato educativo.

• INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA


“Os problemas de aprendizagem parecem ser hoje a grande peste educacional de nossos tempos, a grande denúncia de que há algo de podre no reino da educação”. (Maria Cristina Machado Kupfer – Afetividade e Cognição. In: Afetividade na Escola: Alternativas Teóricas e Práticas, 2008).


“a educação mais bem-sucedida é a que fracassa, permitindo que a nova geração introduza o novo”. (Rinaldo Voltolini. In: Educação e Psicanálise, 2011, p.56).


Tanto na vida privada quanto pública, na familiar quanto escolar, percebe-se que existe, em nosso tempo, uma busca obstinada por uma educação que dê respostas a todas as perguntas dos adultos quando o assunto é a educação das crianças.
Com a necessidade de encontrar uma pedagogia ideal, a busca por uma educação que dê conta de todas as inquietações dos adultos neste âmbito se vê diante de um impasse: qual é a melhor pedagogia para as crianças? Como devo educar meus filhos? A educação ideal é a educação popularmente conhecida como mais “rígida”, autoritária, ou aquela que respeita o desenvolvimento natural das crianças? Todos parecem estar em uma busca incessante por uma educação que dê conta de todas as inquietações pedagógicas dos adultos e que responda a seus ideais de educação.
Quando o assunto é educação, observa-se nos discursos pedagógicos a presença marcante da visão tecnicista de ensino, e de suas formas de condicionamento e controle. Por outro lado, coexiste na esfera pedagógica a visão naturalista da infância, de modo mais específico no discurso (psico)pedagógico hegemônico, que leva o adulto a idealizar a infância e, por isso, afastar-se dela no real. Tanto o discurso tecnicista quanto o naturalista estão ligados a uma visão idealizada de infância, cada um a seu modo, mas que revelam o desejo dos adultos em relação a infância “sonhada”.
O dilema que ainda toma conta do discurso (psico)pedagógico hegemônico é: “ensinar algo a uma criança” ou “esperar que ela se desenvolva”? A educação baseada no modelo tecnicista e/ou na fantasia naturalista estão atreladas a um embaraço provocado por um ideal pedagógico que faz com que crianças e adultos não se encontrem no real. Esse desencontro entre adultos e crianças parece estar na base do mal-estar relevado pelos docentes em suas experiências com as crianças na escola. As insatisfações manifestadas pelos docentes em relação ao interesse dos alunos pelo aprender e uma sensação de impotência diante dos desafios apresentados pela escola parecem mesmo denunciar que “há algo de podre no reino da educação” (Kupfer, 2008). Os “problemas de aprendizagem parecem ser hoje a grande peste educacional de nossos tempos” (Kupfer, 2008).
Observações de práticas docentes em escolas de educação infantil da rede privada de ensino na cidade de São Paulo-SP e de Santo André-SP e na rede pública de Santo André-SP, demonstraram que existe processos singulares de aprendizagem quando o adulto leva em conta o sujeito da educação, que não é outro que o sujeito do desejo, em termos psicanalíticos. Em oposição a esse contexto, relações repressivas, assimétricas ou em que se verificou uma postura impositiva do adulto em relação às crianças demonstraram, à primeira vista, que a singularidade do educando é deixada de lado em nome do “aprender” o que se é ensinado e do comportar-se como o esperado, parece demonstrar o sujeito da educação não é considerado no ato educativo.
À procura por considerações sobre os problemas de aprendizagem e sobre as teorizações apresentadas neste âmbito pela psicologia do escolar sobre os impasses vivenciados na escola, um texto de Maria Cristina Machado Kupfer, em Afetividade na Escola: Alternativas teóricas e práticas, saltou aos olhos por problematizar o uso habitual da teoria que costuma categorizar o indivíduo em “duas metades”:


“Para o estudo da “metade” cognitiva, existem os instrumentos teóricos fornecidos por Piaget e pelo construtivismo. Para o estudo da “metade” afetiva, a psicologia e, mais recentemente, a psicanálise. Na esteira dessa visão, os problemas de aprendizagem seriam a consequência desse desequilíbrio, de uma alteração em uma dessas duas dimensões, ou então na relação entre elas. Assim, uma criança poderá não estar aprendendo porque algo em seu funcionamento cognitivo, por exemplo, uma disfunção no uso de sua orientação espacial, impede uma localização adequada dos objetos uns em relação aos outros. Ou então, poderá não estar aprendendo porque seu pai alcoólatra bate nela com frequência, o que faz dela uma criança triste e incapaz de concentrar-se na escola. Sobre o segundo exemplo, um educador adepto dessa concepção diria que “o emocional dessa criança está interferindo no cognitivo”.


O diálogo com a psicanálise e as suas considerações acerca do “educar” fez com que um profundo interesse fosse despertado para melhor compreender os impasses vivenciados pelos e as teorizações que os sustentam. As considerações da psicanálise acerca da educação ampliam a compreensão dos problemas de aprendizagem e desse mal-estar docente. A psicanálise, nesse campo, põe em discussão o discurso (psico) pedagógico hegemônico, a visão dicotômica afetividade e cognição e a concepção teórica segundo a qual uma criança pode ser dividida em duas metades: a cognitiva e a afetiva.
Kupfer afirma que os problemas de aprendizagem ultrapassam a causalidade bipolar cognitivo/afetivo, pois o fenômeno é multideterminado e que essa visão deve ser problematizada para que haja um avanço nos estudos dos problemas de aprendizagem.
Com base nessas afirmações apresentadas por Kupfer e no interesse de discutir o que está em jogo nos problemas de aprendizagem e do mal-estar psíquico advindo das práticas pedagógicas de nosso tempo, a investigação sobre o papel do desejo e suas implicações no ato educativa mostrou-se essencial para compreender o impasse pedagógico experienciado pelos atores envolvidos na vida cotidiana com as crianças na escola.
Baseado nessas experiências vivenciadas nas escolas da rede pública e privada de ensino, na observância dos discursos pedagógicos em circulação e nas considerações acerca do educar apresentadas pela psicanálise, muitas questões relacionadas ao desejo ou às vicissitudes próprias da emergência do sujeito do desejo, em termos psicanalíticos, operante em toda educação, ficaram latentes e causaram grandes inquietações que estão situadas no centro de interesse do projeto desta pesquisa: Quais as relações entre o aprender (apre(e)nder) e o desejo? O que está em jogo na constituição do desejo de saber infantil? O que está em jogo no ato educativo e nos discursos pedagógicos observados? O que não se deve fazer para que uma educação que se preze de fato aconteça?
Relações repressivas, assimétricas, controladoras e condicionadoras e/ou o eterno “esperar a criança se desenvolver” – herdeiros da pedagogia tecnicista e da fantasia naturalista em voga – e que sustentam em nosso tempo esse mal-estar psíquico parecem estar dominadas por um ideal pedagógico situadas em estado de neurose pedagógica que não é em nada desprezível.
É com base nesses questionamentos acerca dos discursos pedagógicos em questão e no diálogo estabelecido com a psicanálise e na intenção de discutir o lugar ocupado pelo desejo e nas suas implicações com o ato educativo na vida cotidiana dos adultos com as crianças que este trabalho está fundamentado. É através desse diálogo e desses questionamentos que se faz necessária a investigação das questões que envolvem a incursão da psicanálise na educação afim de percorrer um caminho que leve a uma maior compreensão desse dilema e apontar um caminho possível para que uma educação que se preze possa de fato vir a acontecer.
Partindo dessa percepção de que, como afirma Kupfer, “há algo de podre no reino da educação”, do mal-estar por ela provocada e da intenção de compreender o que faz uma criança aprender, o estudo psicanalítico, particularmente do papel do desejo na constituição do sujeito ou da emergência do sujeito do desejo, mostra-se fundamental como um alerta – como afirmou Manonni em suas considerações sobre a psicologia do escolar – sobre o que não se deve fazer, pais e professores, para que a educação não seja um fato de difícil acontecimento.
Sendo assim, quais são, então, os esclarecimentos da psicanálise a propósito da educação? O que está em jogo no ato educativo? Ao entender de Freud, as teorizações pedagógicas mascaram a missão histórica da educação: a preparação das crianças para o desejo. Sobre a educação, Freud afirmou:



“[...] a educação age como quem envia pessoas para uma expedição polar com roupas de verão e mapas dos lagos italianos”. (Freud, 1929, p.106-107).


O que se passa, então, entre os adultos e as crianças que faz com que pais e professores se comportem como surdos e, desse modo, como afirmou Manonni, renunciem à educação? O que realmente está em jogo quando o adulto endereça a palavra à criança? Como não existe forma neutra de pensar para a psicanálise, é interessante refletir sobre o que desejam os adultos das crianças.
Freud, ao longo de sua obra, apontou três linhas de ação no campo da educação, com efeitos possíveis de sua invenção no que diz respeito às crianças. Três frentes de trabalho, solidárias entre si, foram abertas por vários de seus discípulos e apresentam versões possíveis da psicanálise em extensão. Freud considerava que a pedagogia dominante no mundo germânico estava impregnada de representações idealizadas da criança e que essas representações, que habitam o imaginário social, mascaram a criança real ou o real da criança – a natureza pulsional polimorfa, revelada precisamente pela psicanálise. O adulto, dizia ele, devido ao espírito pedagógico em voga, em vez de implicar-se, desnorteia-se. Nesse sentido, com os olhos voltados às representações desse imaginário, propagados pelas teorizações pedagógicas da época, Freud apontava que a psicanálise poderia contribuir para que a educação recuperasse o seu rumo, não para apontar o que a educação deveria fazer, mas, sim, ao contrário, o que ela não deveria fazer.
Leandro de Lajonquière, em Infância e Ilusão (Psico) Pedagógica: Escritos de Psicanálise e Educação, afirma:


“existe, no campo educativo, a observância de um programa natural de socialização que faz com que os adultos não estejam comprometidos com as crianças e que, assim sendo, a empresa pedagógica acaba revelando-se pouco eficaz, uma vez que o norte da empresa pedagógica é uma criança imaginária e idealizada feita de “um puro estofo imaginário” que habita o campo fantasmático dos adultos e que, portanto, é inevitável o fato de se experimentar uma sensação de ineficácia (psico) pedagógica”.


Sendo assim, quando se quer saber o que os adultos desejam das crianças, é necessário perguntar-se de qual criança se trata quando o adulto educa ou endereça a palavra a ela. Lajonquière, em Figuras do Infantil: A Psicanálise na Vida Cotidiana com as Crianças, afirma que essa criança, batizada por ele de A-Criança, que habita as neuroses dos adultos e o ideário (psico)pedagógico hegemônico, obnubila os espíritos dos adultos e faz com que a educação erre na preparação das crianças para o desejo – missão histórica de toda a educação, ao entender de Freud –, dando lugar a aquilo que Lajonquière chama de infanticídio simbólico. Nesse sentido, as considerações da psicanálise ao campo educativo sinalizam um alerta: de como a educação pode vir a se tornar um fato de difícil acontecimento.
No final de sua obra, num texto conhecido como Lección XXXIV, Freud declara que um adulto reconciliado com o desejo estaria em melhores condições de educar, isto é, de preparar as crianças para se depararem por sua vez com o desejo, marca diferencial de nossa humanidade.
Em Figuras do Infantil, Lajonquière afirma que educar é colocar em circulação marcas simbólicas, significantes que possibilitem à criança que os apreende o usufruto de um lugar a partir do qual o desejo seja possível:


“Há educação quando o velho toma como metáfora o desencontro no real com esse pequeno ser no mundo e, sem muito o saber, faz ex/istir sentidos não previamente dados “na criança”. Esses sentidos, injetados pela educação fazem a diferença. Por um lado fazem diferença porque não é sem consequências que um velho se endereça a uma criança – isso possibilita que a criança usufrua de um lugar numa história em curso. Por outro, a educação precipita numa pura letra sem sentido na carne infantil e, assim, imprime uma e outra vez uma diferença de origem a se desdobrar – o desejo – que causa por sua vez a conquista de um lugar de enunciação em nome próprio no próprio discurso”. (p. 190).


O sujeito da educação não é outro que o sujeito do desejo em termos psicanalíticos. Para Freud, o sujeito da educação é o mesmo sujeito do desejo sexual infantil e inconsciente, não há um sem o outro e vice-versa, no interior da única existência que conta – aquela do campo da palavra e da linguagem.
Pensar a educação no interior do campo psicanalítico, da palavra e da linguagem animada pelo desejo, coloca em relevo o seu caráter de laço social. O que há, então, no laço entre adultos e crianças que faz com que a educação se torne um fato de difícil acontecimento ou impossível, como diria Mannoni, em Educação Impossível? O entendimento da existência de um “não querer saber” sobre o desejo e a castração, do inconsciente, postulado pela psicanálise, abre as portas para a compreensão do que não devemos fazer, pais e professores, para que uma educação que se preze possa de fato vir a acontecer.


• OBJETIVOS


O objetivo deste trabalho é discutir o que está em jogo entre adultos e crianças no ato educativo e o que suas implicações na constituição do desejo de saber infantil, tendo como referência os dois discursos pedagógicos em circulação, o discurso pedagógico hegemônico, conhecido como naturalista, e o discurso tecnicista. Desse modo, intenciona-se dimensionar as questões que envolvem a relação entre desejo na constituição do sujeito ou na emergência do sujeito do desejo e as implicações dele decorrentes na constituição do desejo de saber infantil.
De início, deseja-se que este trabalho traga uma maior compreensão do laço social que envolve adultos e crianças na experiência do “educar”, por meio da reflexão e da análise dos postulados da psicanálise e dos que a seguiram no atravessamento da psicanálise na educação acerca do papel do inconsciente e das implicações do desejo experienciadas pelos atores envolvidos nas ações educativas quando o assunto e apre(e)nder. Ademais, este trabalho tem a intenção de sensibilizar o olhar do adulto sobre as condutas infantis e dos adultos nas relações estabelecidas entre eles e elucidar as razões pelas quais a educação pode ser, como afirma Lajonquière, um fato de difícil acontecimento.
Principalmente por ser impossível desvincular o papel do desejo do papel do inconsciente na constituição do sujeito, no campo psicanalítico, intenciona-se, também, esclarecer o lugar do inconsciente – que ocupa lugar central nas formulações freudianas – e a sua relação com o desejo nas relações humanas nos anos iniciais do desenvolvimento.
Investigar o papel do desejo e as suas implicações na relação entre adultos e crianças no ato educativo – tanto no âmbito familiar/íntimo quanto educacional – é, então, um dos objetivos deste trabalho, afim de demonstrar o que está em jogo na constituição do desejo de saber infantil para que as práticas pedagógicas e as condutas nas ações educativas atualmente exercidas possam ser repensadas e que essa reflexão possa contribuir para uma possível superação dos impasses vivenciados hoje na educação.


• PLANO DE TRABALHO


- Investigações e análise sobre o lugar desejo na constituição do sujeito e seus desdobramentos, com base nas considerações apresentadas pela psicanálise a propósito da educação sobre “o educar” e “o apre(e)nder”.

- Investigação e análise do papel do inconsciente e os seus desdobramentos no que diz respeito à constituição do sujeito do desejo, baseado nas postulações apresentadas pela psicanálise.

- Estudo de casos relevantes que contribuem para o debate sobre os discursos pedagógicos mencionados para análise do lugar reservado ao discurso infantil enquanto sujeito do desejo na relação adulto(s)-criança(s).

- Estudo de casos relevantes que contribuem para o debate sobre os discursos pedagógicos mencionados para análise da implicação do adulto no ato educativo e o seus desdobramentos no laço social estabelecido com as crianças.

- Problematização das visões pedagógicas em questão tendo em vista o lugar reservado ao infans como sujeito de desejo.




• RESULTADOS


O presente projeto de pesquisa intenciona compor o núcleo das questões apresentadas pelas formulações da psicanálise e as suas considerações sobre a educação a propósito do lugar ocupado pelo desejo na constituição do desejo de saber infantil nos limites entre o inconsciente e as implicações dele decorrentes nas experiências vivenciadas entre adulto(s) e criança(s) no ato educativo – tanto no ambiente familiar quanto na escola – e, assim, procurará apontar os elementos essenciais para a compreensão dessas implicações na educação. Com base nos discursos pedagógicos herdeiros das visões tecnicista e naturalista e dos impasses vivenciados nas escolas pelos docentes, intenciona-se dimensionar o espaço reservado ao sujeito do desejo e a forma como ele é experienciado no laço social estabelecido entre adultos e crianças.
Desse modo, de início, este trabalho pretende apresentar uma possível contribuição – tendo como referência os conceitos da psicanálise, a sua incursão no campo da educação e a observação dos discursos pedagógicos em análise, que compõe debate deste trabalho – para a superação dos dilemas pedagógicos atuais e possibilitar que o adulto possa ter um novo olhar sobre infância e que, assim, possa vir a tornar possível o encontro do adulto com a criança real ou o real da criança. Para que a criança não seja puro estofo imaginário do adulto e para que uma educação que se preze possa de fato vir a acontecer.

• REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CUNHA, MV. Psicologia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

FREUD, S. (1909). “Cinco Lições de Psicanálise”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, vol. XI, Rio de Janeiro: Imago, 1996.

________. “Algumas Reflexões sobre a Psicologia do Escolar”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, vol. XIII, Rio de Janeiro: Imago, 1974.

________. “Leonardo da Vinci e uma Lembrança da sua Infância (1910)”. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, vol. XIII, Rio de Janeiro: Imago, 1974.

________. “O Mal-estar na Civilização”. São Paulo: Penguim Classics Companhia das Letras, 2011.

KUPFER, M. C. “Freud e a Educação: O Mestre do Impossível”. São Paulo: Scipione, 2007.

________. “Afetividade e Cognição In: Afetividade na Escola: Alternativas Teóricas e Práticas”. São Paulo: Summus, 2008.

LAJONQUIÈRE, L. de. “Infância e Ilusão (Psico)Pedagógica: Escritos de Psicanálise e Educação”. Petrópolis: Vozes, 1999.

________. “Figuras do Infantil: A Psicanálise na Vida Cotidiana com as Crianças”. Petrópolis: Vozes, 2010.

________. “Das Contribuições da Psicanálise e da Formação de Professores”. Universidade Federal da Bahia.

________. Dos "Erros" e em Especial daquele de Renunciar à Educação. Notas sobre Psicanálise e Educação. Estilos da Clínica. vol.2. no.2. São Paulo: 1997.

MANNONI, M. “Educação Impossível” Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora, 1977.

VOLTOLINI, R. “Educação e Psicanálise”. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
Título: O AFETO NA E PARA A EDUCAÇÃO: UM OLHA PSICANALÍTICO SOBRE A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO OCIDENTE
Autor: Clarissa Pimentel Portugal
E-mail: clarissapportugal@gmail.com
Instituição: Universidade de Brasília (UnB)
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Com o intuito de compreender melhor a atual estrutura educacional e elucidar caminhos para promover uma educação integral que leve em conta a subjetividade e seja a favor do cidadão e da sociedade. A presente pesquisa se debruçou sobre a história da educação e seu papel na formação do humano no ocidente e utilizou a psicanálise como referencial teórico, traçando o recorte na constituição da subjetividade durante a vida escolar, especialmente a relação afetiva possível nesse meio. O afeto aparece como questão central para muitos educadores e pensadores da educação ao longo da história e apresentam resultados de formação integral ao levarem a subjetividade em conta em suas práticas e teorias, o que traz questões acerca do descompasso entre teorias desses mestres e a prática institucional.
Título: “Ocupar”: ato e produção de novas posições discursivas na escola
Autor: Claudia Braga de Andrade
Coautor(es): COUTINHO, Luciana Gageiro; RIGON, Pamella; SILVA, Letícia Souza
E-mail: claudiabragaandrade@gmail.com
Instituição: Universidade Federal de Ouro Preto
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O presente trabalho é baseado em estudo exploratório que deu origem a uma pesquisa, sustentada na interface entre a psicanálise e a educação, em andamento na Universidade Federal Fluminense, sobre o recente movimento das ocupações de escolas promovido por adolescentes do ensino médio. Supomos que tal experiência pôde mostrar possibilidades de transformação nos laços sociais dentro da escola e fora dela, bem como sobre novas produções discursivas engendradas por ela. Nas ocupações de escolas de ensino médio, por tratar-se de adolescentes, tão comumente descritos como aqueles que mais recusam ou resistem à escolarização, como pensar sobre a verdadeira virada nesse cenário que temos assistido desde 2015? O que as ocupações das escolas nos ensinam sobre a adolescência e o laço educativo hoje?
Título: IDENTIDADE, SUBJETIVIDADE E DOCÊNCIA
Autor: Cleonice Pereira do Nascimento Bittencourt
Coautor(es): Dra. Inês Maria Marques Zanforlin Pires de Almeida
E-mail: cleonascimentoead@gmail.com
Instituição: Universidade de Brasília
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IDENTIDADE, SUBJETIVIDADE E DOCÊNCIA


Msc. Cleonice Pereira do Nascimento Bittencourt
Dra. Inês Maria Marques Zanforlin Pires de Almeida



Resumo
Este trabalho é resultado de pesquisa realizada no Mestrado em Educação PPGE/UnB linha de pesquisa Subjetividade na Abordagem Transdisciplinar Psicanalítica (2013) a partir das articulações entre psicanálise e educação, propôs-se compreender a subjetividade que emerge das relações estabelecidas entre os sujeitos que compartilham a docência nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem(AVA). E teve como cenário o curso de Pedagogia a distância da Faculdade de Educação FE/UAB/UnB. Inferimos possíveis marcas de ordem inconsciente expressas por meio do dispositivo da memória educativa, e referenciadas pelas relações de aprendizagem que emergem a partir do fenômeno da transferência, em especial, vislumbrados nos sentimentos de mal-estar, angústias, fracassos, marcadas por um estilo de transmissão, com repercussões na prática pedagógica docente, que permitem ao professor perceber-se “em falta” diante do compartilhamento da docência com o Outro.
Palavras-chave: psicanálise e educação; transmissão; transferência; identidade; educação a distância(EaD).
Título: Psicanálise e linguagem: o que os falantes de línguas de sinais podem nos dizer sobre isso
Autor: Cristóvão Giovani Burgarelli
E-mail: crgiovani@gmail.com
Instituição: Universidade Federal de Goiás
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Primeiramente, ao retomar e discutir a pergunta “o que é a língua se a psicanálise existe?”, que Jean-Claude Milner traz em livro L’amour de la langue, buscarei explicitar o entrecruzamento entre psicanálise e linguagem que se faz necessário à minha pesquisa, intitulada De infans a falante: o acontecimento corpolinguagem. No segundo momento, vou apresentar a elaboração de André Meynard, sobretudo em seu livro Des mains pour parler, des yeux pour entendre, sobre a constituição dos fisicamente surdos como falantes de uma língua, no sentido saussureano do termo. Por fim, na terceira parte, vou pensar algumas implicações para a minha elaboração sobre o que é o corpo para a psicanálise, colocando em questão, nesse momento, a expressão "acontecimento corpolinguagem", que escolhi para abordar a especificidade do conceito de sujeito na experiência analítica.
Palavras-chave: psicanálise; sujeito; linguagem; educação inclusiva.
Título: Interações de bebês e crianças pequenas em creches e instituições. Possibilidades de participação na constituição subjetiva e no desenvolvimento.
Autor: Daniel Kazahaya
E-mail: danielkazahaya@gmail.com
Instituição: Universidade de São Paulo
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Diante das novas configurações de convívio entre bebês e crianças pequenas nas creches e instituições de educação e cuidado infantil da atualidade, questionamos se as interações entre os pares e grupos desses pequenos semelhantes podem contribuir para a constituição subjetiva e desenvolvimento. Este trabalho faz: 1) uma investigação das observações de pesquisas da psicologia do desenvolvimento sobre as interações desses pequenos e, 2) uma análise desses fenômenos com auxílio da teoria psicanalítica. Conclui que os pequenos semelhantes interagem; podem ter uma participação na constituição subjetiva e no desenvolvimento; formam grupos com características diferentes de crianças grandes e adultos demandando da psicanálise ampliações teóricas e metodológicas.
Palavras- chave: Psicanálise da criança; Desenvolvimento humano; Bebês; Criança; Constituição.
Título: Agrupaciones juveniles de ciudad, escuela y constitución de subjetividad
Autor: Diego Fernando Bolanos
E-mail: diferbol_21@hotmail.com
Instituição: LEPSI MG \ UFMG
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Se realizó una revisión histórica sobre agrupaciones juveniles de ciudad (AJC) como elemento de la tesis doctoral “Respiramos el mismo pero somos diferentes” para la Fae-UFMG. Con ella se consiguió destacar el poder transformador y contestatario de los jóvenes agrupados en la cotidianidad y la dificultad de interpretación de la escuela presentándose como un espacio monótono y aburridor ante ellos. Las AJC son síntomas de malestares institucionales que aquejan a las sociedades contemporáneas y a la vez han funcionado como operadores de constitución de subjetividad de sus integrantes. Entonces el psicoanálisis en su interface con la educación en la dirección de lo social podría posibilitar la interpretación y comprensión entre los sujetos llamados a educar y los sujetos llamados para educar
Título: O Semblante: O Educador e a Assessoria da Educação Estruturante Municipal de Porto Alegre em Cena na Prevenção do Autismo
Autor: Dorisnei Jornada da Rosa
Coautor(es): Andrea Gabriela Ferrari
E-mail: dorisneijornada@yahoo.com.br
Instituição: UFRGS
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Este trabalho trata de relatar experiências de assessoria de inclusão da Educação Precoce e Psicopedagogia Inicial, na Secretaria Municipal de Porto Alegre denominado Educação Estruturante. Este paradigma foi criado em 1991, por professores da educação especial que se propunham a escutar e reconhecer as possibilidades constitutivas dos atos educativos. O objetivo era que os educadores pudessem se autorizar a intervir na constituição subjetiva e no desenvolvimento das crianças pequenas com riscos psíquicos de Autismo ou atrasos em seus desenvolvimentos, ampliando seu campo educacional.

PALAVRAS-CHAVES: Semblante. Educação Estruturante. Educadores. Autismo
Título: Estilo docente: reflexões psicanalíticas
Autor: Elaine Cristina Mourão
E-mail: elaine.cmourao@gmail.com
Instituição: Universidade de São Paulo
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Estilo docente: reflexões psicanalíticas

1. Resumo
A implicação da palavra no ato educativo não tem sido colocada em pauta como forma de lidar com as vicissitudes do ato educativo em nossa era, pois, como forma de escamotear o ideal humanizador que está no cerne de todo processo educativo, o ideal pedagógico em voga enaltece o paradigma técnico em detrimento da construção de um estilo docente que revele algo da implicação do sujeito em seu fazer. Em consonância, cresce o número de publicações e de discursos sobre técnicas e métodos de ensino com o intuito de destacar a importância de motivar e aumentar o rendimento dos alunos para que o ato educativo torne-se uma empreitada eficaz, de sucesso. Nossa pertinência e aporte nos estudos e reflexões em psicanálise e educação nos atentam para o fato de que o que tem sido tomado como fator de impacto na atuação de alguns docentes que obtém bons resultados, sucesso – como costumam nomear essas obras – desconsidera a importância da dimensão da palavra e da implicação docente no ato educativo, por esta razão, reduz a uma série de prescrições, de técnicas a implicação subjetiva de bons docentes com o ato educativo. Nesse sentido, a Psicanálise pode nos valer para, principalmente, refletirmos sobre os modos através dos quais não chegaremos a lugar nenhum na educação e, desse modo, nos mobilizar a construir um estilo docente que pode nos levar a diferentes lugares nos quais as vicissitudes não tornem a educação de difícil acontecimento. Alicerçando-nos sobre o método psicanalítico como operador de leitura, na teoria psicanalítica de Freud e Lacan, nosso intuito é discutir os efeitos e as vicissitudes do paradigma tecnocrático no ideal pedagógico em voga e a exacerbação dos meandros da sedução na educação a partir da aliança entre a Psicologia e a Pedagogia. Com esse intuito, deter-nos-emos sobre os desdobramentos desse paradigma no cenário educacional – no que concerne aos discursos sobre técnicas e métodos de ensino como salvação da escola – tendo em vista que consideramos que alicerçar os processos educacionais no paradigma técnico trata-se de fazer com que a educação atenda a demandas de ordem mercadológicas, o que traz grandes implicações para o ato educativo em relação à ascensão do sujeito do desejo, da singularidade.
Palavras-chave: tecnocracia, métodos e técnicas de ensino, estilo docente, Psicanálise e educação



2. Introdução
Freud, em Algumas Reflexões sobre a Psicologia do Escolar (1914), debruça-se sobre algumas questões que lhe tomam ao ser convidado para proferir um discurso de saudação pelo jubileu do 50º aniversário do liceu em que cursou parte de seus estudos. Nessa ocasião, destaca que a personalidade dos mestres teve grande importância sobre ele e seus colegas do liceu a ponto de proclamar que não é possível saber o que exerceu mais influência sobre eles: as ciências ensinadas ou a personalidade dos mestres. Com isso, traz à tona a importância da transferência nas relações com as figuras substitutas, dentre elas, os nossos professores. Do mesmo modo, Albert Camus, ao escrever uma carta para seu professor primário após receber o Prêmio Nobel de Literatura de 1957, professa a relevância do exemplo, da personalidade de seu mestre sobre sua formação e vida.
Impactados e tomados por seus mestres, ambos, Freud e Albert Camus, elucidam, assim, a implicação da palavra no ato educativo, ou seja, explicitam como os jeitos e trejeitos de seus mestres, o estilo docente, que perpassa o ato educativo, produzem efeitos no processo de transmissão dos conhecimentos historicamente acumulados.
Todavia, tal implicação não tem sido colocada em pauta como forma de lidar com as vicissitudes do ato educativo em nossa era, pois, como forma de escamotear o ideal humanizador que está no cerne de todo processo educativo, o ideal pedagógico em voga enaltece o paradigma técnico, a supremacia da técnica no discurso pedagógico em detrimento da construção de um estilo docente que revele algo da implicação do sujeito em seu fazer.
Essa busca, por outro lado, também dissemina que a educação é uma questão de ordem metodológica. O reino da tecnocracia na educação, que nada quer saber da impossibilidade que marca o ofício educativo, dissemina fortemente que técnicas e métodos são garantia de que o aprendizado ocorrerá. Assim, cada vez mais, cresce o número de publicações e de discursos sobre técnicas e métodos de ensino com o intuito de destacar a importância de motivar e aumentar o rendimento dos alunos para que o ato educativo torne-se uma empreitada eficaz, de sucesso.
Partindo dessas premissas, nosso intuito é discutir os efeitos e as vicissitudes do paradigma tecnocrático no ideal pedagógico em voga e a exacerbação dos meandros da sedução na educação a partir da aliança entre a Psicologia e a Pedagogia.
Tendo em vista as implicações que a sedução tecnocrática traz aos processos de escolarização, consideramos que a presente pesquisa é relevante do ponto de vista acadêmico e social na medida em que contribuirá para a elucidação dos efeitos e vicissitudes do paradigma tecnocrático no ideal pedagógico em voga ao problematizar a aliança entre a Psicologia e a Pedagogia. Problematização essa que possibilitará a revisão de posturas e práticas pedagógicas que tornam de difícil acontecimento a ascensão do sujeito do desejo além da desmistificação da premissa de que a lógica capitalista, o primado da técnica traz benefícios para o ato educativo.

3. Metodologia
Alicerçando-nos sobre o método psicanalítico como operador de leitura, na teoria psicanalítica de Freud e Lacan, que possibilita pensar o indizível, o impensável e o impossível de conceituar (ELIA, 2008), debruçaremos sobre os desdobramentos desse paradigma no cenário educacional – no que concerne aos discursos sobre técnicas e métodos de ensino como salvação da escola – tendo em vista que consideramos que alicerçar os processos educacionais no paradigma técnico trata-se de fazer com que a educação atenda a demandas de ordem mercadológicas, o que traz grandes implicações para o ato educativo em relação à ascensão do sujeito do desejo, da singularidade.
Em suma, como salientou Rosa (2004), essa pesquisa inserir-se-á no campo da Psicanálise extramuros ou em extensão já que abordará problemáticas que estão atreladas ao sujeito enredado por fenômenos sociais e políticos a partir do método psicanalítico.
Como objeto de análise, elencamos o livro Aula nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência, de Doug Lemov.

4. Resultados e Discussão .

O livro Aula nota 10: 49 técnicas para ser um professor campeão de audiência, de Doug Lemov, versa sobre como ensinar de modo mais eficaz, como garantir sucesso no aprendizado já que destaca o desconhecimento sobre a importância dos aspectos metodológicos do ensino e o relaciona com o nível insatisfatório de aprendizado dos alunos estabelecendo, assim, entre essas questões relações de causa e consequência. Dessa forma, coloca-se como meio capaz de facilitar a vida dos que atuam em sala de aula apresentando uma série de procedimentos de manejo da sala de aula que podem transformar uma boa aula em aula excelente.
Em outras palavras, ressalta a importância de se utilizar ferramentas, técnicas no fazer docente, por isso, apresenta-se como um manual recheado de receitas prontas e, principalmente, comprovadamente eficazes para dar conta de qualquer tipo de aluno, de qualquer tipo de dificuldade que se apresente no processo de ensino.
Apesar de ter como alicerce um conjunto de anotações de campo sobre o trabalho de mestres, a obra sustenta que

[...] concentrar-se em polir e melhorar técnicas específicas é o caminho mais rápido para o sucesso, às vezes até mesmo em detrimento de filosofia ou estratégia. (LEMOV, 2011, p. 20)

Nossa pertinência e aporte nos estudos e reflexões em psicanálise e educação nos atentam para o fato de que o que tem sido tomado como fator de impacto na atuação de alguns docentes que obtém bons resultados, sucesso – como costumam nomear essas obras – desconsidera a importância da dimensão da palavra e da implicação docente no ato educativo, por esta razão, reduz a uma série de prescrições, de técnicas a implicação subjetiva de bons docentes com o ato educativo.
Essa tentativa de reduzir a prescrições, a meras técnicas é salientada por Voltolini (2012, p. 19), em suas considerações acerca da rentabilização dos saberes: “A perigosa e insidiosa relação entre o capital e o conhecimento científico, condensada convenientemente no termo rentabilização constitui o cerne do funcionamento do discurso do capitalista”.
É próprio do discurso capitalista tomar o conhecimento científico, das diversas áreas do conhecimento, com o intuito de torná-lo com aplicação técnica, reduzi-lo a uma série de prescrições. Como destaca Lajonquière (2013, p. 456): “As condições da educação, ora familiar, ora escolar, são reduzidas a uma série de variáveis ou positividades atitudinais: faça-se isso, faça-se aquilo outro para obterem-se tais ou tais resultados dos alunos, dos filhos, em suma, das crianças”.
Nesse sentido, são enaltecidas – e ganham cada vez mais espaço nas grades curriculares de cursos de Licenciatura, pós-graduação e até nas formações nomeadas como capacitação, reciclagem – disciplinas que focam questões de ordem metodológica, de aplicação de saberes o que consideramos que trata de reduzir o processo educativo ao atendimento das necessidades mercadológicas: vender novos produtos e formar mão de obra qualificada.
A escola, nessa lógica, “[...] trata-se de uma empresa movida pelo imediatismo da satisfação”. (LAJONQUIÈRE, 2009, p. 84). Nesse sentido, o que está em jogo é ensinar conhecimentos utilitários para tornar o aprendizado natural, ou seja, sem a necessidade de esforço psíquico por parte do aprendiz – em virtude do usufruto da felicidade natural à infância.
Contudo, concordamos com Kupfer (1999) acerca do posicionamento docente quando este está tomado pelo exercício da mestria, exercício que implica o reconhecimento da sujeição à palavra de um discurso: o educador desvencilha-se de técnicas de adestramento e adaptação, ou seja, não se preocupa, excessivamente, com métodos de ensino.
Não se trata de afirmar que questões didáticas e metodológicas não são importantes para a formação docente, tampouco afirmar que esses saberes não devem fazer parte do que estamos nomeando de estilo docente. Nosso intuito, ao contrário, é salientar como esses discursos sobre técnicas e métodos de ensino estão esvaziando a dimensão da palavra do fazer docente e, portanto, causando sérias vicissitudes à dimensão do estilo docente, estilo que se expressa nos modos e maneiras que cada docente lança mão para transmitir os conhecimentos socialmente acumulados, pôr em ato a educação.
Assim, entendemos que a transmissão não pode abdicar da dimensão da palavra, da implicação docente que permite que nos arranjemos com as crianças e adolescentes no ato educativo.
As técnicas nada garantem e nada nos dizem sobre como lidaremos com os excessos narcísicos de nossos alunos ou até do modo como nos relacionaremos com o conhecimento que pretendemos transmitir.
Nesse sentido, a Psicanálise pode nos valer para, principalmente, refletirmos sobre os modos através dos quais não chegaremos a lugar nenhum na educação e, desse modo, nos mobilizar a construir um estilo docente que pode nos levar a diferentes lugares nos quais as vicissitudes não tornem a educação de difícil acontecimento.

Referências bibliográficas.

ALBERTI, Sonia; ELIA, Luciano. Psicanálise e Ciência: o encontro dos discursos. Revista Mal Estar e Subjetividade, v. 8, n. 3, p. 779-802, 2008.

CAMUS, Albert. Lettre d’Albert Camus à Louis Germain, 19/11/1957. Centre Albert Camus, Aix en Provence (França). Disponível em: com/Typo3/fileadmin/documents/Expositions/centrecamus/exposuede57.
htm>. Acesso em: 09 ago. 2017.

FREUD, Sigmund. Algumas Reflexões Sobre a Psicologia do Escolar. In: FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1990 [1914]. Volume 13.

KUPFER, M. Cristina M. Problemas de aprendizagem ou estilos cognitivos? Um ponto de vista da psicanálise. In: Rubinstein, Edith (org.) Psicopedagogia: uma prática, diferentes estilos, São Paulo: Casa do Psicólogo, p. 65-78, 1999.

LAJONQUIÈRE, Leandro de. A palavra e as condições da educação escolar. Educação & Realidade, v. 38, n. 2 (abr/jun), 2013, p. 455-469, 2013.

LAJONQUIÈRE, Leandro de. Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e educação. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2009.


LEMOV, Doug. Aula nota 10: 49 técnicas para se tornar um professor campeão de audiência. São Paulo: Da Boa Prosa: Fundação Lemann, 2011.

ROSA, Miriam Debieux. A pesquisa psicanalítica dos fenômenos sociais e políticos: metodologia e fundamentação teórica. Mal-estar e subjetividade. Fortaleza, v. IV, n. 2. p. 329-348, set. 2004. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/malestar/v4n2/08.pdf>. Acesso em: 01 mar 2015.

VOLTOLINI, Rinaldo. A Pedagogia como técnica: psicanálise e a rentabilização dos saberes. Revista Espaço Acadêmico (UEM), v. 11, p. 17-24, 2012
Título: O ensino de língua estrangeira: ampliação do repertório linguístico ou produto do mercado de saber?
Autor: Elizabeth dos Reis Sanada
Coautor(es): Soraia Sawicki
E-mail: elizabeth.sanada@hotmail.com
Instituição: Instituto Singularidades
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Temos como objetivo discutir as relações entre a língua materna e a constituição da identidade e da subjetividade na infância e as possíveis consequências da sobreposição de uma língua estrangeira à língua materna. Para isto, fazemos uma análise de práticas de ensino de língua estrangeira em escolas de ensino regular, estabelecendo um contraponto entre contextos em que a língua materna é posta em segundo plano, a ponto de o próprio nome da criança ser modificado para a pronúncia e grafia estrangeiras e de a família ser orientada a se comunicar num idioma que não traduz sua identidade, refletindo o ideal veiculado pelo mercado do saber, que preconiza o sucesso a qualquer custo; e experiências que respeitam as especificidades da relação da criança com a língua materna e estrangeira e os enlaces que se constituem na construção dessa identidade multicultural. Como afirma Ana Cavalheiro (2005), "a didática das línguas estrangeiras comumente descarta e desconsidera o confronto existente entre a língua materna do aprendiz e a língua que quer aprender. Ocorre que, inevitavelmente, os aprendizes convivem com pontos de bloqueio na hora de “ser um outro”, de “ver com o olho de um outro”, a outra forma de “dizer o mundo e a si no mundo”". Neste sentido, pretendemos apresentar recortes de práticas docentes como facilitadoras na resolução de conflitos de alunos da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental frente às dificuldades de aprendizado da língua inglesa. Se, tal como proposto por Authier-Revuz (2004) considerarmos que "o aprendizado da língua estrangeira solicita, a um só tempo, nossa relação com o saber, com nosso corpo e com nós mesmos enquanto sujeito-que-se-autoriza-a-falar-em-primeira-pessoa, ou seja, que tem-se que se assumir como sujeito que fala por si, que deseja, que nomeia, que se posiciona, que constrói significados, que atua na prática social da comunicação", percebemos o quanto o ensino da língua estrangeira para crianças precisa ser repensado e redimensionado para além das teorias neurolinguísticas ou das técnicas de ensino de línguas, e o quanto é necessário recolocar a questão do sujeito.
Título: Criança e Natureza: o olhar do educador para uma experiência de sensibilidade e criatividade
Autor: Emanuelle de Sousa Barbosa dos Santos
Coautor(es): Angela di Paolo Mota
E-mail: emanuellle.santos@hotmail.com
Instituição: Singularidades
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Este trabalho é resultado de uma pesquisa realizada no curso de Pedagogia do Instituto Singularidades. O objetivo foi investigar como ocorre o encontro da criança com a natureza e que estratégias o educador utiliza para observar e proporcionar este encontro. A pesquisa foi realizada na Educação Infantil de uma escola particular de São Paulo. Justifica-se a relevância dessa temática na Educação por proporcionar ao educador um olhar para as experiências da criança com a natureza como potenciais de aprendizagem, de criatividade e de imaginação. Na interface com a Psicanálise, compreende-se que tais experiências contribuem para uma reflexão crítica do educador acerca do consumismo na escola, do brincar livre e do contato da criança com a natureza.
Palavras-chave: criança; natureza; experiência; educação.
Título: “Furor avaliativo” e escolarização da sociedade: paradoxos e contradições em sala de aula.
Autor: Eric Ferdinando Kanai Passone
E-mail: ericpassone@yahoo.com.br
Instituição: Universidade Ibirapuera
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Este trabalho apresentará uma reflexão acerca da avaliação estandardizada na educação básica como fundamento das políticas de “valorização do magistério” assentadas nos incentivos monetários para professores, também denominado de “pagamento por rendimento”. A figura não poderia surgir mais claramente, a “produtividade” inerente à escola passou à lógica da “rentabilidade”, na medida em que a avaliação implica a determinação de um valor monetário, a mais ou a menos, aos resultados escolares. Diante desse dispositivo tecnocrático de contabilidade do “saber”, poderíamos tomar o “furor avaliativo” como um sintoma no campo das relações produzidas na escola? Aqui reside a importância de se analisar o estatuto do assunto, o saber que fundamenta esses dispositivos e as consequências de seu exercício.

Palavras-chave: Avaliação educacional; Administração escolar; Psicanálise e educação; Fundamentos da Educação; Furor avaliativo.
Título: UMA CONTRIBUIÇÃO EDUCO-PSICANALÍTICA PARA AS QUERELAS DOCENTES
Autor: Felipe Velho Azevedo Costa
E-mail: felipecostaanglo@gmail.com
Instituição: UFRGS
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RESUMO
São muitos os caminhos dentro de uma carreira, mas um/a professor/a, ao trabalhar com as infinitas nuances do humano e sua indomável capacidade de aprender, tem o seu dia-a-dia de trabalho incrivelmente inconstante. De alguma forma, nós educadores precisamos reparar na transmissão mais do que no ensino, pois o nosso trabalho é com pessoas, não com conteúdos. A confrontação diária com os limites do ensino-educação é alvo da análise de um professor após uma especialização em psicanálise da infância e adolescência. O objetivo desse trabalho é atravessar reflexivamente os caminhos que me levaram ao campo da psicanálise e educação, de modo propor a psicanálise como ética na formação docente e ressaltar de que forma ela pode contribuir para as querelas relacionadas ao contexto escolar.
Palavras-chave: educação; formação docente; transmissão; mal-estar docente.
INTRODUÇÃO
Quem escolhe a carreira de professor/a não pode dizer que não foi avisado/a. Alertam-nos desde cedo sobre os baixos salários, sobre os alunos problemáticos e desinteressados, passando pela exígua condição material de muitas escolas. Parece-me que o quadro que pintam da educação é correto. No entanto, desde antes de praticarmos a docência, ainda na época da escolha profissional, construímos (todos juntos) a noção de que o problema da educação passa significativamente pelo outro – o adolescente – e não por nós mesmos. Nisso, a sensação de impotência é semeada em nós professores muito cedo.
São muito interessantes os anos de formação docente, principalmente no que toca o conteúdo a ser trabalhado futuramente na prática de sala de aula. Mesmo assim, não está garantida distância da fragilidade que sentimos frente aos primeiros desafios. Formações de professores que “investem em táticas motivacionais para tentar tornar o ensino mais prazeroso só escancaram a própria falta de sentido que ele padece”. (VOLTOLINI, 2011. p.40)
O objetivo aqui é discutir a dimensão subjetiva da formação docente a partir da psicanálise enquanto ética e tentar aprofundar a compreensão em torno do que se transmite no fazer docente. Concordo com Margareth Diniz (2011) quando a autora diz que “o/a professor/a se forma no processo de seu trabalho, movido por utopias e sobressaltado pelas contingências. Geralmente as teorias que discutem a formação docente centram-se no debate sobre método e procedimento didático, em sua dimensão técnica atribuindo, a estes, um melhor ou pior resultado na formação”. Voltando seu olhar para a intersecção com a educação, Beatriz Gutierra diz que “há, também, uma grande transformação transferencial em relação ao mestre, resultante do trabalho psíquico colocado em marcha na adolescência”. Quantos/as professores/as, em uma mesma manhã, dão aula a sujeitos tão diferentes em seus momentos de subjetivação como crianças e adolescentes? E a nossa formação dá conta de tentar compreender essa pluralidade? Reside precisamente aí minha maior discordância (ou maior proposição) à formação de professores/as nas licenciaturas: trabalhamos essencialmente com sujeitos, não com conteúdos. É uma atribuição que nos compete, essa sensibilidade com as questões que atravessam os adolescentes.
A questão é que os mecanismos usados pelos jovens para desalojar os professores (ou qualquer outro simulacro de autoridade) de sua posição são visíveis, facilmente notados e fortemente sentidos por nós professores. De fato, lidar com a destituição da autoridade requer uma capacidade que muitas vezes está além da nossa (formação?). Não é a toa que hoje seja cada vez mais comum o padecimento psíquico de professores, mesmo que o quadro não seja exatamente uma novidade. “Mal-estar docente”, “angústia laboral”, “estresse profissional”, “esgotamento emocional”, “depressão”, ”frustração”, “despersonalização”, “sentimentos contraditórios”, “síndrome de burnout”, são alguns conceitos vinculados à perda da motivação, humor e satisfação laboral.
Já no título, o livro “O nome atual do mal-estar docente” sugere que a temática do mal-estar docente não é uma situação criada na pós-modernidade. A insatisfação de professores com a profissão foi um tema de interesse de inúmeros pesquisadores da psicologia e da educação ao longo do século XX. “A exemplo disso, podemos citar o seminal trabalho de Ida Berger (1957), que introduz originalmente a expressão “mal-estar docente” em estudo sociológico realizado com 7500 professores franceses. A autora lança mão de tal expressão para designar o “descontentamento de professores” que já se apresentava à época, sobretudo, como consequência dos baixos salários, precárias condições de trabalho, poucas oportunidades de promoção e queda do prestígio social da profissão” (PEREIRA, 2016, p.40).
Os altos índices de absenteísmo e de adoecimento dos/as professores/as em situação de trabalho, demonstrando sua insatisfação com a profissão, as referências à “síndrome de Burnout”, indicam a perda do entusiasmo com a tarefa de ensinar, o que certamente está sendo transmitido aos alunos/as. Esses, por sua vez, respondem com a chamada indisciplina ou a recusa em aprender, constatada nas inúmeras avaliações externas às quais são submetidos. Observa-se que nem mesmo esses resultados que confirmam o fracasso dessa parafernália de ensinar/aprender se tornam objeto de análise e reflexão entre professores/as, alunos/as e gestores/as. (DINIZ, 2011, p.8)
Em seu livro “Por que a psicanálise?” Elizabeth Roudinesco trabalha a ideia de que não existe cura no campo do psiquismo da mesma maneira como ela é verificada no campo das doenças somáticas (orgânicas ou genéticas). “No que concerne ao psiquismo, os sintomas não remetem a uma única doença e esta não é exatamente uma doença (no sentido somático), mas um estado. Por isso, a cura não é outra coisa senão uma transformação existencial de sujeitos.“ (grifo meu) (ROUDINESCO, 2000, p.48)
METODOLOGIA
De forma a cumprir com o objetivo deste trabalho, o caminho da revisão bibliográfica enquanto método foi o escolhido vislumbrando um tecer de relações teórico-práticas. Relações essas que se dão mais na teoria psicanalítica do que na educacional e na prática docente (e não na psicanalítica de clínica). Prática docente que serve como embasamento e disparador do processo que me atravessa e como balizador do que noto ser mais ou menos funcional e honesto com os sujeitos alunos.
DISCUSSÃO
Estamos absolutamente implicados naquilo que tentamos transmitir, então é possível afirmar que “ao ensinar, o/a professor/a comparece com seus fantasmas, traços identitários, ideais, e estas marcas são transmitidas a seus alunos, facilitando ou dificultando a aprendizagem (DINIZ, 2011, p.7). Freud (1914) admite que “é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres”. José Pacheco – fundador da Escola da Ponte (Portugal) - costuma dizer em suas palestras que nos tornamos professores por amor ou por ódio.
Amor por alguma figura que nos despertou interesse para o ofício, ou ódio por alguma figura que supostamente nos atrapalhou na relação com o saber. Com isso, pode ser que um aluno conte com a simpatia gratuita de um professor por representá-lo narcisicamente, lembrando-lhe o aluno que ele mesmo foi no passado. Interessante observação também para o discurso pedagógico contemporâneo, que, de regra, tende a esvaziar o espaço da subjetividade do professor, reservando-lhe um lugar abstrato de mediador entre o aluno e o objeto de conhecimento (VOLTOLINI, 2011, p.32).
E por que não apostar nesse potencial de formação docente? A dimensão subjetiva da formação de professores se coloca importante porque assume o professor enquanto sujeito: alguém que lida com uma falta, com limites de compreensão, logo, ele carrega sua relação com o saber e com a ignorância para o trabalho. É evidente que os alunos notam. Beatriz Gutierra (2003) ao estudar as características dos mestres (im)possíveis para adolescentes, conclui que se trata de “um mestre marcado pela falta que o faz trabalhar para saber,(...) Este traço de posicionamento subjetivo parece essencial no caso do mestre de adolescentes.” Considerando que o professor e a professora exercem uma importante função na sociedade, faria diferença para este profissional saber que não está apenas transmitindo conhecimento formalizado? Que ao se dirigir à sala de aula carrega consigo os traços de uma constituição subjetiva autônoma ou alienada no outro, uma escolha profissional ou uma não-escolha, uma satisfação ou insatisfação com a profissão, bem como a paixão pelo saber ou a paixão pela ignorância? (DINIZ, 2010).
Mas como atingir essa dimensão subjetiva na formação docente? É possível pensar que o professor/a em sua função de ensinante guarde um estilo. É possível uma formação docente que instigue o saber sobre esse estilo próprio que poderá facilitar ou dificultar a transmissão de conhecimentos em sala de aula? O estilo do/a professora/a, a forma como ele/a próprio/a lida com o saber, em sua dupla dimensão, poderá contagiar ou afastar o/a aluno/a quanto ao desejar saber. Ao contrário do que muitos professores/as acreditam, não é o domínio do conteúdo, do conhecimento científico que gera no/aluno/a o desejo de saber, mas sim a transmissão do “como” aquele conhecimento o entusiasmou e do “como” o/a professor/a manifesta esse entusiasmo. É a manifestação do desejo enquanto causa que despertará no/a aluno/a o desejo de aprender. (DINIZ, 2011, p.9-10)
Marcelo Ricardo Pereira (2016) vem propondo pensar-se o ato de ensinar uma mestria que é provisória, contingente e circunstancial. Uma posição que oscila, pois sai da centralidade do discurso e da construção do conhecimento. Para ele, “aquele que ensina, que exerce a função de mestre, deve salvar nossa capacidade humana de pensar não tanto com base nas boas técnicas pedagógicas, que inflacionam mais frustrações do que conquistas, mas muito mais com base na sua experiência e arte de viver”. A autoridade do mestre está não em se fazer como aquele que detém o saber categórico, o código inviolável de uma moral, mas como aquele que ativa o desejo do saber. (DINIZ, 2011, p.13) Posição docente que sem dúvida dialoga com o que Rassial descreve sobre a posição do analista: “não deve ser aquele que de antemão tem resposta para tudo, mas aquele que abre as questões e as deixa abertas (grifo meu)”. (1999, p.165)
Uma parcela nada insignificante dos queixumes e lamúrias de profissionais da educação me parece ser passível de intervenção (e de melhora também, confio) a partir do que Margareth Diniz nomeou de “dimensão subjetiva da formação docente”. Sinto-me positivamente desafiado, a partir dessa situação, a seguir pensando nas pontes possíveis entre psicanálise e educação, aprofundando as discussões/compreensões e tentando colocar em prática o que aprendo em busca de uma educação menos injusta e violenta com os sujeitos envolvidos: professores/as que hoje são “sujeitos empobrecidos do ponto de vista da experiência e, portanto, das possibilidades de transmissão.” (GURSKI, 2016, p.12) e alunos/as que “apesar deste mundo sem pai, podem construir uma nomeação própria, ter referenciais e estabelecer laços sociais.” (GUTIERRA 2003)
Título: O que pode a educação na sociedade de consumo?
Autor: Flavia Vasconcellos
E-mail: flaviamdevasconcellos@gmail.com
Instituição: Grupo de Apoio à Escolarização Trapézio
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Na sociedade contemporânea, os objetos são marcados pela promessa de saciar plenamente e pela efemeridade. A educação, por sua vez, lida com um objeto que demanda tempo para se construir e tempo para dele poder desfrutar; ademais, as aprendizagens não portam garantias de sucesso. Apesar disso, são elas que nos permitem compor os nossos silêncios, como diz o poeta Manoel de Barros. A educação e a sociedade de consumo têm uma relação antitética, o que nos leva à questão: como educar num mundo que funciona em uma lógica oposta ao que demanda a educação?
Título: Incidencias del proceso de burocratización de las funciones profesionales de los Departamentos de Orientación Educativa (DOE) en escuelas medias públicas: Dicotomías, dilemas y tensiones en sus prácticas a partir de un análisis documental
Autor: Gabriel Eduardo Bayeto
E-mail: lic_gbayeto@yahoo.com.ar
Instituição: FLACSO- Argentina
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1. El presente trabajo constituye un avance de investigaciónsize=3 color=black> para la tesis doctoral “Tensiones y dilemas de las prácticas de psicólogos de los Departamentos de Orientación Educativa (DOE) ante la vulnerabilidad social, institucional y subjetiva de escuelas medias públicas de la Ciudad de Buenos Aires: entre las normativas y las demandas (2011-2016)”


Los DOE son equipos interdisciplinarios formados por los cargos de psicólogo, psicopedagogo y asesor pedagógico que trabajan al interior de las escuelas medias públicas, acompañando las trayectorias educativas de los estudiantes; interviniendo profesionalmente con docentes directivos y otros agentes del sistema a partir de diversas demandas y problemáticas que irrumpen en la escena escolar, particularmente en contextos de vulnerabilidad.


En el presente trabajo nos proponemos analizar líneas directrices para las prácticas mencionadas a la luz de la perspectiva de las burocracias y de las políticas públicas, con el propósito de precisar teóricamente una dimensión relevante de nuestro problema de investigación.  


Mencionaremos dos documentos para profundizar aspectos importantes que nos interesan interrogar sobre el proceso de burocratización de las prácticas profesionales de los equipos de apoyo y orientación escolar (Bayeto, 2016).  Cada uno de ellos representa dos momentos definitorios dentro de los 3 periodos del proceso de institucionalización de las funciones de los DOE en el las escuelas de la ciudad de Buenos Aires (2016).


2.  El Periodo pre- normativo (1970-1998) fue un extenso ciclo en el que sólo había cargos profesionales en muy pocas escuelas que se enmarcaban en el llamado Proyecto 13. El resto de los profesionales que se fueron designando en las escuelas, especialmente los psicólogos  (a partir de los años 80) cumplían sus funciones bajo la denominación de otros cargos, preceptor, maestro de enseñanza práctica, y otros. Su tarea profesional no estaba jerarquizada, y tampoco estaba definida la modalidad de intervención.


Un segundo momento al que llamamos, periodo de debates por las funciones entorno a los problemas educativos frente a la crisis socio-económica en la Argentina (1999-2004), en el cual se sitúa el primer documento analizado, la organización normativo-institucional de las prácticas fue de la mano de debates pedagógicos sobre la inclusión escolar. En dicha etapa, en un contexto de crisis socio-económica muy profunda Argentina, hay una irrupción masiva de situaciones problemáticas de suma complejidad que empezaron a presentarse en las escuelas, en muchos casos efecto de condiciones de vulnerabilidad social de los estudiantes.


 Luego de la sanción de la normativa que regula las funciones delos DOE se inicia el Periodo post-normativo (2004-2016). Este último tiene un primer sub-período Prácticas de Inclusión (2005-2010), que coincide con la sanción de la Ley de Educación Nacional (2006),  y un segundo sub- periodo que se inició en 2011 que llamamos Normativización y Política Educativa desde un Modelo Gerencial (2011-2016), en la que se destaca una política educativa inspirada en el Now Public Management (NPM), políticas de gerenciamiento que tienen una clara inspiración en el paradigma neoliberal.


3. El primer documento que mencionaremos es el Informe Consolidado del Marco Normativo del Área Salud y Orientación Escolar (2003). Se comenzó a elaborar en el año 2001, fue entregado para su revisión en 2003, pero finalmente su publicación ha sido realizada en 2006, tuvo como objetivo presentar un análisis de las normas y regulaciones que atañen al funcionamiento del Área de Salud y Orientación Escolar que tuvo existencia como tal en el período 1996- 2006.


 El área en cuestión cumplía tareas de apoyo profesional en otras áreas educativas de la Secretaría de Educación de la Ciudad de Buenos Aires (actualmente Ministerio)  y a la comunidad educativa en general. Se caracterizaba por la dispersión de funciones y por la escasez de normativa específica que organice su estructura y su forma de funcionamiento. Hasta ese momento, las funciones aparecían dispersas en normas que se fueron introduciendo a lo largo de los años (2006).


El segundo documento que destacaremos es el Relevamiento y fiscalización del funcionamiento de los Departamentos de Orientación Escolar con sede en establecimientos educativos de Nivel Medio y Técnico (2014). El mismo se origina en la Sindicatura General de la Ciudad de Buenos Aires y contiene las conclusiones de las tareas de Auditoria (septiembre y diciembre de 2014). Sistematiza información muy relevante pero al mismo tiempo señala aspectos críticos que siguen una lógica fundamentalmente administrativa. Este informe enmarca diversos aspectos considerados “anomalías”, a las cuales accede a través del análisis de los registros de actas internas y otras fuentes de anotación institucional, dichas anomalías podemos considerar que se desprenden de la complejidad de las prácticas profesionales efectivas un tema sensible de prácticas de los departamentos.


El alcance y objetivos de lo auditado concierne tanto a aspectos técnico- profesionales como de control de cumplimientos de tareas, resultado de la observación de registros obtenidos y de consulta a distintas agencias gubernamentales encargadas de su control, especialmente a la Gerencia Operativa de Equipos de Apoyo (GOEA) que es la instancia de superioridad el equipo de Asistencia Educativa (que reemplazó al área de Salud y Orientación Escolar en el último periodo)


Señala la no existencia de manuales de procedimiento ni de registro uniforme que dé cuenta de los pedidos de intervención recibidos a los equipos, las intervenciones realizadas, los seguimientos en curso y las derivaciones solicitadas por los DOE.size=3 color=black>


Ambos documentos se inscriben en dos momentos diferenciados dentro del proceso al que nos referimos. Sus incidencias y efectos en la actividad  profesional específica, como agentes psico-socio- educativo en el campo de la subjetividad (durante el trabajo con estudiantes y docentes) se presenta como horizonte en nuestra investigación; ya que aporta al debate sobe modalidades de intervención en los actuales escenarios escolares.




4. Nos proponemos analizar el encargo normativo de los profesionales que se desprende de las formulaciones presentadas, así como de resoluciones ministeriales a las que nos referimos en otro trabajo (2016): La Resolución 4181/ 14 que atiende al ausentismo escolar, y a la Resolución 992/13, que indica el “Procedimiento de Actuación ante Denuncias”, ambas plantean las instancias en las que las escuelas deben dar intervención a los equipos de apoyo y orientación, evidenciándose una tendencia en el proceso que queremos señalar.




Retomamos los planteos de la sociología con Max Weber en primer lugar, quien nos presenta un núcleo duro de características que conforman el tipo ideal de burocracia (Weber, [1946] 1999). Tales características toman consistencia cuando aparecen los mecanismos de control administrativos de la función profesional del integrante del DOE, y que la Auditoría descripta pone sobre el tapete.color=red>


En línea de este autor Robert Merton afirma  que “…la burocracia incluye una clara división de actividades integradas, que se consideran como deberes inherentes al cargo... En las regulaciones se encuentra especificado un sistema de controles y sanciones diferenciados….  La asignación de funciones se hace sobre la base de calificaciones técnicas comprobadas por medio de procedimientos formalizados e impersonales...]” (Merton, 1999) De este modo, dentro de la estructura de una autoridad jerárquicamente organizada como la que se instituye en el actual ordenamiento de los roles y funciones de los DOE, como actividades de "expertos preparados y asalariados" tienden a estar gobernadas por reglas generales, abstractas y claramente definidas (1999).


Estos argumentos nos llevan a considerar un aspecto controversial, con efectos perjudiciales que tiene que ver con el ejercicio de una competencia del funcionario. Con particular agudeza Merton va a remarcar la existencia de una “incapacidad adiestrada del burócrata”, debido al automatismo aprendido que deviene del desempeño de una función automatizada, rasgo que resulta relevante destacar a la luz de la orientación que pueden tomar la prácticas profesionales, y principalmente la del psicólogo en los DOE. Con este acento desde la autoridad gubernamental se empuja hacia la ineficacia a una función y un rol profesional que debería producir como resultado de su participación la inclusión educativa. Dicho rasgo atenta contra la potencialidad inclusiva de la intervención en instituciones que atienden población vulnerable, que son los espacios educativos a que nos referimos, en la época actual que se destaca por la ruptura del lazo y exclusión como condición social imperante.


Esto nos adentra en una dicotomía como dilema planteado especialmente para las prácticas del psicólogo de los DOE: el profesional versus el funcionario. La auditoría nos pone en la dimensión estrictamente administrativa del funcionario, y las anomalías que señala se dirigen a aquellos aspectos que se abocan al procedimiento de anotación y sistematización de sus acciones.


En una práctica que tiene a la palabra como herramienta principal, en que rige la confidencialidad (salvo en caso que se vulnere derechos a ser denunciados) y donde el profesional opera con información personal sensible y elementos intangibles pero de vital importancia ligados a aspectos relacionales de la experticia, fundamentales para el abordaje de la complejidad (Edwards, 2010);  la  Auditoria remarca entre otros aspectos formales la inexistencia de manuales de procedimiento.


Esta tendencia inclina la balanza hacia uno de los polos de la dicotomía en nuestra argumentación, teniendo en cuenta las presiones que los profesionales enfrentan. Dichas presiones se relacionan con la responsabilidad del profesional frente a situaciones de riesgo social o subjetivo, y de alta vulnerabilidad de los jóvenes.  A quienes como menores de edad, el Estado tiene que proteger en sus derechos, y ante los cuales el profesional deviene representante.


5. Este recorrido planteado nos lleva a retomar algunas reflexiones acerca de nuestro problema de investigación considerando el aporte del estudio de las burocracias, en diálogo con el psicoanálisis desde una perspectiva transdisciplinaria  como marco teórico. Los hallazgos a partir de los documentos analizados junto a las claves de lectura que nos aportan los autores citados, nos permiten continuar resituando el problema en el contexto del proceso de investigación que ya lleva 6 años.


Nuestro objeto de estudio en la maestría (2014) se construyó inicialmente en torno a las funciones que se derivan de las prácticas profesionales, en escuelas públicas que reciben población de sectores sociales desfavorecidos. Contextos donde se presentan mayores dificultades para sostener la trayectoria de sus estudiantes, ya que se verifica la manifestación recurrente de situaciones que los docentes afirman no poder sostener durante su trabajo docente: dificultades de aprendizaje, irrupción de violencias, problemas emocionales, entre otras.


Muchas de estas problemáticas involucran la vulneración de derechos de los estudiantes tales como maltrato, falta de presencia familiar, dificultades derivadas de la situación de vulnerabilidad social, entre otras; frente a las cuales se centran las prescripciones de intervención que se analizan en el periodo actual estudiado.


Situamos el problema de las prácticas profesionales ante tensiones, entre las normativas que regulan sus funciones por una parte, y las demandas que reciben los profesionales de los DOE, en particular los psicólogos, por el otro.  De acuerdo al estudio de campo realizado se planteó una disyunción entre lo pedagógico y la convivencia (2014) como síntoma educativo, con efectos en la caída de la función educativa de los agentes, y con consecuencias en las prácticas profesionales con el propósito de incluir a los sujetos en un lazo educativo. Los docentes y profesionales quedan tomados por la irrupción masiva de problemáticas emergentes que involucran cuestiones de convivencia y disciplina de los estudiantes, y lo pedagógico, como significante que se liga a distintos aspectos del trabajo educativo, queda de lado. Este problema se recorta a partir de la construcción de casos resultado del trabajo profesional con docentes y estudiantes de un equipo DOE en el tramo de tres años de acompañamiento a la trayectoria educativa, en una escuela tomada como caso. Dicho problema se presentó como un síntoma paradigmático.


En nuestro proyecto de doctorado el eje del objeto a construir se desplaza. Nos interrogamos por los dilemas de los profesionales psicólogos en sus prácticas, a partir de normativas que derivan de políticas educativas dirigidas a la inclusión, en las que se viene produciendo un giro con un acento en los procedimientos sistematizados y el control administrativo.


Nuestro objeto de estudio continúa construyéndose, en el estado actual de la investigación, en torno a políticas educativas que orientan  un proceso de burocratización para los profesionales, con consecuencias en los procesos de inclusión-exclusión que afecta a los estudiantes. A diferencia de la inclusión en términos reglamentarios y normativos, la inclusión efectiva involucra procesos complejos que se ponen en marcha en las escuelas por medio de sus agentes (docentes, directivos, profesionales), y suponen incluir a los sujetos en ese lazo. Las posibilidades de que esto ocurra se originan, por una parte en el modo que adoptan sus  roles y funciones derivadas de un encargo normativo, y por el otro en cómo se resuelven las situaciones específicas con las que se interviene en los procesos educativos, en las que la posición que los agentes juega un papel relevante.


El enfoque sociológico nos permitió especificar avances en el análisis y argumentación de este problema teórico estudiado y nos permite precisar preguntas que se abren a partir de este recorrido. El ejercicio transdisciplinario que esto supone nos lleva a presentar la dicotomía planteada profesional/funcionario, la cual permite continuar pensando sobre la posición de los profesionales (Tizio, 2003) en el abordaje de las subjetividades.


Todo esto nos lleva a interrogar cuál es la funcionalidad de los profesionales de los DOE, no solo en términos de los ordenamientos administrativos que claramente se encaminan a un sostén organizacional, a partir de un tipo de racionalidad instrumental. Nos preguntamos sobre cuál es la funcionalidad con respecto a los objetivos finales de producir inclusión efectiva, que supone el propósito de las políticas que lo originaron. Pensar en los aspectos contradictorios que vinimos argumentando en este recorrido nos conduce a profundizar una dimensión clave en los dilemas que las prácticas conllevan. Allí la dicotomía mencionada nos acerca a comprender nuevas aristas del problema que seguimos investigando.


Como reflexión final, analizando el lugar del psicólogo como un actor más en las dinámicas de la institución, podemos plantear que  hay una diferencia  cualitativa en que este sea funcional a la exclusión por efecto paradojal, en el marco de una lógica de procesos en los que participa como una pieza más, que un emprender un trabajo de lectura de las situaciones con que trabaja, y un posicionamiento en las mismas que se oriente a la inclusión de los estudiantes y docentes, como sujetos en un lazo educativo.




 


 


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Normativas y documentos de trabajo


Ministerio de Educación de la Nación. (2014) Los equipos de orientación en  el sistema educativo. La dimensión institucional de la intervención. Inclusión democrática en las escuelas.


------------ (2006) Ley Nacional de Educación. Nro. 26. 206/06. Ministerio de Cultura y Educación de la Nación. (1970) Proyecto 13. Ley 18.614/70.


Ministerio de Educación de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, (2014) Guías de Orientación Educativa.


------------- (2014) Resolución 4181. Ausentismo.


------------ (2013) SSGECP 992/13, “Procedimiento de Actuación ante Denuncias”


----------- (2012) Estructura Organizativa Del Ministerio De Educación Del Gobierno De La Ciudad Autónoma De Buenos Aires. Dirección de Planeamiento Educativo. Proyecto Recopilación y Reformulación de Normativa Educativa PRyRNE


---------- (2009) “Documento sobre Prácticas de Inclusión” Dirección de Educación Media.


----------  (2006 [2003]) Informe Consolidado del Marco Normativo del Área Salud y Orientación Escolar


----------- (2004) Resolución 547/04 SEGCBA. Las funciones de los Departamentos de Orientación Educativa.


Secretaría de Educación del GCBA. (2003) Resolución 2261/03 SEGCBA.


Sindicatura General de la Ciudad de Buenos Aires. (2015) Relevamiento y fiscalización del funcionamiento de los Departamentos de Orientación Escolar con sede en establecimientos educativos de Nivel Medio y Técnico. Dirección General de Educación de Gestión Estatal dependiente de la Subsecretaría de Gestión Educativa y Coordinación Pedagógica. Ministerio de Educación. Auditoría realizada desde el 17 de septiembre al 4 de diciembre del año 2014.
Título: O DISCURSO CAPITALISTA E A EDUCAÇÃO
Autor: Gleycimara da Cruz Guedes Torres
Coautor(es): Bianca Wandepol Azevedo, Cintia Schroder e Amanda Aparecida Barroso de Paiva
E-mail: gleycigtorres@gmail.com
Instituição: ESCOLA ESTADUAL Francisco Bernardino
- Trabalho Completo (clique para visualizar)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo compreender o que a psicanálise tem a dizer, a partir teoria dos discursos, sobre o mal-estar na educação. Uma pesquisa bibliográfica foi utilizada para alcançar tal finalidade. A partir dos referenciais teóricos utilizados concluímos que a psicanálise pelo viés da teoria dos discursos explica o mal-estar na educação, revelando que o discurso do capitalista inviabiliza o laço social, afetando a educação em seus objetivos e sentidos e principalmente o sujeito e uma sociedade.
Palavras-chaves: mal-estar; teoria dos discursos; psicanálise; educação.

INTRODUÇÃO
Com o surgimento do capitalismo ocorreram transformações no laço social provenientes das recentes revoluções sociais e econômicas. Através da teoria dos discursos, Lacan refletiu sobre os efeitos subjetivos causados pelo capitalismo.
Lacan escreveu sobre quatro discursos constitutivos da civilização: o do mestre, da histérica, da universidade e do analista, que determinam a posição do sujeito na cultura. Quatro lugares são propostos por ele: agente, verdade, outro e produção. O discurso capitalista surge de um desdobramento do discurso do mestre. Para Lacan (A referência inicial ao discurso do senhor moderno diz respeito ao saber. O saber do escravo está colocado no centro do discurso do senhor antigo, e no discurso do senhor moderno, apresentado como tirania do saber, com valor de mercadoria) (TEIXEIRA, 2007, p. 68).
O (que se opera entre o discurso do senhor antigo e do senhor moderno, que se chama capital, é uma modificação no lugar do saber) (1969-1970, p. 32) (TEIXEIRA, 2007, p. 68), com isto o trabalhador passou aquele que (não é simplesmente explorado, ele é aquele que foi despojado de sua função de saber) (LACAN, 1992, p. 140) (TEIXEIRA, 2007, p. 69).
Observa-se então uma grande influência do discurso do capitalista na educação contemporânea, onde o currículo define o grau de valor e excelência dos estudantes. O mestre contemporâneo atua pela via do capital. Como cita Illich (Muitos estudantes, especialmente os pobres, percebem intuitivamente o que a escola faz por eles. Ela os escolariza para confundir processo com substância. Alcançando isto, uma nova lógica entra em jogo: quanto mais longa a escolaridade, melhores os resultados; ou, então a graduação leva ao sucesso. O aluno é, desse modo, “escolarizado” a confundir ensino com aprendizagem, obtenção de graus com educação, diploma com competência, fluência no falar com capacidade de dizer algo novo. Sua imaginação é “escolarizada” a aceitar serviço em vez de valor) (ILLICH, 1985, p.16)
Em nossas trajetórias como professoras, supervisora pedagógica e analista surgiu a oportunidade de trabalharmos em grupo, a partir das pesquisas realizadas na Universidade Federal de Juiz de Fora, este grupo nos deu uma nova perspectiva acadêmica que nos convocou a uma área de estudo atual e desafiadora, a saber: a interface entre a psicanálise e a educação.
Intrigou-nos a possibilidade de compreensão da intensificação do mal-estar na educação como decorrência do cumprimento do discurso do capitalista na atualidade.

METODOLOGIA
A partir da pesquisa bibliográfica analisamos as obras de Freud (1930), Illich (1985), Quinet (2006), Lacan (1992, 1993), Pereira (2016), na busca por uma compreensão do mal-estar na educação e se ele se intensificou com a disseminação do discurso capitalista.
Através da leitura e discussão do livro “Sociedade sem escola”, de Ivan Illich, citado na ementa do evento, que trata da institucionalização escolar, com o objetivo de retomar a aprendizagem a partir do saber e não mais pela lógica do resultado, nos indagamos sobre o que vem a ser educação. A etimologia do termo define “educação”, do latim: “educare”, como “conduzir para fora”.
Porém, apenas essa definição não nos bastou para alcançarmos nosso objetivo, buscamos então na obra de René Hubert, filósofo e teórico da Pedagogia, uma explicação melhor e mais ampla, ele conclui que esse conceito é um conjunto de ações e influências que um indivíduo exerce sobre o outro a fim de prepará-lo para desempenhar sua função social.
Buscamos então compreender qual a influência desse novo modo de se portar como sujeito no mal-estar experimentado na educação. Para tal, recorremos a Freud, Lacan e Quinet, na busca pela compreensão sobre a teoria dos discursos que regem os laços sociais, e determinam na relação educativa o sucesso ou fracasso da aprendizagem.
Sigmund Freud apresenta, em “O mal-estar na civilização”, como os relacionamentos entre as pessoas são geradores de sofrimentos ocasionando o mal-estar nos laços sociais, esse mal-estar é estrutural. A maneira como as pessoas se relacionam estão vinculadas a quatro formas que se expressam nos atos de governar, educar, analisar e fazer desejar. Essas quatro formas são denominadas por Lacan de discurso e são desenvolvidas em sua obra O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise. No livro Televisão, ele aborda a questão do consumismo e revela uma pequena alteração do discurso do mestre fazendo emergir o discurso do capitalista.
Na busca pela compreensão do mal-estar na educação e seu agravamento vivenciado pelo adoecimento de docentes e discentes, aumento da violência e a presença de cada vez mais diagnósticos de distúrbios de aprendizagem esbarramos enfim em uma possível explicação, a alteração no modo de relação estabelecido entre os sujeitos. Se antes estávamos na roda dos quatro discursos de Lacan, agora caminhamos para uma mudança do discurso do mestre, a saber o discurso capitalista.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Percebe-se que ao longo da história humana a educação sempre esteve presente, e se fez necessária à civilização. Inicialmente, voltada às questões práticas de satisfação das necessidades que surgiam no cotidiano, caminhou para hoje ser reduzida a um produto a ser consumido e obrigado a fornecer resultados e atingir metas. Luís A. M. Alves (2012) afirma que: (Temos consciência também que ‘o desenvolvimento educativo acompanhou de perto o processo de construção dos Estados nacionais (...) e o planeamento dos investimentos em educação sempre se orientou por objetivos e metas de desenvolvimento económico’) (ALVES, 2012, p. 11).
Na educação contemporânea vemos que o mestre moderno opera pela via do capital, onde a educação se tornou quantificada. O saber dos estudantes passou a ser medido e encaixotado em fragmentos. A nova proposta pedagógica passou a catalogar os sujeitos diante das estatísticas e médias de resultados, sem levar em conta o crescimento pessoal que é algo imensurável.
Com o surgimento do capitalismo a educação passou a ter um valor de mercadoria, fazendo com que as pessoas aceitem serviço ao invés de valores, afetando assim a imaginação e privando-as de uma aprendizagem criativa e transformadora. Ficamos presos à um currículo que castra, muita das vezes, as motivações dos professores e alunos.
Os valores nas instituições de ensino passaram a ser medidos. Sabe-se mais quem possui maiores pontuações em matérias fragmentadas, inclusive a imaginação é medida. Passamos a valorizar o que já foi feito e o que é lícito fazer. O novo se tornou algo ameaçador.
Em uma sociedade onde o controle dos meios de produção está nas mãos de tecnocratas, as pessoas são definidas por padrões que eles estabelecem. Para Illich (1985, p. 18): (Tendo uma sociedade transformado as necessidades básicas em demandas por mercadorias cientificamente produzidas, define-se a pobreza por padrões que os tecnocratas podem mudar a bel-prazer. A pobreza se aplica àqueles que ficaram aquém de algum ideal de consumo propagandeado. No México, pobres são os que não frequentaram três anos de escola; em Nova York, os que não frequentaram doze anos).
O currículo transformou-se em mercadoria, onde quem possui grandes somas de diplomas é considerado mais qualificado. A competência de uma pessoa passou a estar ligada com o seu currículo. Deste modo vemos pais mais preocupados com o certificado e o dinheiro que seus filhos irão ganhar, ao invés de se preocuparem com o que estão aprendendo (Os estudantes consideram seus estudos como um investimento que lhes trará as melhores vantagens financeiras; e os países consideram o estudo como fator básico do desenvolvimento) (ILLICH, 1985, p. 49). Quanto mais estudantes dentro da escola, mais o país é instruído.
Os fatos relatados acima sugerem que o objetivo da educação atual está completamente distante do proposto por Hubert em que as ações e influências que um indivíduo exerce sobre o outro a fim de prepará-lo para a vida social não se encontram no modelo educacional presente. E também se separa da etimologia da palavra educação que diz “conduzir para fora”, mas que nos dias atuais poderia ser compreendida como “conduzir para a compra”. Mais longínqua estaria a educação do desejo de Kant ao observarmos mais o desejo pelo produto do que alcançar a humanidade.
Tanto Freud quanto Lacan revelaram em suas obras as preocupações acerca do mal-estar na modernidade e neste artigo buscamos refletir sobre o mal-estar na educação.
Freud em o “Mal-estar na civilização” aponta os quatro modos de relacionamento geradores de sofrimento no homem: governar, educar, analisar e fazer desejar. Lacan os denomina de discurso e é esse que forma o laço social. Os discursos são quatro: do universitário, do analista, da histérica e do mestre. O sujeito faz o laço social rotacionando por diferentes posicionamentos. Dentro deste artigo interessa abordar somente o do mestre e sua variante o discurso do capitalista.
Quinet cita Lacan ao falar sobre o discurso e (aponta o parentesco de todo discurso com o discurso do mestre, pois todo discurso é discurso de dominação). (QUINET, 2006, p.35). Sendo o escravizado a referência no discurso do mestre e portador do discurso da instituição. Existem várias formas do discurso do mestre além de estilo próprio. Seguindo Quinet ele diz (o estilo se encontra diretamente articulado ao manejo, ou mesmo, ao destino que se dá à verdade que ele detém) (QUINET, 2006, p. 36).
Em “O avesso da psicanálise”, Lacan é categórico ao afirmar que o discurso dominador do laço social vigente em nossa sociedade é o do capitalista. Necessário afirmar que este não se trata de um quinto discurso e sim de um desdobramento do mestre.
O produto do capitalista é o responsável pelo mal-estar na civilização.
(O que caracteriza o discurso capitalista é a foraclusão da castração, ou seja, foraclusão da sexualidade e da diferença dos sexos. Na verdade, é um discurso que exclui o outro do laço social, pois o sujeito só se relaciona com os objetos-mercadoria comandado pelo significante-mestre capital) (QUINET, 2006, p. 38). Com relação ao laço aluno-professor, o que surgiria deste se estão excluídos da possibilidade de se vincularem, pois não (há relação entre o agente e outro a quem esse discurso se dirigia) (QUINET, 2006, p.39)?
A partir do que foi discutido concluímos com a fala de Quinet que (a foraclusão da castração do discurso do capitalista nos indica que esse “laço” é louco, pois seu discurso é psicotizante na medida em que tira o sujeito de outros laços sociais) (QUINET, 2006, p. 40), ficando a educação impossibilitada de promover o sujeito a sua cidadania ou como diria Kant, impossibilitado de atingir, sua liberdade, uma liberdade de ser.
O que a psicanálise tem a dizer, a partir da teoria dos discursos, sobre o mal-estar na educação causado pelo discurso do capitalista?
A psicanálise nos diz do que podemos perder não somente na educação, mas enquanto seres humanos, nossa capacidade de sermos sujeito, sujeito do desejo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Luís Alberto Marques. História da Educação uma introdução. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2012.

FREUD, S. (1930). O mal-estar na civilização. Trad. Sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro, Imago, 1996. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v.21.

ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 7ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

QUINET, Antônio. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranoia e melancolia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.

LACAN, Jacques. Televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

PEREIRA, Marcelo Ribeiro. O nome atual do mal-estar docente. 1ª ed. Belo Horizonte: Fino Trato, 2016.
Título: Os muros e as rachaduras: Histórias de enrijecimento, possibilidades de criação e brechas no concreto do espaço escolar
Autor: Iara Rodrigues Santos de Souza
E-mail: iara.psico@gmail.com
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Resumo
Este trabalho busca retomar algumas teorias e concepções do racismo científico e analisar alguns dos seus impactos no contexto escolar, como a falta de abertura para os diferentes estilos cognitivos e de transmissão. Também buscamos apontar possíveis rachaduras nas estruturas enrijecidas da escola e compreendê-las como possibilidade de maior permeabilidade em que outras relações com a educação não estejam atreladas ao discurso vazio da inovação, mas à ética do cuidado.
Palavras chave: racismo científico; queixa escolar; estilos cognitivos;
Título: Estratégias de educadores frente ao mal-estar: um estudo de caso
Autor: Iris Ramos Lacava Ferraz
Coautor(es): Cristiana Carneiro
E-mail: irislacava@gmail.com
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro / Colégio de Aplicação
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O presente artigo trata de um único caso de uma pesquisa maior, e tem como metodologia a análise documental de: relatórios escolares; relatórios de visitas dos pesquisadores; transcrições de falas dos educadores - documentos produzidos durante a pesquisa intervenção realizada por um grupo que atua em parceria entre o NIPIAC, as Faculdades de Educação da UFRJ e UFF e o Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Afinal, partindo da premissa de que existe um mal-estar na escola frente aos alunos que não correspondem a um ideal de aluno, pretende-se investigar, essencialmente dois pontos: 1) o mal-estar no discurso da escola, 2) as estratégias da escola para lidar com esse mal-estar.
Palavras-chave: mal-estar; medicalização; educação; psicanálise
Título: Ensino Superior Privado Segundo a Lógica do Mercado: Escola de Nível Médio?
Autor: Isael de Jesus Sena
Coautor(es): Marcelo Ricardo Pereira
E-mail: senaisael@gmail.com
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais
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O processo de mercantilização do ensino superior, segundo a lógica do discurso capitalista, concebe o conhecimento como um produto que tem uma função utilitarista e o aluno é visto como um cliente. Em um país com pouca tradição acadêmica, multiplicam-se o número de cursos superiores. Lamentavelmente, observam-se as frágeis condições para aprendizagem dos corpos discentes, seja pela inexperiência e até mesmo pela incompetência de corpos docentes de baixo custo financeiro. Desse modo, somos levados a questionar se é possível tecer a crítica e fomentar o debate intelectual em níveis fundamentais de ensino, com péssimo uso de expedientes lúdicos e gestálticos de alfabetização, às vezes, prazerosamente mergulhados no “pão-e-circo”? Assim, lançamo-nos na (contra)corrente para qualificar o debate sobre essa formação instrumental que se alinha aos objetivos de uma sociedade orientada pelo modelo desenvolvimentista-tecnicista.
Palavras chaves: Ensino Superior; Discurso Capitalista; Formação Docente; Psicanálise

Este trabalho visa ampliar a discussão, à luz da psicanálise e da educação, sobre o ensino superior privado segundo a lógica do discurso capitalista. O processo de mercantilização do ensino superior nos leva a interrogar se a formação desenvolvida em algumas instituições não passa de um ensino médio. O interesse em refletir sobre essa problemática surgiu a partir da minha experiência como docente, em uma faculdade privada, durante 5 anos, o que se tornou objeto de estudos na pós-graduação.
As reflexões que serão aqui suscitadas são decorrentes do projeto inicial de doutorado. Em que pese o estágio inicial da pesquisa, estamos de acordo com o fato de que as articulações do tema proposto com a especificidade desse colóquio contribuirão de modo substancial para a démarche da pesquisa.
As mudanças introduzidas na sociedade moderna, como resultado da mundialização do capital e pela tendência à uniformidade, têm produzido mudanças e consequências. Esses fatos, associados ao processo de democratização do ensino, ao longo do século XX, trouxeram também algumas implicações no campo educacional.
Como consequência dessas mudanças econômicas a educação superior passou por um período de redefinição das suas funções. Observa-se que a transferência da educação como campo da esfera política para a esfera de mercado, ou seja, a conversão da universidade como instituição para a universidade como organização tem sido a tônica do discurso neoliberal vigente. Nesse modelo econômico critica-se à gestão educacional como política de Estado e remete à necessidade de sua despolitização e privatização.
O campo educacional, ao seguirem os ditames da ideologia liberal, inspira-se numa justificação moral na crença já antiga nos direitos, nos interesses e na felicidade do indivíduo e uma justificação pragmática na fé no ideal de um mercado, que ela espera ser espontaneamente ordenado. Com a introdução do discurso do capitalista, Lacan nos mostra que essa autoridade dominante no Mestre feudal passa para baixo e toma o lugar da verdade escondida que os enfrentamentos sociais entre o novo Sujeito-mestre e seus subalternos virão às vezes revelar. Se na sua origem o discurso do capitalista guarda uma implicação com o discurso do mestre, esse por sua vez, tem a ver com tudo o que transcorreu como sendo relacionado ao escravo e que mais tarde veio a ser o proletário.
A contrarreforma universitária tem sido apontada como um elemento crítico porque trouxe novos dilemas econômico, político e educacional. A relação professor-aluno passa a sofrer a interferência do componente mercadoló¬gico, no qual o professor oferece a sua mercadoria, que é o conhecimento e o aluno se torna o cliente. Esta é uma faceta do discurso do capitalista: o instante em que o sujeito, agente do discurso através da intermediação do saber (S2) vai comandar o mais-gozar (a), no lugar da produção. Essa mudança tem consequências, pois com o poder de gozo que o objeto adquire como mais-gozar, ele passa a interferir sobre o sujeito.
O que parece estar subjacente a esta visão de uma certa circularidade completa, no discurso do capitalista, encontra o seu fundamento na doutrina liberal, segundo a qual preza-se pela liberdade individual que faz o Sujeito o mestre absoluto de suas escolhas. As concepções do bem a ser perseguido sendo consequentemente relativas a cada Sujeito, daí resulta que toda definição comum do bem está excluída e que os indivíduos não podem se entender senão no que diz respeito a uma organização da sociedade que lhes garanta simplesmente o poder de perseguir sua própria felicidade.
É nesse contexto de uma Educação utilitarista que nos deparamos também com a desautorização do mestre. Esse último passou a ser objeto de questionamento, uma vez que sofreu considerável desgaste intelectual, social, cultural e econômico. Alguns autores são críticos nesse aspecto e chegam mesmo a aventar que na sociedade cujas relações de produção tendem a transformar tudo e todos em mercadorias vendáveis, nem mesmo a esfera do espírito consegue se safar.
Lacan não se eximiu de afirmar que governar, educar e psicanalisar são desafios impossíveis, isso significa que a impossibilidade seria então fixada à finalidade, à falta de êxito quanto aos objetivos. Alguma coisa vem frustrar os planos, o êxito final é aleatório.
Nesse sentido, nos deparamos frente à impossibilidade de atingirmos uma harmonização de nossa personalidade, uma vez que a contradição e o conflito são imanentes e operativos em nossa constituição. Uma questão insiste para nós: Que preço o mestre da atualidade está disposto a pagar para pôr-se à prova em sua posição provisória? Diante desse atual cenário, estamos de acordo com o fato de que quaisquer que sejam as circunstâncias históricas, nunca devemos ceder nem ao procedimento do silêncio nem à aceitação da arbitrariedade legal. Desse debate, a Psicanálise não pode furtar-se. Somente opinando sobre as coisas, sobre determinadas transformações técnico-científicas dos ideais e do novo aparato social que se produz, só assim chegaremos a ter influência.
Duas questões para as quais insistimos em apontar, diante de um horizonte sombrio: É possível a trégua numa profissão (educação) inserida no rol de impossível? De quais méritos e honra dispõe o professor nesse modelo universitário utilitarista? A nova ordem é o conhecimento como produto. A universidade se vê compelida a adaptar-se à lógica do mercado e torna a sua missão institucional em uma missão mercadológica, em um ambiente educacional onde a quantidade é preferida em relação à qualidade. Nesse modelo de ensino, constatamos de um lado, aquele que manda (aluno), e de outro, a aparência de quem obedece (professor), por isso interrogamos: parece escorrer de seus lábios a singela pergunta: existe legitimidade nos gestos de quem manda? E por quem obedece deve ser servil em sua obediência?
Os mestres da atualidade estão a ponto de perder até o mínimo de crítica que até então lhe dava sustentação e lhe garantia uma sobrevivência no nível da experiência intelectual necessária para estar atento aos rumores do tempo, como também às ameaças dos acontecimentos.
A respeito do conhecimento, este se torna uma mercadoria de acordo com a lógica capitalista. E como mercadoria, estará disponível para todos. Ao se submeterem a essa lógica de “mercado”, as faculdades privadas dão ênfase muito mais ao conhecimento como um “objeto de consumo”, em detrimento de seu valor cultural e da formação de profissionais com senso crítico.
Por um lado, cabe ao professor assumir a tarefa medíocre de apenas repassar o conhecimento para atender a uma formação utilitarista. Por outro lado, isso não ocorrem sem consequências, os alunos apenas vão reproduzir o conhecimento nas provas. Seguindo este raciocínio, o professor, portanto, ele não é mais considerado como o detentor respeitável de um saber-fazer, mas verdadeiramente como “o homem-mercadoria”, bom para qualquer trabalho, cujo saber produzido permitirá precisamente ao Discurso capitalista ter um pouco mais de lucro.
Há argumentos que apontam para a precarização das condições e dos contratos de trabalho do professor. Acentua-se que a perda do prestígio da docência tem levado o professor a submeter-se a uma roda-vida, ou seja, um incessante “correr atrás” à procura de sua subsistência. E, se só resta ao sujeito a desventura de uma busca pelo “ganha pão”, não lhe restará lugar para ser interrogar sobre a docência, sobre si mesmo e a educação como prática social e histórica. Perde-se a crítica que antes lhe sustentava e se submete-se aos ditames do capital, cujo individualismo, competição e a acentuada busca pelo produtivismo acadêmico ressoam como armadilhas para o mestre diante desta nova cartografia do ensino superior privado.
Portanto, estamos diante de uma armadilha da modernizada, pois coloca o sujeito diante da inconsciência, descomprometimento e indiferença com os seus pares. Seguindo essa lógica instrumental a docência é entendida como transmissão rápida de conhecimentos, consignados em manuais de fácil leitura para os estudantes, de preferência ricos em ilustrações e com duplicatas em CDs. O professor, à mercê das políticas neoliberais se desobriga de seu papel de incitar a reflexão, o pensamento e a produção de conhecimento crítico.
Identificamos também nesse universo, que a ausência de critérios universais para preencher vagas é um sinal evidente dos variados mecanismos negadores de uma ética que pudesse estabelecer referências sensíveis e princípios efetivos para essas demandas formuladas na atualidade. Os professores universitários se veem frente a um novo contexto educacional, formado por alunos advindos de classes sociais até então não privilegiadas pelo ensino superior. Turmas de alunos com baixo desempenho acadêmico identificam o resultado de um ensino médio de má qualidade, no qual esses alunos não aprenderam o que os professores universitários consideram como referenciais básicos para a construção de novos conhecimentos na graduação.
Somos favoráveis ao pensamento de Lacan, segundo o qual o campo político e econômico produz um sujeito alienado. Esse sujeito encontra-se numa berlinda, pois não se interroga e tampouco interpela o desejo do Outro. Nesse cenário cabe ao psicanalista desempenhar a função de intérprete e dar conta das linguagens que, de diferentes maneiras, afetam o sujeito.
A psicanálise é uma prática social e, portanto, vai operar em contextos sociais e políticos que apresentam discursos antagônicos. Por exemplo, o discurso médico, os discursos “científicos” e filosóficos, os discursos políticos e econômicos e o discurso psicológico. Por esta razão os analistas precisam entender que há comunhão de interesses entre o discurso analítico e a democracia, e precisam entendê-lo verdadeiramente. Há que se passar do analista reservado, crítico, a um analista que participa, a um analista sensível às formas de segregação, a uma analista capaz de entender qual foi sua função e que lhe corresponde agora.
Título: “Você é igual a mim e eu sou igual a você” - A identificação entre pares no tratamento em grupo de psicóticos
Autor: Izabel Ramos de Abreu Kisil
Coautor(es): Ana Licia Pegorelli, Daniel Amiro Gonçalves, Fernanda Lacanna
E-mail: belrabreu@gmail.com
Instituição: GIP
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“Você é igual a mim e eu sou igual a você”
A identificação entre pares no tratamento em grupo de psicóticos

1.Resumo
No dispositivo de tratamento em grupo proposto pelo GIP (Grupo de Invenção e Pesquisa), jovens psicóticos têm a oportunidade de se encontrar com seus pares. Nosso objetivo nesse texto é discutir os efeitos desses encontros no processo de identificação e constituição subjetiva destes jovens. No contexto da escola regular, Rich não pôde armar laços identificatórios. Mas no contexto do tratamento em grupo, Rich se encontra com um semelhante, o que permite a ele armar identificações. Nomear o que se passa com sua colega Ilsa, suas capacidades e dificuldades, possibilita a Rich se identificar e, partir disso, criar novas condições de estar no laço social.

Palavras-Chave: Psicose; Grupo; Identificação

2. Introdução
De acordo com a teoria lacaniana, o estádio do espelho é um tempo da constituição subjetiva no qual a criança se identifica com a imagem unificada de seu corpo oferecida pelo olhar do Outro, permitindo a ela se reconhecer como eu. Lacan (1953/54) afirma que "a imagem da forma do outro é assumida pelo sujeito". Deste modo, entendemos que a alienação é intrínseca à constituição do eu. Como discute Lacan (1955/56) "o eu é desde já por si mesmo um outro", o que instaura uma dualidade interna ao sujeito.
Nesse tempo do estádio do espelho, ocorre o fenômeno do transitivismo imaginário. Este é um momento no processo de constituição subjetiva em que para a criança a sua ação e a ação do outro se equivalem. Como aponta Lacan, a criança diz "Francisco me bateu", quando na verdade foi ela quem bateu em Francisco. Bater e apanhar se confundem “num espelho instável entre a criança e o seu semelhante” (LACAN, 1953/54, 1986, p. 196)
Lacan (1955/56) discute que na psicose haveria uma degradação imaginária da alteridade. Desta forma, como efeito da forclusão do significante Nome do Pai, o sujeito ficaria preso a este fenômeno fundamental do transitivismo especular, sem a possibilidade de se diferenciar do outro e armar suas identificações simbólicas. O psicótico fica, portanto, atrelado ao enunciado: “o outro sou eu” e, encontrando, muitas vezes, no espelho um duplo, efeito da fragilidade desta distinção entre eu e não eu.
Vitta (s/d) discute que o sujeito psicótico, por conta de sua peculiar relação com a linguagem, encontra-se fora do discurso e, consequentemente, fora do laço social, resistindo ao grupo. Isso quer dizer que, devido a forclusão do Nome do Pai, ele não conta com uma identificação simbólica nem compartilha do conjunto significante que o permitiria fazer vínculo com os outros.
Nesse contexto, a autora discute que “A direção do tratamento em grupos de psicóticos passaria, então, pela produção de identificações imaginárias, pela produção de laços identificatórios comuns capazes de produzir uma nomeação ao sujeito e, por isso, uma certa inscrição na organização social que acontece à sua volta” (VITTA, s/d)
A identificação imaginária se mostra, portanto, como uma saída possível. Como discute Vitta (s/d), pensar o tratamento da psicose em grupo pela via da identificação imaginária, "é introduzir o psicótico na dimensão de uma identificação possível , possibilitando a invenção de um pequeno ponto de basta” e uma mediação possível entre o sujeito e o outro.
Nosso objetivo neste trabalho é, a partir de recortes clínicos do caso do jovem Rich, discutir: as marcas subjetivas do lugar de “diferente” que ele ocupava na escola regular, onde não era possível armar laços identificatórios; e o processo identificação que ele vive no encontro com uma jovem do GIP que ele reconhece como seu semelhante. Deste modo, o percurso de Rich no GIP, nos permitirá refletir sobre a identificação em um caso de psicose e os efeitos disso na possibilidade desse sujeito se nomear e fazer laço com o outro.

3. Metodologia
O GIP (Grupo de Invenção e Pesquisa) é um dispositivo de tratamento grupal que acontece duas vezes por semana, com encontros de 2 horas e meia, desde 2013. A partir dos registros dos atendimentos, isolamos recortes clínicos de quatro diferentes tempos do tratamento de um dos jovens participantes do GIP.
Partindo desses recortes clínicos e apoiados no referencial teórico da psicanálise lacaniana, faremos uma discussão teórica sobre o processo de identificação possível no tratamento grupal da psicose.

4. Discussão
Nesses cinco anos de trabalho, acompanhamos o processo de identificação de Rich com Ilsa e os efeitos disso para esse rapaz. Dividimos esse processo em quatro tempos que apresentaremos a seguir.


1º tempo - Dando bronca e Aprontando
Ilsa é uma garota de 21 anos que se apresenta no encontro com o outro pelo excesso. De forma repetitiva, ela pergunta, ri, é cheia de vontades e de demandas. Este excesso muita vezes a leva a uma intensa desorganização, que ora vem marcada pelo riso, ora pelo choro. Rich é um garoto de 17 anos que, escapa do outro, se esquiva do contato, se mostra refratário às aproximações dos membros da equipe e tem grande dificuldade de dizer o que quer. Entendemos que ambos estão numa posição psicótica, mas têm modos muito diferentes de se apresentar e de se defender do Outro. Enquanto Ilsa, tem uma posição psíquica mais próxima da esquizofrênica, Rich apresenta um modo, muitas vezes, autístico, de se defesa.
Nos encontros do GIP, Ilsa repetidamente tentava ligar para sua avó. Dizíamos que ela não podia usar aquele telefone. Rich começa, então, a nos imitar. Em geral nossa bronca terminava e ele seguia repetindo as nossas falas. “Ilsa, não pode pegar o telefone!”.
Quando Ilsa se desorganizava, Rich novamente se colava a nossa fala e em tom de braveza dizia: “Se acalma, Ilsa! Para de repetir”.
Um dia, Rich traz um livro que escreveu na escola. Neste livro ele conta das broncas que levava e se nomeia como esse que estava sempre aprontando. Aprontando er inclusive o nome do livro. Aos poucos, Rich vai se apresentando na sua versão “aprontando” no GIP.
Dar bronca e aprontar, isto é, levar broncas, parecem duas faces da mesma moeda. Rich se identifica com esse que dá bronca em Ilsa ao mesmo tempo em que também leva broncas como ela. No GIP, ele começa, por exemplo, a tomar café ou refrigerante sem parar e comer manteiga pura. Enquanto faz isso, seu olhar procura os profissionais como quem busca uma reprovação, uma bronca.
Lacan (1955/56) discute que na psicose haveria uma degradação imaginária da alteridade e nessa dinâmica estabelecida por Rich fica evidenciado como ele está preso no fenômeno fundamental do transitivismo especular. Olhar para Ilsa é como se olhar no espelho. O que está em jogo nessa cena é ser eu e o outro ao mesmo tempo. Ao dar bronca, ele é também aquele que apronta.
Considerando a fragilidade das identificações simbólicas na psicose, podemos entender que uma primeira identificação entre Rich e Ilsa se arma pela via do transitivismo e que, ainda que fora do tempo cronológico esperado, isso pode por ter efeitos no processo de constituição subjetiva de Rich?

2º tempo – “Me convida”
Rich escapa, escorrega, foge do outro. Mas diante das propostas de Ilsa como: “Vamos ao supermercado?”, “Quero ir na praça” ele diz: “Eu quero!” ou “Me convida!”.
O fato de Ilsa não demandar nada de Rich, nem fazer questão de sua companhia, possibilitou a ele se interessar por ela. Rich não conseguia sugerir nenhum passeio, não conseguia demandar nada e parecia muito invadido por qualquer mínima convocação do outro, mas a partir do que Ilsa propõe, ele pode ir junto, pode pedir para ser convidado e, na sequência, pode começar a propor os passeios que ela lhe ensinou a gostar. Rich se espelha em Ilsa e toma emprestado algo dela, armando para si novas possibilidades no encontro com o outro e na exploração do mundo.
Vitta (s/d) discute que pensar o tratamento da psicose em grupo "é introduzir o psicótico na dimensão de uma identificação possível”. Parece-nos que o que está em jogo nesse momento para Rich é uma identificação imaginária com Ilsa, isto é, uma identificação que se dá pela via da imitação do outro semelhante. Se Ilsa pode ir na praça, pode querer ir na praça, ele também pode.
Na adolescência não é raro que a imitação se apresente como uma importante estratégia no processo de construção de uma identidade e de separação das figuras parentais. Rich vive no encontro com Ilsa essa possibilidade de imitar e, a partir disso, descobrir possibilidades de circulação no mundo que até então não considerava para si.

3º tempo – "Nós somos iguais"
Depois de um tempo de trabalho, Rich começa a rir. Sem motivo aparente, Rich dá risadas, um riso alto, espalhafatoso e, de repente, pára. Não nos parecia um riso que indicava uma desorganização psíquica e nos perguntávamos, então, se o que estava em jogo era mais uma imitação. Rich estaria imitando Ilsa e o seu modo de se desorganizar?
Perguntávamos “Do que você está rindo?” Ele não respondia. Ilsa, normalmente nada dizia sobre o riso de Rich, mas certo dia pergunta: “Por que o Rich tá assim?” Rich diz: “Eu fico rindo que nem um doido... Eu imito a Ilsa... Você às vezes ri que nem doida, Ilsa. Que nem eu... Eu sou igual a Ilsa e a Ilsa é igual a mim... Você é igual a mim e eu sou igual a você”.
Aquilo que ele reconhece em si mesmo de parecido com ela - a loucura - Rich atua. A partir do espelhamento e da imitação, ele pode se dizer – “É um riso de doido... De maluco”.
Depois de um tempo perguntamos: “Maluco que faz o quê?”, Rich responde “É um maluco que faz palhaçada… Palhaçadas para divertir”. Rich nesse momento produz uma nomeação original a partir de um significante próprio.
Sabemos que o significante Nome do Pai oferece ao neurótico uma identificação simbólica garantida. Na falta disso, o psicótico precisaria acender a outra identificação. Esse caminho que vamos vendo Rich trilhar a partir do encontro com Ilsa, aponta para a construção dessa identificação possível na psicose?


4° Tempo - “O que adolescentes e jovens fazem?”
Nesses cinco anos de trabalho, fica claro um deslocamento na posição de Rich. De um garoto que precisava constantemente se proteger e fugir do Outro, no encontro com um outro semelhante e menos ameaçador, novas possibilidades surgem. Vem sendo possível para Rich hoje querer, demandar algo do outro.
Para além disso, nesse tempo, Rich se desloca do lugar de “quem apronta”, isto é, de uma nomeação marcada pela sua impossibilidade de atender as exigências da escola regular onde estudou, para o lugar do “doido” que, como Ilsa, faz “esquisitices.
No contexto escolar, enquanto caso de inclusão, Rich era o diferente, o estranho, aquele que “apronta”. Ali, Rich não encontrava pares, não era possível se espelhar ou se identificar com ninguém. Seu lugar e sua identidade estavam marcadas pelo lugar do diferente. Inserido no GIP, espaço onde as “esquisitices” e particularidades de cada um pode aparecer, Rich encontra em Ilsa um semelhante.
A partir dessa possibilidade de se ver como igual a Ilsa, que Rich pôde se perguntar sobre o que alguém da idade deles, ainda que “doido”, pode fazer no mundo. “Ilsa anda sozinha de metrô, fica sozinha em casa”. Na sequência uma nova pergunta e uma pesquisa se inaugura: “O que adolescentes e jovens fazem?”.
Deste modo, acompanhamos Rich aos poucos podendo escolher novos outros significantes para se nomear, para além do “aprontando”. Hoje Rich diz: “Eu sou doido, maluco, palhaço. Eu sou adolescente”. E, a partir dessas afirmações e de suas novas perguntas suas possibilidades no laço social vão se ampliando.


Referências Bibliográficas
LACAN, J. (1949) O estádio do espelho como formador da função do eu. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p.96-103.
LACAN, J. (1953-54/1986) O Seminário livro 1. Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed..
LACAN, J. (1955-1956/1988) O Seminário livro 3. As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed..
VITTA, A. R. O Grupo e a Psicose: Articulações Sobre a Direção do Tratamento, s/d. Disponível em: . Acesso em: 25-07-2017.
Título: Desescolarização: resistência ou desistência?
Autor: Janaina Klinko
E-mail: janaina.klinko@gmail.com
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Vivemos tempos em que a ética utilitarista se tornou dominante nas atividades humanas, revelando sujeitos essencialmente preocupados em suprir necessidades individuais por meio de satisfações imediatas. Entendemos que o campo da educação também sofre consequências deste modo de vida, por exemplo, criando propostas pedagógicas a partir de demandas particulares. Neste contexto, pretendemos investigar o atual resgate da chamada desescolarização, termo inicialmente discutido por Ivan Illich na década de 1970, e que vem sendo utilizado para caracterizar o movimento de pais que preferem afastar os seus filhos da educação formal. Nos questionamos se as propostas de desescolarização configuram de fato uma alternativa ou se estariam também a serviço da lógica de mercado presente em nossa sociedade.
Palavras-chave: escola; desescolarização; sociedade de consumidores; sentido público da educação.

RESUMO EXPANDIDO

Em “A Condição Humana” (2016) Hannah Arendt caracteriza e diferencia as esferas pública e privada na ordenação da pólis grega. Recorremos a sua análise por compreender que o estudo do período é fundamental para a reflexão sobre os processos históricos que se deram posteriormente. Na distinção proposta pela autora, a esfera privada é descrita como aquela que concerne à manutenção da vida. Este aspecto da existência estaria sustentado pelo trabalho, ou seja, pelas atividades vinculadas às necessidades individuais e à sobrevivência da espécie. Neste sentido, o produto do trabalho carregaria algo de efêmero, pois estaria fadado ao consumo no próprio movimento do ciclo vital.
A esfera pública, por sua vez, diz respeito ao mundo comum criado e mantido pelos homens. Vai além do caráter da coletividade, pois considera também um universo material e simbólico compartilhado. Essa realidade compartilhada constitui o espaço público, e é formada a partir dos homens, suas obras e suas ações. Entendemos como obra o resultado da atividade da fabricação. Aqui, o termo fabricação marca uma diferença com o trabalho pois, enquanto o trabalho tem como produto algo para consumo imediato na manutenção da vida, a fabricação terá como característica a durabilidade. Tal destino de permanência depende não só da criação, mas também do reconhecimento de que este objeto agora faz parte do mundo. Além da atividade humana da fabricação, na esfera pública os homens podem exercer a dimensão política de sua existência, e isso se dá através da ação. “Trata-se de uma terceira dimensão da existência humana, voltada não para a manutenção da vida ou para a produção de objetos, mas para constituição de uma teia de relações humanas. (...) O fruto da ação é a história humana” (CARVALHO, 2013, p.79).
Neste sentido, é a partir da ação - dos atos e das palavras - que os homens podem preservar um legado histórico-cultural a ser compartilhado através do tempo. Sobre esse legado compartilhado e sua característica de transcendência temporal, Arendt afirma que:

o mundo comum é aquilo que adentramos ao nascer e que deixamos para trás quando morremos. Transcende a duração de nossa vida tanto no passado quanto no futuro, preexistia à nossa chegada e sobreviverá à nossa breve permanência nele. É isso o que temos em comum não só com aqueles que vivem conosco, mas também com aqueles que aqui estiveram antes e com aqueles que virão depois de nós. Mas esse mundo comum só pode sobreviver ao vir e ir das gerações na medida em que aparece em público. É a publicidade do domínio público que pode absorver e fazer brilhar por séculos tudo o que os homens venham a querer preservar da ruína natural do tempo. (ARENDT, 2016, p.68)

É de acordo com a noção da transmissão intergeracional que Arendt definirá a educação. Em seu texto “A crise na educação”, a autora diz que “a essência da educação é a natalidade, o fato de que seres nascem para o mundo" (2007, p. 223). Com essa afirmação, Arendt destaca um segundo aspecto do nascimento humano: não apenas do nascimento para a vida biológica, mas também da chegada de um novo ser no mundo - a natalidade. A educação é entendida, portanto, como o ato de transmitir as tradições que constituem esse mundo compartilhado. O patrimônio material e simbólico é apresentado aos recém-chegados por aqueles que já fazem parte do mundo há mais tempo. Os recém-chegados podem então se apropriar deste legado, reconhecê-lo como seu e também transformá-lo.
Sendo assim, consideramos aqui a educação como um compromisso público, uma vez que seu propósito consiste em receber os novos e fazer com que eles adentrem no mundo dos adultos, e que possam vir a exercer as atividades da fabricação e da ação, intervindo diretamente sobre essa realidade compartilhada - atividades humanas que, como vimos anteriormente, estão ligadas a definição de esfera pública. Este compromisso público pode encontrar lugar em espaços formais ou não-formais, uma vez que se trata de um fenômeno entre gerações. No entanto, a escola é a instituição que historicamente construímos e elegemos para formalizar essa transmissão.
Segundo Masschelein e Simons (2014b, p.26) “A escola é uma invenção (política) específica da polis grega (...) e surgiu como uma usurpação do privilégio das elites aristocráticas e militares na Grécia antiga. Na escola grega, não mais era a origem de alguém, sua raça, ou “natureza” que justificava seu pertencimento à classe do bom e do sábio.” Ou seja, se antes a transmissão do conhecimento era privilégio de poucos, a idealização da escola passa a garantir o “tempo livre” - um tempo espaço de não-produção -, em que este conhecimento é disponibilizado como “bem comum” inclusive para aqueles que antes não tinham acesso a ele por conta de sua origem ou papel social. Entendemos portanto, a escola como sendo “constituída para todos e cada um (independentemente do contexto social, linhagem e talento) como um tempo espaço para estudo e exercício” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014a, p.109).
Deste modo, a instauração de um espaço escolar só é possível a partir de uma ruptura, pois garante um lugar desconectado do universo da sociedade e também do universo da família. O que diz respeito ao interesses particulares - relacionados à esfera privada - é esquecido ou sai de foco durante um intervalo de tempo, para que assim a transmissão do comum e compartilhado aconteça. Concluímos então que, segundo Masschelein e Simons, não só a educação constitui um compromisso público, como também a escola é por definição um espaço de vocação pública, propondo o acesso ao conhecimento e a transmissão a partir da suspensão dos assuntos particulares, contexto socioeconômico ou origem daqueles que nela adentram.
Porém, como já mencionamos, a busca pelo caráter público da educação e a origem da escola na polis grega tem como objetivo nos ajudar a pensar a escola de hoje, tendo em vista as mudanças contextuais que aconteceram desde então. Além de diferenciar as esferas pública e privada em “A Condição Humana” (2016), Arendt afirma também que com o surgimento da era moderna ocorre uma diluição de fronteiras entre tais esferas. Assuntos pertinentes à esfera pública perdem espaço no exercício da política, e assuntos anteriormente considerados do âmbito da necessidade ganham visibilidade pública. Essa divisão torna-se difusa e coincide com a ascensão e crescente expansão de uma terceira esfera: a social.
Nas palavras de Arendt, “vemos [na sociedade] o corpo de povos e comunidades políticas como uma família cujos assuntos diários devem ser zelados por uma gigantesca administração doméstica de âmbito nacional” (2016, p.34-35), assim, a esfera social se constitui de modo aparentemente híbrido, como uma espécie de gestão pública dos assuntos próprios ao ciclo da vida. Nesta lógica, a política passa a estar subordinada à economia, ciência que se torna central na organização humana. Assim, o trabalho deixa de ser a produção de algo para integrar o mundo, e passa a ser sinônimo de “ganhar a vida”. Sua característica principal é a produção e acúmulo de coisas que têm como destino serem consumidas no ciclo vital, em função da garantia da própria vida e do bem estar individual.
Sendo este o funcionamento que rege a sociedade de consumidores, nos perguntamos qual seu impacto no campo da educação. Mais precisamente, quais efeitos a escolarização sofre ao estar submetida a esta lógica econômico-utilitarista?
Carvalho (2013, p.75), em seu texto “O declínio do sentido público da educação” afirma que:
À medida em que se concebem o valor e a qualidade da educação com base em seu alegado impacto econômico na vida privada do indivíduo, perde-se seu significado ético-político, ou seja, seu sentido público. Assim, objetivos educacionais identificados com a difusão e o cultivo de virtudes públicas - como a solidariedade, a igualdade, a tolerância - passam a ocupar um lugar secundário em relação ao desenvolvimento de competências e capacidades individuais, ou àquilo que, com precisão, se convencionou chamar de capital humano.

A transmissão de um mundo comum e público deixa de ser o foco principal da educação, que passa a ter como norte o desenvolvimento de habilidades e competências úteis, ou que correspondam às necessidades de cada um (ou de um determinado grupo). Temos assim a criação de um uma nova categoria de produtos a serem consumidos, e sua aquisição influencia diretamente no papel social daquele que consome, envolvendo valorações como status, sucesso, êxito econômico, qualificação e reconhecimento profissional, etc.
Entendemos como possível consequência disso a grande diversidade de discursos contemporâneos que defendem ideais educativos, criam metodologias e prometem resultados aos pais que, por sua vez, estão preocupados em garantir “o melhor” para seus filhos. Entretanto, nos questionamos se a busca por estas escolas com ideais e práticas educativas que estejam de acordo com as próprias convicções, não estaria a serviço de amenizar a ruptura que a escola pode operar em relação ao universo familiar, criando o risco de se tornar apenas uma extensão da própria casa.
Além da múltipla e diversificada oferta de propostas educativas difundidas atualmente, também notamos um crescente movimento em defesa da desescolarização , termo cunhado por Ivan Illich em meados da década de 1970. Em seu texto “Sociedade sem escolas” (1985) o autor afirma que a educação institucionalizada é ineficaz e estaria a serviço da manutenção de uma sociedade alienada e sem possibilidade de transformação. Como consequência deste pressuposto, Illich defende que “a atual procura de novas saídas educacionais deve virar procura de seu inverso institucional: a teia educacional que aumenta a oportunidade de cada um de transformar todo instante de sua vida num instante de aprendizado, de participação, de cuidado” (1985, p.18).
A busca pela educação livre e desinstitucionalizada inspirada nas ideias de Illich tem ganhado espaço nas redes sociais através de publicações em plataformas digitais como blogs e sites, além da produção de vídeos e obras cinematográficas . Estas produções criticam de forma contundente a escolarização, deixando transparecer uma insatisfação recorrente e generalizada.
No entanto, a partir da discussão apontada anteriormente, nos questionamos se o movimento de desescolarização seria apenas uma forma de romper com a lógica inerente a sociedade de consumidores, visando libertar os alunos de uma formação “capitalista”, fundamentada apenas na preparação dos alunos para o mercado de trabalho a partir da aquisição de habilidades e competências. Ou então, se estaria corroborando com o afastamento da educação dos assuntos públicos, ao se tornar também uma extensão da vida familiar ou de agrupamentos entre semelhantes. Neste sentido, seria a desescolarização mais um slogan pedagógico entre tantos outros, respondendo a uma necessidade individual ou interesse privado de consumo de um modo específico de educar?
Título: A presença do sujeito nos processos de construção do conhecimento
Autor: Julia Maria Borges Anacleto
E-mail: julia.anacleto80@gmail.com
Instituição: Faculdade de Educação - USP
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A inserção da escola no discurso do capitalista implica o questionamento da concepção de conhecimento e, portanto, também do modo de sua produção e circulação. Pretende-se abordar a oposição entre o termo desenvolvimento e o termo construção quando se trata dos processos de conhecimento, como parte dos resultados da pesquisa teórica que vimos desenvolvendo em torno das possibilidades de estabelecimento de nexos em torno da noção de construção entre as formulações piagetianas e aquilo que Freud formula acerca do impulso a conhecer, amparados pela releitura estruturalista da teoria freudiana por Lacan. O caminho teórico percorrido toca propriamente na disputa em torno da concepção de ciência e conhecimento. Palavras-chave: fundamentos da educação; conhecimento; sujeito do inconsciente; Piaget. Introdução O desafio a que o Colóquio nos chama nessa ocasião é o de trazer nossos objetos de pesquisa para serem compartilhados tendo como pano de fundo a inserção da escola no discurso do capitalista. Este, conforme teorizado por Lacan, teria a peculiaridade de realizar-se numa circularidade tal que tenderia a seu próprio esgotamento. Sem desconsiderar a discussão sobre os rumos da instituição escolar, o foco dessa comunicação toma como questão a proposição sobre uma tendência ao declínio do sentido do conhecimento e a ascensão de um discurso hegemônico na conformação do laço social que Lacan ordena como discurso do capitalista (Voltolini, 2012). Isso teria a ver com o modo próprio com que a ciência serve como instrumento de consolidação desse discurso, no qual a lógica do desejo se subjuga à lógica do objeto (Voltolini, 2007). A ciência se conformaria, nesse contexto, como responsável por endossar a validade da complementaridade na relação sujeito-objeto que o consumo seria capaz de realizar, afastando-se da ideia de um saber emancipatório e passando a ser valorizada como meio de concretização de objetos para o consumo. Nesse caminho, o que se perderia, enfim, seria a relação do conhecer com os entraves do processo pulsional, conforme a concepção freudiana do engendramento do impulso a conhecer. A presente comunicação busca responder ao desafio de fazer trabalhar minhas indagações de pesquisa sob o pano de fundo da questão acerca da relação de oposição entre a verdade da experiência da transmissão de conhecimento e aquilo que se apresenta à escola na forma do discurso do capitalista. A pesquisa que ora venho desenvolvendo no doutorado tem como objeto a noção de construção do conhecimento, tomada em sua formulação original no âmbito da teoria piagetiana e retomada de modo a poder extrair daí novas configurações no que diz respeito à compreensão da experiência de conhecer. Para abordar aquilo que nos parece estar em disputa quando se trata do sentido dos processos de conhecimento, propomos refletir sobre a oposição entre o termo desenvolvimento e o termo construção quando se trata dos processos de conhecimento. Isso porque o debate em torno dos determinantes do conhecimento toma a noção piagetiana de construção do conhecimento a partir do paradigma da psicologia do desenvolvimento, no entanto é possível contrapor essa leitura pela retomada do uso que Piaget faz da noção de construção, possibilitando afastá-lo do paradigma desenvolvimentista ao passo que o afirma como calcado no campo do estruturalismo. O sentido dessa retomada é o de identificar uma brecha na ideia de construção para se pensar, a partir do referencial da psicanálise, o conhecimento como efeito significante da circulação do desejo.  Metodologia  A pesquisa que embasa a discussão dos resultados apresentados se configura pela análise teórica de noções que se relacionam aos processos cognitivos a partir de revisão bibliográfica, buscando estabelecer nexos teóricos entre as formulações piagetianas e aquilo que Freud formula acerca do impulso a conhecer, amparados pela releitura estruturalista da teoria freudiana por Lacan. Tal percurso investigativo visa apontar caminhos para a consideração do processo de construção do conhecimento que não anulem a presença do sujeito do desejo. Consideramos, ainda, encontrar, na análise dessas construções teóricas, o próprio cerne do debate em torno de uma concepção de ciência e de conhecimento que faça frente à tentativa de subjugar os processos educativos também à lógica do discurso capitalista.  Resultados e discussão  Voltolini (2007) identifica o discurso pedagógico animado por certa interpretação da teoria piagetiana com as coordenadas próprias do discurso ou laço social hegemônico. Para ele, a ideia de que o conhecimento se desenvolva no indivíduo como resultado da ação do sujeito sobre o objeto, onde o outro teria o papel apenas de estimulador ou incentivador, casa bem com o discurso do capitalista e seu impedimento do laço social em favor de um domínio do objeto sobre o sujeito. Seguindo ainda o mesmo autor (Voltolini, 2012), vemos que o que predomina no campo da psicologia, tomado pela unidade ideológica do individualismo, é o pensamento behaviorista, o que define um modo próprio de leitura da teoria piagetiana em conformidade com um processo de biologização do homem que tal pensamento empreende ao aderir ao ideal e aos métodos das ciências naturais no estudo do homem. O behaviorismo busca encontrar uma suposta “natureza humana” na aproximação entre o comportamento humano e o animal e chega, assim, a uma concepção do conhecimento utilitária e sem sentido relacional. As interpretações da teoria piagetiana animam uma disputa onde o que está em jogo é a mesma e velha polêmica entre inatismo e empirismo que o próprio Piaget toma como desafio superar através da noção de construção do conhecimento. Em ambos os lados da disputa predomina a substancialização da inteligência, variando apenas o foco na maturação ou na influência do meio (Lajonquière, 1997). Para impedir que sua elaboração do problema recaísse nas teses empiristas ou inatistas, Piaget (1970) propõe uma saída pela via do construtivismo, desenhando um modo próprio de se apropriar do nascente pensamento estruturalista no campo da psicologia. Para o autor, uma estrutura é uma totalidade formada por elementos subordinados às leis de sua composição. Não se trata de associações cumulativas, mas de um todo que corresponde a certas “propriedades de conjunto distintas daquelas que pertencem aos elementos” (Piaget, 1968, p. 10). No entanto, para ele, contrapor ao empirismo uma noção de determinação das partes pelo todo sem indagar por sua gênese implica o perigo de “reunir-se ao terreno transcendental das essências, das ideias platônicas ou das formas a priori” (Piaget, 1968, p. 12). Assim, o problema da gênese colocaria em causa a própria significação da noção de estrutura. Daí a necessidade de recorrer a “relações indissociáveis entre o estruturalismo e o construtivismo” (1968, p. 14). Piaget (1970) recusa o caminho do inatismo, sustentando que o resultado do processo construtivo não está predeterminado. As estruturas novas se constroem a partir dos limites das anteriores – dados pela inconsistência de suas respostas – levando ao aparecimento de novidades estruturais não contidas de antemão no conjunto dos possíveis. O aparecimento de novidades, contudo, não é aleatório, mas subordina-se ao princípio de equilibração. Quando fala em atividade do sujeito como instrumento de construtividade, trata-se de um sujeito epistemológico subordinado ao princípio de equilibração, fator de submissão tanto dos processos fisiológicos quanto dos processos psicológicos a um princípio vital de tendência ao equilíbrio (Piaget, 1968).  Desenha-se aí uma inflexão que é preciso reter, a fim de poder refletir acerca da presença de um modelo teórico da biologia na investigação sobre o comportamento humano. Essa reflexão é de suma importância, se levarmos em conta o alerta de que a tendência que predomina nas ciências do homem é o da importação de modelos cada vez mais biologizantes de explicação do comportamento humano. Voltolini (2012) fala mesmo em uma despsicologização do homem em favor de sua biologização, descrevendo um novo recrudescimento daquilo que Lajonquière (1999) localiza como a persistência da ideologia naturalista no campo da psicologia. Também Freud, assim como Piaget, esbarra, uma e outra vez, nos modelos importados da biologia. E é também pelo recurso ao estruturalismo que Lacan (1953) vai buscar retomar os princípios fundamentais da psicanálise, para além dos limites da linguagem freudiana. Assim, encontramos, na análise dessas construções teóricas, o próprio cerne do debate em torno de uma concepção de ciência e de conhecimento. Lacan (1953) afirma que as tentativas de fazer caber a psicanálise no campo científico pela adequação de seus princípios ao método experimental, como se esse fosse condição necessária a uma disciplina que se pretende científica, responde a uma noção degradada de ciência, fruto da “inversão positivista que, colocando as ciências do homem no coroamento do edifício das ciências experimentais, na verdade as subordinou a estas” (1953, p. 285). Em contraposição a isso, convoca a psicanálise a tomar parte no movimento de revisão dessa inversão pelo resgate de uma noção “verdadeira” de ciência, onde o papel de guia é dado à linguística estrutural. Essa permitiria centrar numa teoria geral do símbolo a nova classificação do campo científico na qual as ciências do homem ganhem efetivamente centralidade como “ciências da subjetividade”. Levando em conta essa disputa, a polêmica em torno da teoria piagetiana pode ser compreendida, enfim, como aquela entre uma leitura desenvolvimentista e que substancializa a inteligência e uma leitura construtiva, com potencial para pensar a inteligência como produção discursiva transubjetiva. Nessa leitura enfatiza-se a concepção piagetiana de que o objeto de conhecimento não é uma coisa, mas noções de pensamento, ou seja, um “objeto inteligente” (Lajonquiere, 1992), o que possibilita avançar na elaboração de uma noção de construção do conhecimento como efeito discursivo de movimentações subjetivas. Além disso, Piaget (1968) afirma que o motor do processo construtivo é dado pela inconsistência fundamental das estruturas cognitivas em dar conta de sua própria formalização. Essa relação entre processo construtivo e inconsistência das estruturas possibilita pensarmos a determinação subjetiva presente na construção do conhecimento, apontando para a impossibilidade de se dissociar o conhecimento de sua causa desejante.  Para operar essa inflexão da concepção de construção de conhecimento é importante recorrer ao modo como Freud desenvolve suas indagações sobre o impulso pelo conhecimento, relacionando-o à sexualidade. Ao afastar radicalmente o comportamento humano do comportamento animal, o fazer-se humano se apresenta, no pensamento freudiano, como efeito da captura por uma experiência fundamental que implica a relação com o outro e, por trás desse outro, com uma cadeia de determinações inconscientes que o ultrapassa (Freud, 1895; 1905; 1914). Enredada nesse processo, a criança se depara com a questão da distância essencial que separa a busca pelo prazer e a possibilidade de alcançá-lo, indagando fundamentalmente o desejo. Atingida em sua dimensão egoica, a criança se lança a investigar, rechaçando as respostas dos adultos como insatisfatórias e experimentando uma autonomia teórica, visando agarrar a verdade sobre o desejo, no que Freud localiza a conformação de uma pulsão investigativa (Freud, 1905; 1908). No entanto, será justamente a partir do abandono dessas teorias sexuais, efeito do recalque, que a criança poderá se lançar propriamente à construção do conhecimento, enquanto busca incessante de respostas movida pela impossibilidade própria ao que é da ordem desejante.  O qualificativo infantil dado a essas teorias marca o fato de que o que aí se apresenta é da ordem do inconsciente. O conhecimento passa a carregar as marcas dessa divisão, visando de um lado a anulação do desejo, pela tentativa de alcançar uma potência que o faça sem restos, porém encontrando sempre, por outro lado, a presença de um sujeito apontando para o furo que o constitui numa estrutura cujo núcleo é necessariamente marcado por um vazio. É, portanto, na retomada de uma forma de conceber o conhecimento como efeito significante de um processo construtivo onde as novidades epistêmicas se conformam na linha de tensão das movimentações subjetivas no campo do Outro que encontramos o fio da meada que o discurso do capitalista e sua cara-metade, a tecno-ciência, têm buscado sepultar. Referências bibliográficas FREUD, S. (1895). Projeto de uma psicologia. Rio de Janeiro: Imago, 1995. FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: ______. Obras psicológicas completas: edição standard brasileira. Volume VII, pp. 119-234. Trad. de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. FREUD, S. (1908). Sobre as teorias sexuais das crianças. In: ______. Obras psicológicas completas: edição standard brasileira. Volume IX, pp. 211-228. Trad. de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. FREUD, S. (1914). Introdução ao narcisismo. In: ______. Obras completas. Volume 12, pp. 13-50. Tradução: Paulo César de Souza. 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Título: O período de adaptação na educação infantil: um dispositivo da práxis escolar?
Autor: Karina de Queiroz Bueno
E-mail: karinaqueirozbueno@gmail.com
Instituição: FE-USP
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A presente pesquisa em andamento explora os tensionamentos presentes no conceito de adaptação, especificamente no que tange à educação infantil (zero a três anos). Quais teorias e fundamentos epistemológicos sustentam a noção de “período de adaptação”, como um dispositivo da práxis em educação infantil? Com a premissa da teoria foucaultiana sobre o dispositivo, reunindo saberes em torno da pedagogia, encontramos vinda da biologia, noção de adaptação enquanto ideia de “indivíduo adaptado”, para aqueles que se encontram favorecidos pelo meio em que habitam. A psicologia piagetiana apresenta a adaptação enquanto um processo orgânico do indivíduo para sanar suas necessidades e como um processo construtor das estruturas psíquicas. A análise do comportamento (behaviorismo radical) compreende a noção de adaptação através da ideia de modelação de comportamentos, de acordo uma perspectiva darwinista de seleção e variação. A psicanálise, especificamente a psicologia do ego muito contribuiu para a formalização do conceito de adaptação presente nas práticas educativas com a ideia de que um ego forte corresponde a um sujeito adaptado a realidade externa. Tento em vista a complexidade da trama de conceitos e teorias em torno da noção de adaptação, voltamos a premissa básica para levantarmos o questionamento sobre o que podemos esperar ou exigir de uma criança de zero a três anos, recém inserida em um ambiente institucional escolar partindo de um referencial teórico psicanalítico de Freud e Lacan.

Palavras-chave: Dispositivo - Adaptação - Educação infantil - Psicanálise.
Título: Marcas do Infantil na Constituição da Subjetividade: um memorial em escrita e ação
Autor: Katilen Machado Vicente Squarisi
Coautor(es): Inês Maria Marques Zanforlin Pires de Almeida
E-mail: katilensquarisi@gmail.com
Instituição: Universidade de Brasília- UnB
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A constituição do saber perpassa pela subjetividade, assim, a práxis educativa com o processo pedagógico tem possibilidade de se concretizar nas relações cotidianas de ensino e aprendizagem. Essas relações e a realidade psíquica decorrem da hipótese freudiana da existência de um inconsciente que divide o sujeito, permeada pela afetividade constitutiva desde a infância. Transformar a relação com o infantil não significa sua eliminação, mas permitir reorganização de forças para que o novo possa advir. Este trabalho fundamenta-se em identificar possíveis implicações da atuação do professor de educação das séries iniciais do ensino fundamental na constituição da subjetividade infantil com inegáveis repercussões no ofício docente. Para tanto, buscamos compreender certas questões clareadas pelos saberes da Psicanálise, no movimento em busca de uma nova perspectiva que ainda preserve de modo indissociável a importância da vida infantil e da educação sobre o devir das crianças que estão sob a responsabilidade de adultos. A pesquisa pautada pela perspectiva metodológica qualitativa utilizou a memória educativa, observações, entrevistas semiestruturadas e oficinas de sociopsicodrama. A escrita da memória como dispositivo inscreve a trajetória das vivências escolares desde a Educação Infantil até se tornar educador. Percebemos efeitos dessa caminhada na constituição de sua subjetividade e quanto é importante o educador se reconhecer nesse processo, vislumbrando o infantil que o constitui, refletindo sobre sua prática pedagógica podendo assim, quando atravessado pela experiência freudiana, se implicar na interface com a educação, acolher o sujeito que advém mesmo que à priori não tenha garantias e resgatando sua capacidade de “criar”  libertando-se dos modismos metodológicos. Pensamos que as vivências e discussões instigadas pelo curso de extensão: O lugar do infantil na memória educativa: implicação e reflexão em escrita e ação, clarearam as práticas formativas no espaço escolar assim como permitiram a emergência de subsídios reflexivos, pela via transferencial, regadas de marcas subjetivas, presentificando o infantil no processo educativo.
Título: O professor inclusivo na era da especialização
Autor: Kelly Cristina Brandão da Silva
E-mail: ksilva@fcm.unicamp.br
Instituição: Universidade Estadual de Campinas
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O privilégio contemporâneo concedido ao saber dito especializado, oriundo de um discurso tecnocientífico, aparece de forma contundente no cotidiano do professor da era da inclusão. A partir da análise de matérias e reportagens da revista Nova Escola (Editora Abril), esse trabalho tem por objetivo discutir a supremacia do saber especializado nos ideais em circulação acerca do chamado professor inclusivo. Discute-se que a formação docente tem sido alicerçada cada vez mais a partir do arsenal técnico dos campos da Medicina e da Psicologia. Como consequência, o trabalho docente em sala de aula parece não poder mais prescindir da supervisão sistemática e clínica dos especialistas. De forma gradual e sistemática a autoridade do professor vai sendo subtraída.
Título: SEM TEMER O ESTRANHO: FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CONTEXTO DA INCLUSÃO ESCOLAR *
Autor: Larissa Costa Beber Scherer
E-mail: larissascherer70@gmail.com
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Resumo
Este estudo tematiza a formação continuada de professores no contexto da inclusão escolar. Diante de alunos que desestabilizam a ação docente, focam-se os efeitos produzidos no professor na construção do trabalho escolar. Como campo, aborda uma experiência com um grupo de professores em uma instituição de educação básica. São considerados os enunciados de um professor em relação ao referidos aluno. O argumento, tecido sob forma de ensaio, contempla o diálogo entre a Educação Especial e a Psicanálise. Frente aos (des)encontros entre o professor e os referidos alunos, apostamos em um caminho em que o fazer docente decanta do enfrentamento do estranho, permitindo a constituição de práticas pedagógicas.
Palavras-chave: Educação Especial; Psicanálise; Estranho; Formação de Professores.

Sobre o (des)encontro
"Não entendo o que ele fala; quando converso com ele, dificilmente responde, não tenho conseguido me aproximar ... Estou preocupada por que ele acaba apenas estando de corpo presente nas minhas aulas. Não consigo perceber um trabalho com casos como este nas aulas de língua inglesa! Ainda nem descobri o que ele sabe! Nas minhas aulas ele, fica falando alto, gritando. Peço para ele parar e não adianta" (Prof. L., 2 de abr. de 2010).
A chegada de um "aluno da inclusão"** no contexto do ensino regular quebra a sensação de compartilhamento por ser este sujeito muito distinto do habitual, interrogando o laço social. Daí emergem sensações e respostas que revelam a recusa, o mal-estar e o rechaço ao outro. Estas reações de certa forma atualizam a presença do inominável na experiência humana. Tais alunos, em um momento inicial, parecem não encontrar inscrição no discurso dos professores – ocupando lugar de alteridade absoluta.
As políticas de Educação Especial e os processos de implementação das diretrizes inclusivas abordam, de certa forma, uma visão macro do laço social, ao focarem o direito à educação, à igualdade e à diferença. Tal discurso alcança amplitude cada vez maior. Isso não significa que tenhamos alterado nossa forma de experimentar o encontro com a estranheza posta em cena pelos alunos da inclusão.
A presença de impasses e descompassos na convivência entre os homens e os sofrimentos decorrentes do encontro com a alteridade são temas que atravessam a Psicanálise. Em Psicologia das massas e a análise do eu (FREUD,[1921]2013b) e O mal-estar na cultura (FREUD,[1930]2013a), Freud aponta o mecanismo da formação dos grupos, o amor e o ciúme, a intolerância ao diferente; o oculto por trás da cultura e da humanidade, a tendência à agressão e à destruição.
O (des)encontro com o aluno da inclusão pode produzir o estranhamento e a intolerância, implicando em certo mal-estar a sua presença na escola e na sala de aula. A angústia, nestes casos, toma conta da cena escolar. A limitação apresentada por este aluno frequentemente provoca incerteza, dificultando o trabalho docente. O educador não se considera capaz de realizar seu trabalho. O estranhamento produzido costuma paralisar o educador, provocando afastamento e impotência em um primeiro momento. Para o professor poder dar continuidade ao trabalho, um segundo tempo implica o enfrentamento, o não recuar diante da desarmonia, do encontro desencontrado.
A análise dos efeitos da chegada desses alunos na sala de aula conduziu ao texto de Freud, O estranho: “Dois conjuntos de ideias que, sem serem contraditórios, ainda são muito diferentes: por um lado, significa o que é familiar e agradável; e, por outro, o que está oculto e se mantém fora da visão” (([1919]1987)p. 282). De tão familiar, esse algo precisaria ser esquecido, recalcado; porém, acaba por retornar de forma assustadora, causando medo, horror e mal-estar. Retomando a ideia de que os afetos reprimidos são transformados em angústia, entre as coisas assustadoras estão elementos afastados retornando à mente. “[...] esse estranho não é nada novo ou alheio, porém algo que é familiar e há muito estabelecido na mente, e que somente se alienou desta através do processo da repressão”(p. 301).
O encontro com o aluno estranho-familiar revela ao professor a presentificação de algo que deveria permanecer esquecido, afastado da mente, mas que ainda assim retorna. Tal afastamento fica ameaçado com a presença desse aluno, lembrando daquilo que se quer anular: a falta, a incompletude. Produz a queda do sujeito de seu lugar de certeza, de domínio de saber.
A desarmonia representada pelo referido aluno aponta para o Real, resto não simbolizado, o não representável. Esse conceito proposto por Lacan, juntamente com o Imaginário e o Simbólico, compõe a estrutura psíquica do sujeito: “[...] revelação do real naquilo que tem de menos impenetrável, do real sem nenhuma mediação possível, do real derradeiro, do objeto essencial que não é mais um objeto, porém este algo diante do que todas as palavras estacam e todas as categorias fracassam, o objeto da angústia por excelência” (LACAN, [1954-55]1985, p.224).
Nessa perspectiva, interroga-se sobre os efeitos na posição do professor diante do aluno da inclusão e as possibilidades de construção de um trabalho pedagógico. Da posição de estranhamento à invenção de práticas, quais os caminhos possíveis? Quais os deslocamentos capazes de impulsionar a constituição do trabalho docente?

Notas de um percurso
Considerou-se um trabalho em grupo realizado com os professores na escola como campo de pesquisa. Participaram desses encontros os professores que atuavam com alunos da inclusão. Antes dos encontros, eram sugeridas leituras prévias de textos que abordavam o tema da inclusão. Em um primeiro momento, uma breve dinâmica dava início aos diálogos: a narrativa de alguma cena da sala de aula; escrita de palavras que lembrassem o momento atual do aluno ou o trabalho dos professores; leitura e debate sobre crônicas e poesias; breves vídeos sobre o tema; histórias e relatos baseados em fatos reais envolvendo pessoas com deficiências. Após, conversava-se sobre as narrativas produzidas. Na sequência, os professores traziam questões sobre o que o material/texto suscitava em relação ao trabalho com seus alunos: dúvidas, situações lembradas, ideias. Na escolha dos textos trabalhados, eram considerados, sobretudo, os relatos de casos em situação de inclusão e seus desdobramentos, desde o olhar da escola, da família e do professor. A intenção não era aprofundar teoricamente os conceitos num formato de aula, e sim oferecer espaço para o professor trazer questões e compartilhar o dia a dia de trabalho com seus alunos, ressignificando-os: uma aposta no protagonismo do professor. As memórias, cenas e narrativas decorrentes desse trabalho foram resgatadas, organizadas e transformadas em texto.
Analisa-se nesse estudo especialmente o enunciado de um dos professores participantes do grupo em relação ao referido aluno. As narrativas decorrentes não recuperam uma história transcorrida em um tempo passado, mas sistematiza, organiza e inscreve um percurso de trabalho. O tempo, o espaço e a memória são ressignificados pelo estilo do momento e pelas diferentes vozes que tramam o argumento da pesquisa.
A construção textual se dá em forma de ensaio (ADORNO, 2003). Trabalham-se as interrogações articuladas a partir do tema em questão sem a pretensão de esgotá-lo. Busca-se interrogar em direção a um aprofundamento teórico e construir novos significados para as práticas pedagógicas, tomando como base proposições menos definitivas, questionando e refletindo acerca de seu objeto. Parte-se de propostas provisórias que são discutidas e questionadas no decorrer do estudo.

Sem temer o estranho
"Agora ele já está conversando comigo. Não entendo muita coisa do que fala, mas estou fazendo tentativas de aproximação... Está aceitando atividades com imagens, desenhos, envolvendo vocabulário. Está conseguindo realizar e parece gostar!" (Prof. L., 9 de maio de 2010).
"Tentei envolvê-lo na atividade oral em grande grupo que ocorre toda semana. Ë uma atividade de soletração em inglês, um jogo em que os alunos sorteavam uma palavra e soletravam. Quem acertava ganhava ponto. Propus que L realizasse a atividade em português, participando junto com os demais num dos grupos. Ele participou intensamente! Inclusive buscando pronunciar as letras claramente quando não entendíamos. A partir desse dia perguntava em todas as aulas se teria atividade novamente" (Prof. L., 18 de maio de 2011).
O professor ao participar do grupo é convidado a colocar em palavras, tecer narrativas sobre tamanho desencontro provocado. Com isso, constrói e inscreve o aparentemente sem sentido e impossível de ser transformado em palavras. O indizível passa a ter nomes, sentidos, jeitos, olhares. Não permanece fixado na posição inicial produzida pelo encontro com o estranho. Desloca-se, vive experiências diversas, compartilha angústias, escuta histórias, surpreende-se com outras posições assumidas. Aceita buscar outros caminhos diferentes dos costumeiros em sua prática, adaptando algumas atividades e propostas a serem realizadas com o aluno. Enfrenta o desencontro, a divergência; deixa-se levar pela experiência, aceita ficar à deriva, perder-se por instantes.
O enfrentamento do estranho permite vislumbrar caminhos possíveis. Tentativas de aproximação indireta para construir um trabalho em que participam da cena professor e aluno. O vazio permanece, mas pode ser contornado. Trabalhos tornam-se possíveis, perspectivas de atividades são vislumbradas pelo reconhecimento da parcialidade presentificada nesse aluno. Invenções arriscadas produzem surpresas pelos efeitos provocados. Um saber é construído na singularidade do trabalho com o aluno. Sem temer o estranho, a falta inscreve-se; e, mesmo permanecendo no centro da cena, permite a sequência das práticas pedagógicas durante o percurso escolar.
No grupo de professores, estes deslizamentos são construídos através do jogo entre saber e não saber, experiência vivenciada pelos participantes de forma singular. O grupo oferecia espaço e tempo para a formulação de respostas, mesmo que provisórias. Depois, em outro tempo e espaço– em sala de aula, por exemplo–, era possível refletir sobre as explicações construídas. Num terceiro momento, era importante ressignificar e reinventar o que foi dito e percebido, funcionando em uma lógica distinta da cronologia. Para tanto, a permanência do tensionamento manteve-se presente durante os encontros, convocando os professores a construírem novas respostas. Este processo era reafirmado frequentemente, potencializando o desejo de investigação e a busca por novas descobertas sobre o aluno e o trabalho realizado.
A importância de uma proposta como essa é percebida através das transformações nos alunos e nos processos escolares. O deslocamento de lugar é observado nestes sujeitos. Aos poucos, as aprendizagens tornam-se reconhecidas, e a aposta no crescimento do aluno, enunciada. Novas aprendizagens são percebidas nas trajetórias escolares, as quais reforçam a potência desse trabalho para os processos de inclusão escolar.

Referências
FREUD. S. O Estranho. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. V.XVII. Rio de Janeiro: Imago,1987 (original de 1919).
FREUD, S. O mal-estar na cultura. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013a.
FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu. Porto Alegre, RS: L&PM, 2013b.
LACAN, J. O Seminário, livro 2, O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1985.
ADORNO, T. W. Notas de Literatura I. São Paulo: Duas Cidades Ed. 34, 2003.

Notas
* Trabalho baseado em Dissertação de Mestrado apresentada ao PPGEDU-UFRGS.
** Tal expressão era usada pelos professores para designar os alunos muito distintos e diferentes dos demais no universo escolar: realizavam outras atividades, seus processos de avaliação não eram os mesmos dos demais alunos, não seguiam as mesmas orientações. Tal denominação marcava a distinção desses alunos como não pertencentes à rotina do lugar, demonstrando a necessidade de identificá-los em outro sistema dentro da escola. Eram alunos que questionavam as tradicionais formas de ensinar, mesmo as mais inovadoras. Balançavam as certezas, os ordenamentos escolares, a posição de mestre do educador detentor do saber.
Título: CONSIDERAÇÕES SOBRE A FUNÇÃO DO SEMELHANTE, A PARTIR DA APLICAÇÃO DA AP3
Autor: Larissa Jandyra Ramos Paula Cagnani
E-mail: larissajandyra@hotmail.com
Instituição: Consultório particular
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Este estudo tem como objetivo discutir alguns aspectos que dizem respeito a ordem das relações estabelecidas entre crianças. Cabe mencionar que a AP3 é um instrumento de avaliação que tem como objetivo trazer aspectos do campo intrapsíquico e subjetivo e, por outro lado, ele nos permitiu colocar outro ponto em pauta, que se trata das relações e da intersubjetividade. Utilizaremos como dados para esta pesquisa duas AP3s aplicadas em duas crianças. A partir disso, busca-se trazer reflexões sobre as relação que se estabelece entre crianças e o fenômeno da imagem especular e a função do semelhante, que podem contribuir para a constituição subjetiva, mas ao mesmo tempo obstaculizar. Palavras-chave: Relação entre semelhantes; imagem especular; psicanálise.
Título: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): a Que(m) Serve o Diagnóstico?
Autor: Laura Carrasqueira Bechara
E-mail: lauracbechara@gmail.com
Instituição: Instituto de Psicologia da USP
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Assiste-se na atualidade a disseminação de categorias diagnósticas, advindas dos manuais psiquiátricos como os DSMs, nos discursos da família e escola. As marcas produzidas pela escolha organicista de leitura do sofrimento, resultam na crescente medicalização e exclusão da dimensão subjetiva dos sintomas apresentados nas crianças. No mesmo caminho, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) aparece como diagnóstico de alto índice de prevalência em crianças a despeito de sua frágil explicação etiológica. O trabalho via recorte clínico e, a partir da contribuição teórica psicanalítica, pretende questionar qual a função do diagnóstico TDAH para além da medicação e quais são possíveis efeitos subjetivos decorrentes desse diagnóstico em uma criança, sua família e escola. Palavras-chave: Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade; diagnóstico; psicopatologia; psicanálise e criança. Introdução: As últimas décadas testemunharam grandes mudanças na história da psiquiatria desde a influência psicanalítica na construção da psicopatologia à sua redução, influenciada pelo neoliberalismo, aos signos da neurologia. As marcas produzidas pela escolha organicista de leitura do sofrimento humano caminham junto à evolução de critérios diagnósticos, presentes tanto nos DSMs quanto nos CIDs, cada vez mais apoiados no comportamento de um indivíduo exterior a seu contexto histórico, cultural e social. Segundo Dunker (2015) “a psicopatologia envolve uma racionalidade histórica e literária de interpretação e reinterpretação dos modos de sofrer e de fazer sofrer” (p.10) que incluem tanto a história da doença, quanto do doente. Na psicopatologia descrita, há espaço para um diagnóstico que seja operador no raciocínio da direção de tratamento sem que a singularidade do sujeito seja retirada de cena. O autor utiliza essa argumentação para concluir que tal psicopatologia foi excluída na nova gestão do sofrimento humano. Entre os resultados observados diante desse processo de exteriorização do sujeito de seu próprio sofrimento e sintoma está a crescente medicalização das doenças mentais, agora nomeadas como transtornos, espectros e síndromes das mais diversas e numerosas. É cada vez mais comum escutar sobre diagnósticos de depressão, síndromes do pânico e ansiedade realizados e medicados por outras especialidades médicas que não psiquiatras. Isso reflete a maneira indistinta de se tratar uma doença mental como outra doença, posto que essa diz respeito exclusivamente ao comportamento do corpo biológico. Diante desse introdutório contexto atual acerca dos transtornos mentais o trabalho pretende problematizar de forma ainda mais acentuada os diagnósticos direcionados à infância e adolescência. A ênfase é justificada pela particularidade de se diagnosticar alguém que ainda está em desenvolvimento e constituição. No caso, quem procura um especialista não é o mesmo que recebe o diagnóstico, fato que dá luz às questões apresentadas no título do trabalho: (1) a quê serve esse diagnóstico? (2) a quem serve esse diagnóstico? O recorte escolhido aqui é do denominado Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) por se tratar de um diagnóstico ainda sem consenso sobre sua origem e com explicações neurobiológicas heterogêneas (BRANDÃO, 2011). A despeito da fragilidade de sua etiologia biológica, sustentação da racionalidade diagnóstica médica, o TDAH é “considerado o transtorno neurocomportamental com maior índice de prevalência na infância” (ROHDE E MATTOS, 2003, p. 37 apud BRANDÃO, 2011) e tem média central de prevalência de 11% em crianças e adolescentes de 3 a 17 anos (HORA et al, 2015). A inexistência de marcadores biológicos faz com que o quadro se apoie na descrição clínica comportamental delineada desde o DSM-IV e CID-10 (ROHDE & HALPNER, 2004 apud BRANDÃO, 2011) que exclui a dimensão subjetiva daquele que é submetido a um processo diagnóstico. Assim, faz-se necessário questionar o destino e efeitos desse diagnóstico. O objetivo do presente trabalho consiste em refletir de que forma as concepções de corpo e escrita, provenientes da psicanálise, contribuem para, a partir de um recorte clínico, explorar às questões (1) a quê serve o diagnóstico? e (2) a quem serve o diagnóstico? Metodologia: Este trabalho sustentou-se na pesquisa bibliográfica, como metodologia principal, acerca de artigos nas bases de dados: PepSIC, PEPweb e PsycInfo utilizando como descritor: TDAH. Para além dessa pesquisa, realizou-se a busca no banco de teses e dissertações CAPES que tratassem do tema TDAH em articulação com a psicanálise. Por fim, uma segunda pesquisa bibliográfica, nas mesmas bases de dados, foi realizada com os descritores: escrita e psicanálise. Considerou-se que, por se tratar de pesquisa teórica sobre psicanálise (ELIA, 2000, TAVARES; HASHIMOTO, 2013), o recorte clínico, também disparador de questões, enriqueceria a articulação da bibliografia. Resultados e Discussão: A partir de um breve percurso na história psiquiátrica do TDAH, exposto nos artigos estudados, é possível perceber como a popularização de seu diagnóstico é coerente à lógica organicista de interpretação de sintomas que sustenta a indústria farmacêutica. Encontrou-se na pesquisa que a priorização de aspectos comportamentais de avaliação diagnóstica acaba por generalizar casos e, consequentemente, exteriorizar sujeitos de sua própria narrativa de sofrimento. Uma vez que o diagnóstico do TDAH, presente nos últimos DSMs, é prioritariamente voltado a crianças, seu escopo necessariamente extravasa o campo institucional e científico da saúde e passa a fazer parte dos debates da educação (DELUCCIA, 2014). A alta percentagem de casos nas escolas é alarmante e parece ter diversos efeitos e consequências. Uma criança que passa a ser vista com as lentes do discurso médico em seus outros ambientes de convívio corre o risco de ficar colada em seu diagnóstico ou ficar cristalizada em uma posição discursiva com a qual pode se identificar. O TDAH parece servir ao mercado farmacêutico, à escola quando essa se isenta da responsabilidade de incluir um aluno que não consegue acompanhar uma aula e à família quando se vê diante de suas próprias limitações na implicação na constituição de uma criança, mas não servirá a uma criança se em seu processo de tratamento não for levada em consideração sua dimensão subjetiva. No lugar de tratar-se o TDAH e, por isso, priorizar a medicação, com a entrada da psicanálise, trata-se uma criança que vive algum mal-estar e sofrimento e pode apresentar sintomas sempre particulares. Uma fala retirada do exemplo clínico serve de ilustração do TDAH como nome que tampona o que não corre bem ou como esperado, ou seja, que compreende a ordem subjetiva que atravessa o ambiente familiar ou escolar. A revisão bibliográfica em conjunto com o recorte clínico apresentado sugere que um dos aspectos comuns que se observa na clínica de crianças com suspeita ou confirmação do TDAH por algum médico é a queixa escolar por dificuldades de aprendizagem, principalmente na leitura e escrita. Se o tratamento escolhido seguir na direção da aposta e do reconhecimento do sujeito, o aprender da criança não será tomado apenas na ordem cognitiva mas como algo que diz respeito à posição que ocupa na linguagem (LERNER, 2008). A partir da consideração que a escrita alfabética apoia-se na escrita inconsciente, uma criança que apresenta dificuldades de leitura, interpretação e em sua produção escrita, nos conta sobre sua posição subjetiva e discursiva. Posição subjetiva em relação a castração e posição discursiva no discurso familiar e escolar. Esses conceitos evidenciados nos trabalhos selecionados (KUPFER, 2002, LERNER, 2008) indicam como o tratamento psicanalítico com crianças também diz respeito à sua alfabetização e escolarização. A entrada na escrita alfabética é aceitar curvar-se às regras ortográficas, da mesma maneira que a entrada no laço social é curvar-se às leis. Tais contribuições serviram ademais para indagar sobre a relevância do diagnóstico TDAH no tratamento de uma criança, para além de sua medicação. Pode-se questionar se, devido à abrangência e fragilidade etiológica desse diagnóstico, esse não seria utilizado por vezes de forma indiscriminada e incorreta potencializando efeitos iatrogênicos na criança, por isso a relevância da investigação de possíveis relações entre a posição subjetiva da criança e os comportamentos descritos nesse diagnóstico de TDAH. A psicanálise com seu conceito de corpo e sujeito do inconsciente ajuda a incluir aquilo que não é da ordem cognitiva e orgânica, mas que, no entanto, pode ser tratado via simbólico. Conclui-se que a produção de pesquisa acerca de outras leituras sobre o que se passa em uma criança que se encontra com o diagnóstico do TDAH, seja por meio da escola, família ou médico, são de extrema importância para fazer resistência a discursos que insistam em equivaler essas crianças a seu aparato cerebral. A psicanálise com seu conceito de corpo e sujeito do inconsciente ajuda a incluir aquilo que não é da ordem cognitiva e orgânica, mas que, no entanto, pode ser tratado via simbólico.
Título: Quando o especialista entra na escola: Acompanhamento Terapêutico e inclusão escolar
Autor: Lenara Spedo Spagnuolo
E-mail: spedolenara@gmail.com
Instituição: USP
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Resumo
No presente trabalho pretendemos discutir de que modo a entrada do acompanhante terapêutico nas escolas pode associar-se ao discurso do especialista sobre inclusão escolar. Para tanto, utilizaremos extratos de fala de dois professores que participaram do grupo de formação de professores para a educação inclusiva especificamente no trabalho com crianças com Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) que ocorreu no escopo de uma pesquisa da Faculdade de Educação da USP. Percebemos que é cada vez mais frequente que o acompanhante terapêutico seja convocado a entrar na escola para dizer “como fazer” a dita inclusão escolar. Discutiremos quais os efeitos de esse profissional ocupar o lugar de especialista. E, por fim, traremos nossa construção de um Acompanhamento Terapêutico na escola orientado pela psicanálise no qual, na contramão do discurso do especialista, busca-se promover um saber do lado do professor.

Palavras-chave: Acompanhamento Terapêutico; inclusão escolar; especialista; psicanálise.

Introdução
A entrada das crianças difíceis na escola, desde o início da educação inclusiva, tem promovido uma série de mudanças no cenário educativo a partir da dificuldade dos professores diante do imperativo “educação para todos” (UNESCO, 1990). Neste sentido, há um grande hiato que separa o ideal e o real da inclusão escolar. Se aquilo que é da ordem de uma experiência prévia do professor parece não mais ter efeito com determinado aluno, então como constituir um saber-fazer?
Alinhado à incidência de um certo cientificismo no terreno escolar, tem se respondido a essa demanda docente através da oferta de cursos de capacitação de cunho conceitual instrumental. Lebrun (2004) critica esse tipo de formação ao afirmar que ela se sustenta na “crença em que é suficiente comunicar uma informação para que esta toque o sujeito; isto constitui o engodo da prevenção: seria suficiente informar as pessoas, transmitir-lhes enunciados, dar-lhes noções claras” (p.110). É evidente que se trata de uma proposta de formação que ignora a determinação inconsciente nas ações do indivíduo.
Acompanhamos um grupo de formação de professores para a educação inclusiva especificamente no trabalho com crianças com Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) que ocorreu dentro do escopo de uma pesquisa ocorrida na Faculdade de Educação da USP e coordenada pelo professor Rinaldo Voltolini. Através de reuniões com um grupo de professores buscou-se validar a formação docente para inclusão escolar a partir de uma escuta psicanalítica. No presente trabalho, pretendemos fazer um recorte no tema e discutir um dos pontos que foram fonte de angústia e inquietação para os professores: a presença do acompanhante terapêutico na escola.
A clínica do Acompanhamento Terapêutico, em seu início, esteve vinculado à relação do psicótico com a rua e com a cidade, e apoiou-se basicamente nos princípios da Reforma Psiquiátrica, mas atualmente é exercido em diferentes espaços e dirigido a públicos variados. Se compreendemos que a criança moderna é por excelência uma criança escolar, nos parece evidente que o tratamento da loucura infantil em sua relação com o social tratará como possibilidade a entrada do Acompanhamento Terapêutico na escola.
A respeito da demanda por Acompanhamento Terapêutico nas escolas, Gavioli, Ranoya e Abbamonte (2001) estabelecem uma crítica importante dizendo que, “para a educação, o pedido da presença de um AT está relacionado, na maioria das vezes, à demanda de que ele possa responder pelas atitudes e pela educação da criança ainda não adaptada ao universo escolar e com a qual o corpo docente acredita não saber lidar” (GAVIOLI; RANOYA; ABBAMONTE, 2001). Nestes casos, o acompanhante supostamente se responsabilizaria pela educação da criança, tamponando a falta dos professores diante de um caso em que se deparam com o não saber.
Segundo Assali (2006), a demanda por um acompanhante terapêutico está relacionada ao desconforto da escola ocasionado pela entrada de crianças ditas de inclusão, na medida em que elas estabelecem relações diferentes, às vezes bizarras, gerando angústia e medo na escola. A autora ainda nos lembra de que, apesar de estar subentendido que o trabalho do acompanhante terapêutico é principalmente o de garantir a entrada de uma criança pequena na escola, o que muitas vezes acontece é a permanência deste profissional por mais tempo. Inclusive, Assali (2006) afirma haver casos em que o acompanhante terapêutico torna-se imprescindível durante toda a vida escolar do aluno.
Metzger (2014) propõe que há dois modos de o acompanhante terapêutico atender à demanda escolar. Em um primeiro caso, realiza uma “intervenção mais ou menos pontual que problematiza a presença de uma criança com diagnóstico de psicose na escola” (p. 6), podendo inclusive promover deslocamentos na posição da escola em relação ao aluno, e não se restringindo apenas ao trabalho com o acompanhado. No segundo modo, o acompanhante “tampona uma falta institucional ligada à presença de uma criança psicótica na sala de aula” (p. 6), o que não produz uma mudança significativa no lugar daquela criança dentro da instituição escolar.
A partir disso, trataremos de refletir a respeito desse segundo modo descrito por Metzger (2014) de acompanhar na escola que estamos associando ao lugar do especialista na instituição escolar. Percebemos que é cada vez mais frequente que o acompanhante terapêutico seja convocado a entrar na instituição escolar para dizer “como fazer” a dita inclusão escolar. O “como fazer” é uma resposta rápida e eficiente que tampona qualquer interrogação ou buraco do cotidiano educacional (SILVA, 2016). Há a expectativa por parte dos profissionais da escola de que um diagnóstico proferido pelo especialista possa lhes oferecer a metodologia correta para, enfim, poder sair da ignorância, tanto ele quanto seu aluno. Compreendemos o especialista não como uma categoria profissional, mas a partir do “tipo de discurso que ele profere” (SILVA, 2016, p.85).
Nesta modalidade discursiva, há uma pretensão totalizante de tudo saber que, ao entrar na escola, adquire legitimidade, conferida pelo discurso tecnocientífico (LEBRUN, 2004), com tamanha potência a ponto de determinar os rumos da escolarização de um aluno. Neste agenciamento discursivo há “o silenciamento de toda e qualquer interrogação sobre o sentido singular que move o agente ao mandamento de contínuo saber” (LERNER, 2013, p.92). Sobre o enigma do educar, nada se quer saber.
A partir disso então, nos perguntamos, quais os efeitos da entrada do discurso do especialista, através da figura do acompanhante terapêutico, na escola? Como isso tem aparecido na fala dos professores? E mais do que isso, nos perguntamos qual o modo que, a partir da psicanálise, podemos lidar com esse discurso na escola no sentido de promover um saber do lado do professor?

Metodologia
Por tratar-se de uma reflexão teórica, nossa metodologia será pautada em referenciais teóricos psicanalíticos. Estabeleceremos a discussão pretendida através de dois casos de professores que frequentaram o grupo de formação de professores para a educação inclusiva a fim de discutir os impasses vividos com as equipes de tratamento que, via o acompanhante terapêutico, introduziram o discurso do especialista na escola. Traremos extratos de fala dos professores de modo a indicar do que se queixam e quais foram os efeitos do grupo no que se refere à implicação desses sujeitos em relação à própria queixa.

Resultados e Discussão
Veremos como, nos encontro de formação, cada professor pôde desdobrar suas questões em novas perguntas e diferentes respostas. Cada qual buscou, a seu modo, que o seu saber-fazer pudesse entrar em jogo na cena escolar. Nossa hipótese é de que apesar de o professor demandar saber, não é por saberes científicos que ele pede. Acreditamos que se trata menos de dar um saber ao professor e mais de ajudá-lo a perguntar-se sobre seu próprio saber.
Veremos como o discurso do especialista, assumido pelo acompanhante terapêutico, pode desautorizar a escola como mestre da educação de seus alunos. Assim, se do lado do especialista temos um saber que se sustenta em nome de técnicas e protocolos, do lado da escola, surge o saber singular produzido no encontro entre professor e aluno.
Por fim, traremos uma discussão sobre o acompanhante terapêutico orientado pela psicanálise. Entendemos que, se não se trata de dar ao professor, então escutar parece ser um caminho possível. Escutar as inquietações, as estratégias, as angústias e assim construir juntos novas saídas e novas invenções para a escolarização daquela criança. Acreditamos que o acompanhante terapêutico opera ali onde há uma fresta já aberta por esse pedido dos professores. Mas entra não para responder desde o lugar do especialista. É uma posição do lugar do analista acolher a demanda sem respondê-la. Neste sentido, entendemos que o acompanhante terapêutico traz consigo algo do analítico que guarda menos relações com dar respostas e mais com a tentativa de produzir novas perguntas no ambiente escolar.
Um acompanhante terapêutico orientado pela psicanálise poderia sustentar esse lugar de não saber diante da inclusão de um aluno. Neste sentido, ao invés de estar na escola de acordo com um suposto protocolo científico, o acompanhante terapêutico na escola, a partir da psicanálise, pode entrar e sair, ser presença e ausência, como um botão que se liga e desliga de acordo com as construções que se estabelecem no par professor e aluno.

Referências:
ASSALI, Andréa Maia. Inclusão escolar e acompanhamento terapêutico: possibilidade ou entrave?. In: PSICANÁLISE, EDUCAÇÃO E TRANSMISSÃO, 6., 2006, São Paulo.
GAVIOLI, Camille; RANOYA, Flávia; ABBAMONTE, Renata. A prática do acompanhamento educacional na inclusão escolar: do acompanhamento do aluno ao acompanhamento da escola. In: COLÓQUIO DO LEPSI IP/FE-USP, 3, 2001, São Paulo. Proceedings online... Disponível em: . Acesso em: 28 Jun. 2015
LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite: ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004
LERNER, Ana Beatriz Coutinho. Consequências éticas da leitura psicanalítica dos quatro discursos para a educação inclusiva. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
METZGER, Clarissa. Acompanhamento Terapêutico: onde está a inclusão?. In: COLÓQUIO DE PSICANÁLISE COM CRIANÇAS. ONDE ESTÁ O PAI? DESAFIOS DA ATUALIDADE NA CLÍNICA COM CRIANÇAS, 3, 2014, São Paulo. Anais... Disponível em: http://www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise_crianca/coloquio2014/images/Anais_IIIColoquio_2014.pdf. Acesso em: 06 nov. 2015
SILVA, Kelly Cristina Brandão da. Educação Inclusiva: para todos ou pra cada um? Alguns paradoxos (in)convenientes. São Paulo: Escuta / Fapesp, 2016.
UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos, 1990. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf. Acesso em: 22 set. 2015
Título: A criança estranha
Autor: Ligia Vertematte Rodrigues
Coautor(es): VOLTOLINI, Rinaldo
E-mail: ligia.vertematte@gmail.com
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A criança estranha
Rinaldo Voltolini
Ligia Vertematte Rodrigues
O tema da fantasia que o professor tem da criança tem sido significativamente desconsiderado nas políticas de educação inclusiva. A dominância, na pedagogia, da ideia de um sujeito racional, capaz de refletir sobre seus atos, leva, inevitavelmente, a uma desvalorização do peso das formações inconscientes e de seu impacto na ação do professor.
A ideia de representação social da deficiência pode ser encontrada, sem dúvida. Ela é mesmo utilizada para atestar a presença e a origem das formações preconceituosas que a história construiu e que atravessam o curso do tempo para penetrar insidiosamente em nossas cabeças e entorpecer nosso pensamento. Preconceitos esses que devem, mais uma vez, ser combatidos pelo sujeito racional.
Neste contexto, o sentimento de estranheza que o professor pode ter com relação à criança com deficiência será reportado a um preconceito historicamente construído e que deve ser combatido no seio de uma política inclusiva. Esse ponto de vista colabora para que se produza uma atmosfera superegoica, na qual o professor deve esconder suas fantasias quando elas não são politicamente corretas, ou confessá-las apenas quando já está pronto para afirmar que irá combatê-las.
Um exame detalhado da própria palavra preconceito seria de grande valia para perceber a porta que nos leva diretamente à dinâmica inconsciente, ao mesmo tempo em que também nos permitiria relativizar o peso do sujeito racional.
Pré- conceito significa, de saída, que algo ocorre antes do conceito, ou se preferirmos, para além dele, fora de seu domínio. Mesmo que se retome, em seguida, a perspectiva de conceituação, de domínio conceitual da ideia considerada equivocada, já se vê reconhecida a presença de outra dimensão que não a conceitual.
Trata-se, para nós, de retomar aí o valor da fantasia inconsciente que, para além do domínio conceitual, do sujeito epistêmico, mostra sua presença também na cena pedagógica.
A insistência em conceber a cena pedagógica em termos técnicos, definindo a presença dos atores segundo o que reza a perspectiva contratualista, contribui para que se oculte e se ignore o que se passa para além do contratual, nos interstícios do não combinado, mas, no entanto, não menos poderoso.
A perspectiva contratualista é aquela que subscreve a ideia de que as partes envolvidas no contrato – etimologicamente tratar com – são capazes, graças ao uso da razão, de cumprir suas responsabilidades na direção do atingimento do objetivo desejado.
Freud descobriu bastante cedo em seu trabalho, a existência de forças psíquicas que, a revelia da vontade própria, podem cooperar para que sucumbam os esforços no caminho daquilo que foi contratado. Trata-se do que ele chamou de resistência e que se apresenta no interior do processo analítico estagnando-o, bloqueando as vias de sua boa consecução, e que ocorre na mais profunda inconsciência, sem que o sujeito em questão possa agir muito sobre ele. A descoberta da resistência serviu, entre outras coisas, para mostrar os limites de toda perspectiva contratual e de que a vontade, a quem se reputa coloquialmente uma força, – a força de vontade – não é tão forte assim.
Professor e aluno, distribuídos em papéis complementares, organizados segundo o que se espera de cada um deles, são frequentemente tomados pelas mesmas forças de modo a que o contratado não se cumpra como tal.
Na escuta de professores vemos deslizar, por trás da mais sincera vontade de fazer o trabalho acontecer, fantasias, pensamentos que demonstram de forma articulada esse processo inconsciente em ação.
Constatá-lo, entretanto, não deve nos servir apenas para demonstrar sua existência, mas, sobretudo, para encaminhar questões relativas ao campo do que chamamos saber do docente.
O professor procura abordar a criança pedagogicamente, quer dizer, de forma calculada a partir de seus objetivos e seus métodos. Ele o faz em certa medida, sem, é claro, conseguir impedir que cada criança que ele aborda dispare nele reações que não pode controlar e que o relançam fora do cálculo que faz de seu ato.
No cenário da educação inclusiva, com a chegada dessas novas crianças estranhas em princípio ao universo da escola regular, vimos desenhar-se uma dinâmica bem peculiar. A própria presença da estranheza já é um indício da emergência, em primeiro plano, da dinâmica inconsciente no interior da relação.
A criança esperada não veio e em seu lugar veio Outra, em relação a qual preciso adaptar-me. Adaptação que deve se dar primeiramente no campo subjetivo, íntimo e secundariamente no campo técnico, pedagógico. As dúvidas geradas no professor não são inicialmente pedagógicas, ou seja, operacionais, mas pessoais.
A chegada dessas crianças na escola representa para o professor, sobretudo, uma questão com relação a sua identidade. Antes de se tornar uma busca de competências para o trabalho, o professor se vê às voltas com a pergunta do quem é esse?
O excelente livro de Simone Korf-Sausse (2010) intitulado Le miroir Brisé (O espelho quebrado) situa perfeitamente o quanto a questão primeira a se considerar no caso da relação com essas crianças é a da identidade.
Como os pais frente ao primeiro contato com a notícia de uma deficiência em seu filho, o professor reage medusado (Korff-Sausse, idem, p. 34) a essa criança que chega.
Sua perplexidade e seu horror são evidentes, embora precisem ser disfarçados por razões morais. A visão flagrante da criança não ideal leva a algumas reações típicas, mas que só se tornam compreensíveis quando as referimos a sua dinâmica fantasmática.
A busca pelo diagnóstico, por exemplo, é uma dessas reações típicas: o que ele tem? Aparentemente justificada por razões de trabalho - justificação que não resiste a uma aproximação mais crítica - sempre nos espantou a ânsia por diagnóstico encontrada entre os professores e o efeito de diminuição de angústia quando de seu conhecimento, mesmo que o conhecimento desse diagnóstico em questão não trouxesse, por si mesmo, nenhum esclarecimento sobre a ação pedagógica com a criança.
A busca pelo diagnóstico dissimula o fato de que, para o professor, a deficiência em pauta é menos um estado do que um signo a ser interpretado. Essa criança atualiza para ele a figura do absurdo, dimensão sempre incômoda para o ser humano, que busca, então, para dela se defender, uma explicação, um nome, uma causa.
Frente ao estranho, nomear ganha uma importância extraordinária, uma vez que retira o sujeito da falta completa de referências e, portanto, exposto à angústia.
A busca pelo diagnóstico também pode ser compreendida como o desejo de fazer entrar na norma. Frente a figura do absurdo, encontrar um lugar repertoriado em um discurso ao qual me identifico, ajuda a aliviar a angústia identitária gerada. Assim nos vemos habitando um mesmo mundo, bom começo para uma relação.
Mas o estranho não é o desconhecido; ao contrário, é o profundamente conhecido e ignorado pela consciência por ter sido recalcado. O desconhecido em si mesmo não causa estranheza, causa em geral curiosidade, enquanto aquilo que foi recalcado mobiliza em todos nós as maiores forças contra sua aparição.
O que essas crianças estranhas nos mobilizam?
Três figuras que se destacaram na fala dos professores nos ajudam a nos aproximar dessa questão: a monstrificação da criança; a eternização do bebê; a criança assexuada.

A monstrificação da criança

O repercutido filme da Pixar Monstros S/A demonstra de modo divertido como os adultos temem as crianças. Segundo a interpretação bastante pertinente que Corso (2014) nos oferece desse filme, a curiosa inversão proposta pelo enredo na qual os monstros aparecem temendo as crianças, não é senão o retrato do medo atual que os adultos - representados pelos monstros - têm das crianças cujo funcionamento permanece por eles ignorado.
Repletos de técnicas de assustar as crianças durante seu sono, os monstros partem a seu trabalho penetrando na calada da noite o quarto da criança para extrair de seus gritos de horror a fonte de energia da qual se vale o mundo dos monstros para viver. Maior o grito, maior a quantidade de energia armazenada.
Tudo no mundo dos monstros se passa como no nosso mundo adulto: o poder, a corrupção, o amor, o sucesso e, claro, a produtividade. A performance de cada monstro era medida por uma máquina que registrava o score, aumentando o bônus e o prestígio do vencedor.
Além disso, a própria fratura entre um mundo adulto - o dos monstros - e outro infantil - o quarto das crianças - também se faz representar no filme. Uma porta separa os dois lados de forma absoluta; além da porta em comum, nada mais é compartilhado entre os dois mundos.
O filme não deixa de retratar também a formação dos monstros, a aquisição das competências para assustar, deixando no ar uma crítica à pouca capacidade dos dispositivos técnicos que são utilizados com rigor, mas sem muita eficiência. O monstro mais competente era o que tinha uma espécie de dom de assustar, sem referências a como foi adquirido, e sua influência sobre os aprendizes era mais da ordem do carisma do que de qualquer técnica que lhe pudesse ajudar na transmissão de seu saber.
Na teoria dos monstros, as crianças eram seres perigosos que não podiam ultrapassar a fronteira dos dois mundos, sob pena de contaminar todo o mundo dos monstros. O clímax do enredo se dá justamente quando uma criança ultrapassa a fronteira causando um pânico geral, pelo menos naqueles que souberam de sua existência. Mas, aos poucos, a criança vai dando a ver o universo de desconhecimento que girava sobre o mundo infantil repleto de concepções míticas que ocultavam um melhor exame de sua natureza.
Uma versão politicamente correta do filme pretenderia nos fazer pensar que seu propósito seria o de abrandar o medo das crianças, consubstanciado na figura do monstro, mas, na verdade, seria um erro grosseiro não ver que o medo que é abrandado é o do monstro.
Mas como compreender o fato de que as crianças passaram a nos causar medo? Certamente não foi o fruto de uma transformação de suas características como querem as vezes nos fazer crer algumas observações construídas sem nenhum rigor, tais como: as crianças de hoje são mais ativas, são mais inteligentes, são, enfim, mais…
Provavelmente não nos tornamos medrosos por supor um mais do lado da criança, mas por vivermos um menos do lado do adulto.
O século que deixamos ficou conhecido como o século da criança, uma vez que a atenção sobre ela, em vários planos: científico, jurídico, político, etc, não conheceu precedentes. A criança ficou agigantada no discurso social e para lidar com ela tornou-se preciso se defrontar com uma gama enorme de regras e saberes, difícil de dominar. Ou seja, trata-se do efeito paradoxal de quando um mundo de conhecimentos colabora a que se produza uma paralisia e não um poder sobre aquilo que se conhece, como na célebre anedota filosófica da centopeia que se paralisa depois da pergunta a ela feita: Com tantas pernas, como você sabe com qual delas dará o próximo passo? Consta que depois dessa pergunta a centopeia nunca mais andou.
No caso das crianças ditas de inclusão, esse processo de agigantamento da criança se complexifica. A presença de um reconhecimento legal, de um saber cada vez mais especializado sobre a criança com deficiência, reclamado com avidez pelo professor, mostra que ela também, como a criança dita normal, participa do cortejo adulto em torno da fórmula destacada por Freud: sua majestade o bebê.
Mas a consideração de majestade neste caso não implica a atribuição de um poder de governar. Por não encarnar uma das figuras da boa forma, a criança com deficiência parece se prestar menos às projeções que todos os adultos fazem nas crianças.
Mais que isso, a presença maciça da imagem deformada, dificilmente transformada ao longo do tempo, coloca problemas à própria crença nas condições de formação: a deformação seria um dos nomes da formação, justamente daquela que parece consumada e que nenhum futuro próspero poderia corrigir. Em contraste com a imperfeição que é própria a todo bebê recém nascido, mas que nunca se nota como tal, a imperfeição da criança com deficiência é notada de modo absoluto, sem perspectiva de modificação: ela é vista, paradoxalmente, como perfeitamente imperfeita.
A imperfeição humana, tantas vezes alardeada pela religião face a perfeição divina, tantas vezes destacada pela ciência no reconhecimento do inacabamento do humano ao nascer, costuma ser negada pela fantasia de perfeição que a família tem do bebê que nasce. Demasiadamente geral, referente à espécie humana, não serve para representar meu filho que acaba de nascer.
O perfeito, adjetivação utilizada pelos pais para seu bebê que nasceu bem, cede espaço para o imperfeito quando se sabe de uma deficiência constitutiva.
Sobram os projetos de fundamento eugenista – tais como os de manipulação genética ou intrauterina, com fins de evitar o desenvolvimento de patologias, sobretudo as incapacitantes - para nos mostrar que a verdadeira mudança esperada por nossa sociedade para a deficiência é a sua extinção.
Com o nascimento ou o desenvolvimento de um filho com deficiência, a espera idílica da criança saudável - seja menino ou menina, o importante é que venha com saúde - é frustrada e com ela se vão, em geral, as boas condições de uma identificação. O processo é complexo, sofrido, e variável, pois depende das condições de cada casal para atravessar o acontecimento.
Um acontecimento frequente e distintivo dele se dá quando aqueles traços, físicos ou comportamentais, presentes na criança e que lembram para seus pais a semelhança genética entre eles, não são mais notados e em seu lugar entra com força a síndrome que identifica a criança. Mais do que uma questão de identificação surge outra relativa à filiação. Evidentemente que o reconhecimento consciente da filiação é feito, ao menos na maioria dos casos, mas concomitantemente a uma complexidade que situa num nível inconsciente a criança num lugar de difícil reconhecimento filiatório: Há uma criança, mas será que há um filho?
Verificamos que a entrada de uma criança dita de inclusão na sala de aula evoca uma experiência semelhante. Também aqui há uma criança esperada, no caso um aluno. Um espelho também se quebra quando o professor não encontra um aluno. Uma das tarefas cruciais da educação inclusiva parece ser a de constituir um aluno, alí onde essa obviedade automática nos casos das crianças ditas normais está flagrantemente em risco.
Profa Maria Lúcia.“A chegada da criança, às vezes, é uma chegada assustadora. Do próprio Hugo foi uma chegada bem diferente, vamos dizer. E aí a professora da sala diz: ‘Olha, ele só corre, ele bate em todo mundo, ele grita…eu nem me envolvo, porque é muito difícil, porque ele morde e faz uma série de coisas que não tem como.”
O aluno de inclusão assusta. Maria Lúcia narra seu impasse com a formação de educadores enfatizando a esquiva de professores ao trabalhar com Hugo. O argumento tende a uma descrição adjetivada: a criança é agressiva, agitada, barulhenta, assustadora. O adjetivo vem selar a verdade do adulto e apaziguar sua tendência neurótica de controle e previsibilidade.
Mais que descrito, o aluno adjetivado é caracterizado pelo que lhe falta, pelo que lhe é deficitário: “A valsa dos defeitos vem desenhar em pontilhado a criança ideal”, afirma Cifali (1994, p. 39, tradução livre) alegando que só há um aluno deplorável pois, em algum lugar, concebe-se um aluno admirável. A autora alerta sobre os riscos da descrição, uma vez que ela engendra uma concepção de normalidade psíquica que em tudo se distinguiria do patológico. Embora tranquilizador, esse ponto de vista pode ser perigoso. O que estaríamos contrapondo aqui? O homem ao não-homem? Ao selvagem? À besta?
ngela narra uma cena impactante que alude à selvageria:
Profa ngela. “No segundo ano, ao chegar à unidade, ele jogou água no quadro elétrico e falou que ia atear fogo na escola. Todos diziam que era necessário ficar de olho no Juliano e não deixá-lo sozinho de maneira nenhuma na escola”.
A educadora relata o pânico suscitado tanto nos funcionários da escola como nos colegas de classe. Adultos e crianças temiam o imprevisível da ação de Juliano.
Mas o monstro não é somente aquele que aterroriza pela sua agressividade e alvoroço. O monstro é também o que escandaliza pela sua repugnância. Diana revela a animosidade de sua aluna no ingresso à escola:
Profa Diana. “Quando a Ellen chegou, ela queria comer tudo. Queria comer as pedrinhas do parque, a areia, a massinha, a borracha. Tudo ia para a boca. Quando ela era contrariada, a primeira coisa que ela fazia era agredir as crianças, puxar o cabelo delas, arranhar e até bater. Se eu falava “Não”, ela fazia “Uaut!” - um som característico”.
A insaciedade de Ellen nos faz pensar nos mitos populares de monstros que comem tudo o que veem pela frente, como o famoso personagem Taz dos estúdios Warner Bros que não apresenta critério nem saciedade frente ao que ingere. Importante lembrar que Taz não era um homem, mas uma figura animalesca, mistura do demônio da Tasmânia, um animal, com alguns poucos comportamentos humanos.
Manifestações de agressividade, insaciedade alimentar e sons grotescos são alguns dos elementos que fazem o aluno com deficiência convocar o mito do monstro. Entretanto, Cifali (2014) nos lembra da inteligência do desejo. Na descrição, o adjetivo é sempre falha. Mas e se a criança diz, através de sua palavra aberrante, algo de essencial e necessário? Se através dessas falhas, o sujeito disser algo de uma construção singular? Se disser justamente o que não pode dizer de outra maneira? “O déficit seria dissuasivo no discurso cartesiano, mas eloquente na língua do desejo” (Cifali, 2014, p. 46, tradução livre) . No lugar de uma criança em déficit estaria a inteligência do seu desejo.
O risco de monstrificar o aluno é a impossibilidade de se esperar que algo de humano apareça. Mônica Rahme (2014) subverte a visão de que a deficiência constituiria um impeditivo para o tratamento analítico do sujeito e cita Françoise Dolto (1998): “o sujeito nunca é nem deficiente nem doente” (Rahme, 2014, p. 125, grifo nosso). A psicanalista francesa relata (1998) sua experiência com uma bebê que apresentava Trissomia do cromossomo 21 e cujos pais revelavam-se tristes e perdidos com o recém-diagnóstico. Afirma ainda que, quando os pais reconheceram a posição de sujeito da filha para além da deficiência, ela passou a ter mais chances de encontrar saídas para ultrapassar os impasses vividos na relação com o próprio corpo e com o outro.
As narrativas dos professores no grupo demonstram que no lugar do monstro é possível começar a se ver traços de um sujeito, passando de uma visada estritamente adjetivante para outra mais subjetivante. Adriana relata sua experiência com Nícolas:
Profa Adriana. “São coisas desse tipo que me surpreendem porque, aparentemente, ele está assim (alheio), porque ele fica lá quietinho e parece que não está... mas, quando eu vou ver, eu passo e ele responde ou eu vejo a produção. E ele percebeu coisas que crianças que estavam distraídas na aula não perceberam”.
A professora supracitada flagra o sujeito em cena; a inteligência do desejo é flagrada. Algo revela-se e faz furo no imaginário construído acerca da inaptidão descrita. Rahme (2014) concorda quando Dolto quando afirma que “por mais que uma criança pudesse parecer perdida na escola, poderia sempre estabelecer alguma forma de contato com outra criança, ainda que tal laço se mostrasse improvável do ponto de vista do adulto” (Rahme, 2014, p. 127).
Parece imperativo podermos apostar no improvável. Ao tomar-se o aluno deficiente como besta-fera, há a desistência da palavra como um operador, pois não se fala com o bicho e, diante do abandono da palavra, o que resta são as medidas de contenção e isolamento: a doma, o adestramento e a jaula. Consegue-se o afastamento da criança monstrificada, o que vai na contramão da perspectiva inclusiva.
Profa Patrícia. “Nós estamos em uma sala isolada de todos. Dizem que é para ele ter uma proteção: tem uma rampa, tem umas escadas e quando desce só tem a minha sala. Então ficamos ali isolados e tem um portão que fica fechado. Dois portões: o portão da rampa e o portão da portaria. Dessa forma, se ele corre, ele não tem como sair. Eu tive que conversar com a estagiária porque ele começou a bater essa parte “aqui” (mostra a barriga) no portão de ferro e ela não fazia nada!”
A descrição da sala estrategicamente concebida para Carlos denuncia a perspectiva de inacessibilidade na qual está cristalizada a escola. Na ótica da jaula não há espaço para a contenção simbólica que pode se construir pela fala. Resta apenas a contenção física e as medidas de evitamento. Torna-se obscuro ver constituir um sujeito naquele onde imprime-se cotidianamente o olhar de um bicho.
A fantasia de monstrificação da criança com deficiência só pode ser combatida na lida diária com ela. Precisa ser elaborada, o que se faz, em geral, como vimos nos exemplos acima, quando se admite ou se flagra produções dela que permitem que se possa ver ali uma criança.

A eternização do bebê

Prof Rodrigo. “Os colegas o tratavam como um bebê, foi a primeira coisa que me chamou atenção. Por ele ser tão pequenininho, as meninas pegavam, acariciavam, falavam ‘ah, não pode bater’ e ele continuava batendo e eu achei que essa postura não estava legal, porque a gente estava reafirmando que ele é um bebê.”
Rodrigo comparece inquieto com Alex, um garoto de dez anos com diagnóstico de síndrome alcoólica fetal. Uma das coordenadoras do grupo intervém problematizando que o saber construído sobre a criança era o saber do bebê e que talvez a escola nunca houvesse pensado que seria possível tomá-lo como aluno.
No estudo de Mônica Rahme (2014) a tendência também se revela. A autora relata que, frente às dificuldades apresentadas por Davi, diagnosticado autista, seus colegas responsabilizavam-se por ele e cometiam inclusive alguns excessos, como colocá-lo para dormir, tocar seu corpo para dirigi-lo a alguma atividade e dar-lhe a chupeta quando julgassem necessário. As professoras, buscando intervir nessa convivência, estabelecem algumas interdições, como se sentar longe ou não entregar a chupeta. Ainda assim, uma das colegas transgride os combinados para ocupar-se dele, “é como se ela estivesse de tal modo tomada pela função de cuidar do colega que precisasse encontrar brechas para exercê-la” (Rahme, 2014, p. 312).
Tanto Alex como Davi parecem funcionar como um objeto que agrega valor, despertando nos colegas o desejo de possuí-lo. Esse movimento os coloca de forma prolongada (talvez definitiva) numa posição de dependência mútua da qual não se sai facilmente.
Para Korff-Sausse (1996), haveria uma “utilização perversa da deficiência”, por parte dos adultos desde a mais tenra infância. Os laços de dependência mútua inscrever-se-iam na organização psíquica e libidinal, no investimento de um valor de prazer e desprazer. “Ocasionalmente, a mãe e a criança estão tão implicadas nos benefícios secundários dessa relação que podemos falar de uma verdadeira erotização da deficiência, mesmo de uma utilização perversa, com componentes masoquistas e sádicos” (Korff-Sausse, 1996, p. 135, tradução livre).
Com as rotineiras consultas e exames, o corpo da criança vai sendo de tal maneira manipulado, cuidado e diagnosticado que a pessoa com deficiência converte-se no eterno objeto de gozo. Emerge assim o risco de a mãe manter o filho nesse estado, cristalizada “nos tormentos e delícias da devoção e sacrifício” (Korff-Sausse, 1996, p.135, tradução livre). O adulto comparece com o prazer sádico de manipular e esse prazer depara-se com a satisfação masoquista infantil de ser manipulado. Ambos garantem esse jogo perverso porque, se um rompe, o outro colapsa.
Para a psicanalista, o engajamento seria tamanho que configuraria um lugar de eterno bebê com todas as consequências psíquicas que dali derivam. Preso a esse mito, o adulto deficiente não tem previsão para deixar o lar e a dependência; a cena incestuosa está consentida.
A autora vai mais longe afirmando que “apenas uma intervenção externa pode recolocar em movimento esse sistema solidificado”(Korff-Sausse, 1996, p. 135, tradução livre). Apenas um novo olhar que não veja mais a realidade da criança e que veja que ela cresceu (coisa que a mãe já é então incapaz de ver). Poderia esse novo olhar ser trazido pela escola?
Rodrigo segue relatando a conduta frente à agressividade de André:
Prof Rodrigo. “Ninguém revidava, a professora não deixava. E aí eu levantei a questão de que talvez essa resposta estivesse fortalecendo o comportamento dele de morder porque não tinha nenhum posicionamento de ninguém. ‘Ah ele morde, ele é especial, deixe ele morder, coitado dele’. Então eu sugeri para a escola pensar em algum tipo de respostas mais negativas a essa mordidas e à agressão. E isso começou a surtir bastante efeito. Em pouco tempo, a questão das mordidas e das agressões diminuíram”.
Nesse momento, um dos coordenadores do grupo traz à reflexão a escola no papel maternal:
Prof Rinaldo.“A gente estava discutindo sobre a importância de que alguma coisa se quebre aí, então isso que você faz de bancar um ‘vamos fazê-lo sentar’ me veio à cabeça a imagem do Bambam, personagem dos Flintstones, quer dizer um bebê que já anda e dá pancada. Essa coisa de um bebê que não tem previsão de quando deixa de ser bebê. Porque isso depende muito do olhar maternal que se instala sobre. Não sabemos o quanto ele pode sair das limitações que a própria síndrome estabelece, mas a questão não é apostar na síndrome, é apostar no sujeito”.
A escola faz aqui o furo no mito do eterno bebê ao apostar que a criança pode ser também cobrada e não apenas cuidada. Não olhar para o doente, coitado e deficitário é não abrir espaço para a condescendência que impede qualquer movimento de adultização do sujeito. Rahme (2014) cita Françoise Dolto quando defende que “a criança considerada ‘deficiente’ tinha o direito de viver do jeito que era e, assim como as outras, tidas como ‘não deficientes’, teria que aprender a se virar na vida, do modo como lhe fosse possível” (Rahme, 2014, p. 126). Do seu ponto de vista, a conduta indulgente apenas fomentaria os laços de dependência e a falta de autonomia.
Para Korff-Sausse (1996), a resistência social à emancipação do deficiente “não é uma resistência à autonomia propriamente dita, mas ao que ela representa como via de passagem a um estado adulto sexualizado”(Korf-Sausse, 1996, p. 126, tradução livre). Por que é tão ameaçadora a ideia da sexualidade do deficiente?

A criança assexuada

Simone Korff-Sausse costumava fazer sessões com os pais de crianças deficientes após eles receberem o diagnóstico médico. Segundo depoimentos dos pais em entrevista, a autora relata que um dos primeiros fantasmas dos pais era pensar na (não) reprodução de seus filhos deficientes, fantasiando que seu filho jamais teria um herdeiro e que, se eles não tivessem outros filhos, jamais poderiam ter netos. Porém, essas fantasias eram tão inconcebíveis que todas as representações que delas surgiam eram apressadamente reprimidas.
A psicanalista notava ainda a grande tentação de manter o filho criança o máximo de tempo possível: “Enquanto ela for pequena, tudo bem” (Korf-Sausse, 1996, p. 124, tradução livre, grifo nosso). Frases dessa natureza eram frequentes em seu consultório. Quando o filho finalmente deixava de ser pequeno, os sinais do despertar da puberdade eram negligenciados ou causavam crises violentas nos pais cegos de medo.
Com efeito, revela-se árduo para o adulto defrontar-se com a sexualidade do deficiente. Adriana traz à reunião o caso de Marcos, um garoto de quatorze anos que sempre tivera uma amiga na sala, mas que, ao entrar na puberdade, perde sua amiga pois ela passa a se interessar por outros garotos e o deixa de lado. Adriana mostra-se aflita com a mudança decorrente do adolescer de seus alunos:
Prof Adriana. “É a mesma turma, eles estão juntos desde o quinto aninho. Mas a Amanda, que era super parceira dele, hoje ela mudou completamente. Foi para o outro lado da sala. Eu perguntei ‘Amanda, você esqueceu do seu amigo? Você lembra que você sentava do lado dele?’. E ela fala que não lembra. O coleguismo que eles tinham no Fundamental I... chega no Fundamental II e eles só querem saber de namorar e isso tem me incomodado”.
Nota-se a vontade de retardar a puberdade da garota mas, em nenhum momento, considera-se a sexualidade, aparentemente ainda incipiente de Marcos. Mais que o desinteresse da ex-amiga, o que chama atenção é o não-questionamento dos professores a respeito. No decorrer de toda a reunião, nenhum dos professores indagou, em instante algum, o comportamento dos alunos que passam a se desencantar de seus antigos colegas deficientes em prol de outros interesses, a saber, sexuais. É como se os “outros interesses” jamais pudessem advir do ser anômalo.
Afirma uma garota de cinco em sessão com Korff-Sausse (1996): “Antoine tem um pipi e eu tenho síndrome de Down” (Korff-Sausse, 1996, p. 122, tradução livre). Antoine e Mireille são irmãos e a menina trissômica revela viver sua deficiência como equivalente à diferença sexual. O significante da deficiência congela o sujeito mesmo no que diz respeito à sua sexuação. Entra em cena uma ambiguidade: a consideração da sexualidade do outro e a desconsideração da sua própria.
Tomando o modelo da diferença sexual, a criança se constitui identificando-se com um dos pais e diferenciando-se do sexo oposto. Entretanto, no que concerne à sua deficiência, ele não é semelhante a nenhum dos dois. Nem pai nem mãe portam essa marca. Como fazer? Teorizar um terceiro sexo como propagam os banheiros públicos: masculino, feminino e deficiente?
Para a autora, o mito sobre a sexualidade do deficiente oscila entre dois pólos: ora considerado como desprovido de vida sexual, ora concebido como um monstro animalesco de sexualidade selvagem. Nessa polarização, não é raro exaltar-se a personalidade terna e amável dessas crianças a fim de ocultar a sua natureza sexual. Parece naturalizado que a pessoa com deficiência seja assexuada, não se espera algo diferente disso. Melhor assim: que não se sexualize, que não procrie. E, se sexualizado for, que seja infecundo.
A questão expõe problemas éticos delicados. A autora nos alerta sobre a repercussão psíquica de se impor o uso de anticoncepcionais a, por exemplo, uma adulta com síndrome de Down. Se estamos dizendo a essa mulher que “ela não deveria filhos pois eles correm o risco de ter a trissomia do 21, estamos dizendo que as pessoas com síndrome de Down, o que inclui ela mesma, não deveriam existir” (Korf-Sausse, 1996, p. 126). Passa-se da castração cirúrgica imputada às pessoas com deficiência na metade do século XX à castração química. Altera-se o procedimento, permanece o conceito de eugenia.
O que faz um indivíduo adotar tal posição? Para a autora, o adulto deficiente suscita um pavor massivo. Pavor este marcado pelo paradoxo: relações de “atração e aversão, rejeição e sedução, compaixão e agressividade, piedade e sadismo” (Korff-sausse, 1996, p. 138). O pânico seria evocado pela conjunção desses díspares.
Já de saída, há o medo desperto pela ideia de que a minha procriação poderia dar origem a essa criança; a ideia de poder gerar um monstro é intolerável. Não é incomum a presença de explicações para a deficiência dentro da lógica da punição: trata-se para muitos de uma punição dos deuses, uma concepção incestuosa ou monstruosa, algo que não deveria ter acontecido. As próprias crianças podem referir que um erro aconteceu ou que “papai não pôs a boa sementinha”. Está sempre em jogo a noção de uma matriz malfeitora.
Ademais, há o medo que esse fruto de horror e fascínio possa vir ele mesmo, por sua vez, a crescer e procriar.
Por fim, e ainda mais alarmante, há o pânico frente à possibilidade de procriar com esse ser. A ameaça fantasmática mais estarrecedora seria a ideia de uma aproximação sexual com esse ser anômalo - fato que é evitado a qualquer preço. “O adulto deficiente é o que encarna a anomalia e suscita pavor numa relação de atração e medo”(Korf-Sausse, 1996, p. 139).
Na escola, em geral, a presença de comportamentos sexuais é negada, intelectualizada como curiosidade e exploração, ou seja, novamente integrada na visão pedagógica espiritualista, ou simplesmente escoada de modo pragmático para lugares privados nas rotinas institucionais. Quando aparecem nas crianças com deficiência despertam mais apreensão por parecerem fora de controle.
No fundo, os três elementos trabalhados – a monstrificação; a eternização de um bebê; e a criança assexuada, se acham intimamente ligados entre si. São características de uma fantasia comum que os adultos ditos normais, sejam eles pais ou professores, têm, provocada por seu contato próximo à criança com deficiência.
Coube-nos percorrer os detalhes dessa produção fantasmática para demonstrar aí o impacto dela naquilo que propusemos chamar de saber do docente. A psicanálise se encarregou de demonstrar que longe de ser algo que se oponha à realidade, a fantasia é constituinte dela.
A fantasia funciona como uma grade que arquiteta a realidade, dando-lhe sentido, sobre o qual se pensa, se reflete. A questão da sexualidade da criança com deficiência, por exemplo, não pode ser refletida se sequer chegar a ser posta, o que acontece se deixamos agir em silêncio a fantasia de assexualidade. Ou ainda, pode ser refletida dentro dos limites estreitos de uma genitalidade negada, como se a criança com deficiência nunca fosse deixar uma sexualidade para sempre infantil.
Neste ponto, trabalhar o saber do docente implica fazê-lo ver, agindo nele, sua produção fantasmática. Sem incorrer em interpretações particulares, mas, como vimos nos exemplos acima, sublinhando sua presença.
O efeito de desvelamento mostrou-se produtivo para a sequência da reflexão e, portanto, útil para fins formativos.
O que o dispositivo de escuta no trabalho grupal de discussão de casos parece promover é a possibilidade de que esse universo fantasmático emerja e seja reconhecido no campo da racionalidade que ele engendra. Tal emergência e reconhecimento não significa que se subestime ou se contraponha ao valor da reflexão. Significa, simplesmente, que se reconheça que uma reflexão sem isso é uma reflexão impotente, pouco apta a uma justa formação.





















Referências Bibliográficas:

CIFALI, Mireille. Le lien éducatif : contre-jour psychanalytique, Paris, PUF, 1994.

CORSO, Diana. Tomo conta do mundo - Conficcções de uma psicanalista, Porto Alegre, Arquipélago, 2014.

KORFF-SAUSSE, Simone, Le miroir brisé, lenfant handicapé, sa famille et le psychanalyste, Calmann-Lévy, 1996.

RAHME, Monica Maria Farid. Laço social e educação: um estudo sobre os efeitos do encontro com o outro no contexto escolar, Belo Horizonte, Fino Traço, 2014.
Título: POR UMA ESCOLA POÉTICA: DO MAL-ESTAR AO BEM DIZER...
Autor: Lucia Maria de Freitas Perez
E-mail: luciafreitasperez@gmail.com
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro /DFE e Corpo Freudiano Escola de Psicanálise RJ
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POR UMA ESCOLA POÉTICA: DO MAL-ESTAR AO BEM DIZER...

Lucia Maria de Freitas Perez
Professora Adjunta do DFE/UNIRIO
Psicanalista do Corpo Freudiano
Escola de Psicanálise do Rio de Janeiro

Resumo

Nesses tempos sombrios, em meio a tanto mal-estar, violência e degradação, resvalando para o espaço escolar, apostamos que a educação possa assumir novos rumos, tomando partido do sujeito se puder aliar-se à psicanálise e à arte, em prol da causa do desejo. Que relações podem ser estabelecidas entre o trabalho do artista, o do psicanalista e o do educador comprometido com a causa do desejo? O contato com a literatura e com os artistas abre, mesmo, caminhos para uma transmissão que leve em conta o sujeito? Para além das inegáveis dificuldades de implantação da proposta, consideramos imprescindível o acesso à experiência estética, a partir do contato com a atitude e com o trabalho dos artistas em seus singulares processos de criação.

Palavras-chave: arte; educação; formação permanente; mal-estar docente; psicanálise; subjetividade.

I – Introdução:

“Deveríamos diariamente ouvir ao menos uma pequena canção, ler um belo poema, admirar um quadro magnífico, e, se possível, pronunciar algumas palavras sensatas” (GOETHE, 2006; p. 279)


Há tempos a questão do mal-estar no espaço escolar vem me acompanhando, atingindo sua culminância após o ingresso no Departamento de Fundamentos da Educação na UNIRIO e, a partir do envolvimento em projetos e programas de extensão e pesquisa no âmbito dessa Universidade pública. Uma das premissas fundamentais tomadas como ponto de partida do trabalho que estamos realizando é que a arte, tanto no processo de criação, quanto em sua fruição, conduz ao advento do sujeito. Tal premissa, muito evidente no projeto “Em nome do sujeito: encontros de psicanálise, educação, literatura e arte” (2017), um dos braços do programa “Enredando saberes: impasses da prática”, criado em 2013, com a colaboração da Profa. Dra. Sandra Albernaz de Medeiros, permite-me supor que a arte, assim como uma escuta marcada pela psicanálise podem se configurar como possibilidades de “enfrentamento” político. Legítimas reações/antídotos para que o sujeito não sucumba ao esmagamento provocado por diversas forças presentes no contemporâneo, que clamam pela mecânica e pragmática objetividade.

Pretendemos, em nossas ações, retomar o valor da bildung no processo de formação de professores, visando, na contramão de muito o que vem sendo proposto pelo ideário neoliberal, um mais além da técnica: a ética. Nessa direção, a história da educação nos conduz a Grécia Antiga, mostrando-nos que, de forma contrária ao “especializado” homem moderno, adestrado para se aplicar em campos específicos da sociedade industrial, os gregos tinham uma preocupação ética com o processo de formação de cada sujeito, entendido como o cultivo de seus mais variados dons e talentos.
Bildung é a versão alemã do termo grego Paideia, entendida como uma formação ampla que, em suas múltiplas possibilidades, viabilizaria a realização da obra de arte mais sublime: a bela e diferencial singularidade. Os filósofos que cunharam o conceito, com forte inspiração nos gregos, entendiam como imprescindível o cultivo e o cuidado para com a alma, valorizando o constante contato com a filosofia, com a arte e com a literatura. Não podemos esquecer que, originariamente, a bildung era uma particularidade aberta apenas à nobreza, uma vez que somente os membros da aristocracia conseguiam passar por esse processo formativo. Tal panorama começou a se transformar com o advento de instituições de ensino tais como o ginásio (escola secundária, de conteúdo humanista e clássico) e a moderna universidade, que contribuíram para a democratização desses valores educativos, que, infelizmente, cada vez mais vêm se perdendo no Brasil do século XXI.
Para além dos questionáveis ideais de harmonia, a peculiaridade ética e estética da bildung comparece no modo como preza a formação maior do sujeito, desprezando todo e qualquer utilitarismo. Seus pressupostos, assentados em valores de outra ordem que o material e o financeiro, deveriam, em nossa perspectiva, sustentar o processo de formação permanente de nossos professores. Formação que, em países marcados pela desigualdade social, tais como o Brasil, deveria ser assumida pelo Estado. Afinal, valorizar a formação permanente do professor é condição para a existência de uma educação, de fato, inclusiva e ética, capaz de contribuir, de fato, para o processo de construção de sujeitos que, a partir do reconhecimento de sua diferença, tenham condições efetivas de alavancar e transformar nosso país.
Reconhecemos que nossa proposta é uma perspectiva bem diferenciada do ideário mercantilista e mecanicista, que, nos últimos anos, vem se disseminando nas concepções de educação que circulam no Brasil, expressas em proposições tais como “educação para o trabalho”, “meritocracia”, “escola sem partido”, no recente “esquartejamento do ensino secundário”, entre outras barbaridades.
No atual cenário sombrio, como fazer com que os acontecimentos de linguagem, sensações, percepções e afetos, que se fazem nas palavras, nas cores, nos sons, nas coisas, nos lugares e eventos sejam articulados como dispositivos, como agenciamentos de sentido irredutíveis ao conceitual, como outro modo de experiência e de saber? Este é o nosso grande desafio, pressupondo que tal inversão de valores, aplicada à educação, implicará uma ação “erospolítica”, que poderá contribuir para o resgate do sujeito. Assim, no intervalo aberto por esse Colóquio, discutiremos aspectos de nossos projetos de extensão e pesquisa, cujos efeitos poderão ir além dos muros da academia, alcançando a comunidade de professores, especialmente, os professores da rede pública.

II – Metodologia

A partir de 2017, estão sendo propostas diversas ações, na UNIRIO, em escolas da periferia do Rio de Janeiro e de municípios vizinhos. Dentre essas ações, destacam-se como rodas-de-conversa com autores, psicanalistas e artistas; lançamentos de livros com leitura de trechos da obra selecionados por seus autores; saraus de música e poesia; oficinas de música e poesia; caminhadas literárias; visitas a ateliês, exposições em museus e galerias de arte; leituras dramatizadas de poemas e peças teatrais; oficinas de artes plásticas, apresentação e discussão de filmes no espaço “A Outra Cena”; jornadas de psicanálise, arte e educação, entre outras. Também foi aberta uma página no facebook, denominada “Em nome do sujeito: encontros de psicanálise, educação, literatura e artes” para o registro de poesias, eventos ligados à psicanálise e às artes, assim como das atividades, propostas ou não pelo projeto, que se alinhem com seus objetivos de divulgar a cultura e estimular, especialmente em professores e alunos de escolas públicas, o gosto e o contato com a arte.

III – Resultados e Discussão

Cremos que a conexão e o enredamento de diferentes saberes possam se constituir como um movimento para que a educação, hoje reduzida à Pedagogia e/ou compartimentalizada em diferentes e isoladas disciplinas, deixe de ser considerada apenas como episteme e como práxis, retomando o seu valor de éthos, perdido ao longo da história. Condição de, no laço social, enfrentarmos de maneira construtiva o permanente e inevitável mal-estar na cultura.
Freud (1908/1926) sempre insistiu que analistas e por que não os educadores, deveríamos aprender com os poetas e artistas. Em qualquer modalidade de arte: a pintura, a escultura, a literatura, a dança, a música..., a singularidade do gesto imprime uma marca, uma particularidade do traço no ato de criar. Mais do que a uma obra, o artista nos apresenta a algo invisível que se torna visível por um instante e, para tanto, vale-se da tinta, pincel, som, movimento (...), múltiplos artifícios que dão forma e vida a uma experiência sensível. Contorna o litoral de nossas bordas, dando-lhe materialidade e evanescência, escapando a qualquer sentido construído. A um só tempo ascensão do eu e queda do narcisismo, a obra de arte e a palavra poética dão voz ao sujeito dividido: é a afirmação dessa voz fragilmente potente, lugar do feminino, lugar de um gozo a mais, gozo que insiste em fazer passar algo do indizível.
Pretendemos que as ações - oficinas, rodas de conversa, experimentos e proposições de toda sorte - inspiradas, tanto no que classicamente se toma como arte, como também nos experimentos das artes contemporâneas, funcionem como interruptores da percepção, da sensibilidade e do entendimento; um descaminho daquilo que é conhecido. Uma espécie de jogo com os acontecimentos; táticas que explorem ocasiões em que o sentido emerja através de dicções e timbres, nas formas e não nos conteúdos; possibilitando viagens pelo (des)conhecimento que venham a abrir caminho para o gozo da experiência estética - passagem que talvez conduza do mal-estar ao bem-dizer.
Referências

CALVINO, I. (1988). Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo. Companhia das Letras.

FAVARETTO, C.F. Arte contemporânea e educação. In: Revista Iberoamericana de Educación N.º 53 pp. 225-23, 2010

FISCHER, E. A necessidade da arte. Círculo do Livro (com licença da Zahar Editores)

FREUD, S. (1908). Escritores criativos e devaneios. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

FREUD, S. (1926). A questão da análise leiga. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

GOETHE, J. W. von. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. São Paulo: Ed. 34, 2006.

LACAN, J (1972-1973/1982). O Seminário, livro 7: A ética da psicanálise, Rio de Janeiro, Jorge Zahar.

LACAN, J (1972-1973/1982). O Seminário, livro 20: mais ainda, Rio de Janeiro, Jorge Zahar.

OSTROWER, F. Universos da Arte, Rio de Janeiro, Campus.

SUAREZ, R. Nota sobre o conceito de bildung (formação cultural). In Kriterion: Revista de filosofia. 2005, vol 46, n.112, pp. 191-198, disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0100-512X2005000200005.
Título: Los protocolos de intervención como obstáculo a la consideración de los sujetos de la educación ante situaciones de vulneración de derechos
Autor: Luciana Ramos
E-mail: ramoslu@hotmail.com
Instituição: FLACSO- Argentina
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El siguiente artículo presenta avances de una investigación en curso basada desde el punto de vista teórico metodológico, en una perspectiva del Psicoanálisis en conversación con otras ciencias sociales. El problema que aborda es el abordaje que la escuela realiza en relación a la emergencia de situaciones de vulneración de los Derechos de Niñas, Niños y Adolescentes, en particular cuando esa vulneración se vincula al Abuso Sexual. Este trabajo se enmarca en un campo de problemas mayor: la irrupción de la sexualidad en lo escolar. La vulneración de los Derechos de Niñas, Niños y Adolescentes y su tratamiento paradojal en el ámbito escolar se constituyen en un objeto de estudio. Esta investigación tiene lugar en el marco del Programa de Psicoanálisis y Prácticas Socioeducativas –del que formo parte–, con sede en la Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO) de Argentina, Área de Educación/PLySE. Se nutre de uno de los pilares en los que se sostiene el programa: la “clínica socioeducativa” que tiene como foco un trabajo centrado en la posición de los profesionales.face=Arial color=black> style="BACKGROUND-COLOR:#FFFFFF">Basada en el estudio de casos múltiples (Stake, 1995), con el uso de diversos enfoques para la recolección y análisis de datos. En este trabajo, se presentará un caso de la ciudad de Buenos Aires, el cual constituye una de las unidades de análisis de la investigación.






Cada caso cobra estatuto de exemplum y valor paradigmático (Agamben, 2009), siendo el paradigma de inferencias indiciales (Ginzburg, 1994): la referencia metodológica para arribar a la configuración del problema en estudio. Se complementa con estadísticas, documentación y entrevistas (Arfuch, 1995).


A continuación, presentaré una viñeta para pensar las lógicas que sostienen una intervención mediada por protocolos:


Comenzamos a intervenir en la situación de D cuando la Escuela nos contó acerca suyo luego de unos días que ingresara a esa institución. Provenía de una prolongada internación debido a los múltiples golpes que había recibido de parte de sus padres. Quemaduras de cigarrillo y quebraduras en su cuerpo eran apenas unas marcas visibles de su sufrimiento. Luego de haber estado en un nosocomio, se le adjudicó un nuevo lugar donde vivir: se trataba de un hogar en el que residen niños y jóvenes. Esa institución es la que había solicitado la vacante en esta escuela.


De a poco D se adaptaba a su nueva vida, no sin desbordes ni manifestaciones escandalosas. La escuela convoca al Equipo de Orientación Escolar (EOE) muy impactada por la historia de D. En principio se lo había ubicado en el grado de Nivelación que es grupo armado por un Programa con ese nombre destinado a la enseñanza a niños sin escolaridad previa. La escuela trabajó para que D construyera de a poco su rol de alumno. No fue fácil que D cediera a aprender y ocupara el lugar ofrecido. El EOE fue pensando estrategias con los docentes y estaba realizó entrevistas con docentes y responsables del hogar con el fin de pensar en la Trayectoria Escolar del niño.


Sin embargo, un día, luego de haber trabajado en la escuela temas sobre Educación Sexual Integral, D se retiró con su Acompañante Terapeútico (AT) y le dijo que a la noche, en el cuarto, un joven compañero mayor que él lo molestaba. Cuando el AT comenzó a indagar, descubrió que D era víctima de abuso. Al otro día, D se animó y se lo dijo a su docente.


A partir del momento en que un niño habla, la escuela tiene la obligación de seguir un protocolo de intervención que consiste en primer lugar en el llamado a la Guardia de Abogados, quienes tienen la función de asesorar a la dirección en situaciones de Vulneración de Derechos. Cabe aclarar que tal guardia está formada por un equipo de abogados que orientan qué hacer desde un marco legal, tomando conocimiento de la situación puntual y no de la historia de ese niño.


La Guardia sugirió que la escuela llamara al Sistema de Atención Médica de Emergencias (SAME) para que una ambulancia traslade al niño al Hospital más cercano. Allí le realizaron a D las revisaciones correspondientes y un equipo interdisciplinario que articula con el Consejo de los Derechos de Niñas, Niños y Adolescentes (CDNNyA) lo entrevistó.


Pasaron los días y D permaneció en el Hospital junto a su AT. Mientras tanto el EOE mantenía conversaciones con distintos actores: la escuela, el hogar, la defensoría del CDNNyA, el equipo del Hospital con el fin de saber cómo estaba D y qué decisión se tomaría respecto a su futuro.  


Mientras tanto, los docentes de la escuela se preguntaban si había hecho bien en accionar de esa manera ya que había pasado un mes y no se tomaba ninguna resolución respecto a la situación de D. De hecho, la situación empeoraba porque los informes médicos hablaban de una descompensación emocional por lo que decidieron que no recibiera visitas. Esos días, la escuela fue impedida de tener contacto con el niño por prescripción médica.


Al cabo de dos meses, el CDNNyA nos informan que se decidió que D viviera en un Hogar Terapeútico en otra jurisdicción, con lo cual nuevamente el niño quedaba sin ningún vínculo de los que había podido armar durante este año y medio luego de haber sido apartado de la familia que lo había dañado.


Esta decisión provocó mucha angustia entre los docentes de la escuela que lo habían alojado allí, que lo habían convertido en SU alumno porque un cambio de jurisdicción implicaba por ende un cambio de escuela. Por eso, como EOE decidimos realizar una serie de escritos dirigidos a distintas entidades en las cuales se toman estas decisiones. Sin embargo, parecía no comprenderse lo que se planteaba porque las respuestas fueron del tipo “Pero este tema ya está solucionado”, “No entendemos, ¿ la escuela quiere seguir trabajando con este niño?”


Finalmente D fue trasladado a un Hogar Terapeútico de otra jurisdicción.


Este trabajo se inscribe en un campo de problemas que incluye los modos de intervención protocolares que se le imponen a la escuela para el tratamiento de la Vulneración de Derechos de los Niños, Niñas y Adolescentes en el marco de las políticas de Infancia vigentes. En los últimos años en Argentina se han publicado numerosos documentos para que la escuela pueda utilizarlos ante problemas específicos: “protocolo/guía para casos de tal o cual cosa”. Sin embargo, a medida que las instituciones hacen uso de los mismos, se advierte el efecto que las prácticas estandarizadas generan en los agentes socioeducativos, con un gran costo de malestar y baja resolución de los problemas, una de cuyas expresiones es que se privilegian cuestiones “burocráticas” con el fin de “estar cubiertos por si se iniciaran acciones legales de algún tipo”.


Cabe mencionar que estos modos de abordar las situaciones que suceden a los niños e inciden en las escuelas obedecen a ciertas lógicas imperantes en la época actual que algunos autores han caracterizado de diversos modos. Aparece por ejemplo, el derecho en función a lo que Espósito llama dispositivo inmunitario “entendiendo con ello la tendencia a proteger la vida de los riesgos implícitos en la relación entre los hombres” (Botas, 2011).


En el caso presentado, conocer la situación de D, produce en distintos actores preocupación por el niño y en relación “al correcto proceder” respecto a un asunto delicado. En ese momento las preguntas que han surgido hacia los profesionales son del tipo ¿cuál es el accionar que corresponde que realice? No decimos con esto que no se piense en los niños, sino que suele prevalecer en los actores escolares la presión por realizar las acciones pertinentes al caso porque de otro modo, ellos mismos son puestos en cuestión. En este sentido, el mundo de los protocolos y manuales de procedimientos pareciera ofrecer calma y ofrecerse como garantía de haber realizado lo que corresponde. Muchas veces aparece como ilusión de que se hizo algo por los niños.


Ante la proliferación de denuncias y la sospecha generalizada, se impone la necesidad de una lectura de cada situación: “desde el psicoanálisis, intentamos leer estas paradojas para poder intervenir” (ibidem, año). Siguiendo a Zelmanovich (2012), resulta necesario trabajar en relación a lo paradojal que emerge a partir de las políticas vinculadas al Sistema de Protección de Derechos de Niñas, Niños y Adolescentes. Para ello se considera el texto de las siguientes leyes: Ley Nº26.061 de Protección Integral de los Niños, Niñas y Adolescentes (face=Arial color=black>impone la obligación a toda persona que desde el ámbito público o privado haya tomado conocimiento de los hechos de violencia familiar o tenga sospechas sobre su ocurrencia a realizar la denuncia por ejemplo quienes se desempeñan en organismos asistenciales, educativos, de salud y en general ya sea del ámbito público o privado)face=Arial color=black style="BACKGROUND-COLOR:#FFFFFF">,  Ley Nº26.206 de Educación Nacional en su artículo 67: cuyo marco legal establece, para la escuela y los docentes, la obligatoriedad de “intervenir en forma ética y responsable ante las situaciones de vulneración de derechos.” Este marco normativo y el uso que se le da al mismo nos ubica en algunas paradojas:




    • se observa que cuanto más los actores se centran en el uso de los protocolos, más pierden de vista la particularidad de la situación face=Arial color=black> 

    • a la vez que la normativa  habilita (es decir, posibilita un tratamiento del “abuso”) instala un borramiento del sujeto niño, que los discursos jurídico, médico van objetivizando. face=Arial color=black> 




Por otra parte, coincidiendo con Volnovich J. (2002) la práctica concreta parece no cumplimentar con lo establecido en las legislaciones. En la mayoría de los casos, la intervención se dirige en la mayor parte a la comprobación de la veracidad de los hechos, en vías de alcanzar una verdad fáctica en función de la cual determinar un agresor para luego “intentar” algún tipo de sanción. Por esta razón, en la mayoría de los casos se pierde de vista la obligación de protección del niño, privilegiándose la represión del delito.


Es así como la situación de los niños tensiona entre un cierto abandono que tiene su correlato en el marco de época, y por otro, el intervencionismo que deriva de los modelos hegemónicos. Así, el exceso de intervención y el asistencialismo nos muestran su reverso. El sujeto queda en una situación de desamparo ante políticas públicas que oscilan al mismo tiempo entre un cierto autoritarismo tecnocrático y la dejación de responsabilidades.


Una aplastante lógica neoliberalista nos abruma con respuestas y soluciones, sin un tiempo previo para formular ni la pregunta ni el problema. ¿A qué responden realmente tantas respuestas, tantas soluciones, tanta precipitación? ¿Qué fue de las preguntas?


Ante estas paradojas es preciso un movimiento analítico: el que va de lo macropolítico a la micropolítica (PARDO 2003). La violencia, los abusos, la vulneración de derechos son problemas atendidos por la macropolítica que instaura un marco, el cual genera efectos en las prácticas, que se dirimen en la micropolítica de las instituciones. Bayeto (2016) señala face=Arial color=black>algunos aspectos que considera relevantes para las políticas públicas dirigidas a los Equipos de Apoyo y Orientación, entre los que señala: visibilizar la burocratización de las prácticas profesionales, caracterizando las condiciones de posibilidad de los efectos paradojales de la aplicación acrítica de las normativas, tomar en cuenta la tendencia a automatización de las derivaciones y el malestar educativo derivado de la emergencia de situaciones problemáticas ante las cuales los agentes se declaran desinstrumentados y resaltar la dimensión ética y política de las prácticas, lo cual implica resituar el tipo de responsabilidad


Por eso, teniendo en cuenta los referentes teórico metodológicos enunciados, se propone un modo de abordaje que busca interferir la lógica burocrática para atender el problema sosteniendo la especificidad de las funciones de los diferentes agentes intervinientes,  a los efectos de atender la singularidad: “Sostendremos que, en tanto infancia opera como significante en la singularidad biográfica y, desde allí se proyecta a lo colectivo, el enunciado sobre la caída/fin de la infancia, tanto como admitir a los niños como consumidores, justifica la definición de nuevas infancias y adolescencias, lo cual habilita un campo de desujeción y de deshistorización. Allí mismo se desliga a lo infantil que cada uno porta y, además, lo que aparece como nuevo en el comportamiento de los infantiles sujetos, se presenta al modo de lo siniestro, en lo real de la escena”. (MINICELLI 2015).


Bibliografía:


- BAYETO, G (2016) Los Equipos de Apoyo y Orientación Escolar y sus normativas desde la perspectiva de las políticas públicas de inclusión educativa: el caso de los Departamentos de Orientación Educativa (DOE) en escuelas medias públicas de la Ciudad de Buenos Aires. Problemas y debates para la investigación sobre sus prácticas. Revista Investigaciones en Psicología. Facultad de Psicología. UBA. Año 21 Nro. 1


- BOTAS, A (2011) Paradoja de la seguridad en “Violencia en las escuelas” Grama. Buenos Aires -  CALVI, B. (2005) “Abuso sexual en la infancia” Buenos Aires. Lugar editorial


- Ley Nacional 26.061 de Protección Integral de Niños, Niñas y Adolescentes (2005)


- MINICELLI, M. (2011) Infancias en estado de excepción. Derechos del niño y psicoanálisis Serie interlíneas. Noveduc


-PARDO, J.L. (2003) Breve historia de la micropolítica en href="http://elpais.com/diario/2003/09/06/babelia/1062803168_850215.html">http://elpais.com/diario/2003/09/06/babelia/1062803168_850215.html


- UNICEF, Abuso sexual infantil contra niños, niñas y adolescentes. Una guía para tomar acciones y proteger sus derechos. Fondo de las Naciones Unidas para la infancia (UNICEF), noviembre 2016


- UNICEF Por qué, cuándo y cómo intervenir desde la escuela ante el abuso sexual a niños, niñas y adolescentes


- ZELMANOVICH, P. (2014) Espacio educativo y tratamiento de lo paradojal. En: Cuadernos de notas. Ministerio de Educación. Dirección Nacional de Políticas Socioeducativas DNPS. Centros de Actividades Infantiles CAI. Buenos Aires: Ministerio de Educación. Argentina. En prensa
Título: TDAH;O desafio da escola contemporânea
Autor: Luciane Martins Alfradique
Coautor(es): Cristiana Carneiro
E-mail: lalfradique@hotmail.com
Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UFRJ
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Resumo
O presente trabalho se insere em uma pesquisa de mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que se encontra na fase de revisão da literatura, tendo como objetivo traçar um percurso histórico e reflexivo acerca do (TDAH) Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, estabelecendo um paradigma com a teoria da angústia em psicanálise e a medicalização. Abordaremos diferentes autores que trabalham esta temática. Para alguns, esse transtorno é uma doença de origem neurológica, em contrapartida, há autores que defendem a importância dos fatores psicossociais.

Palavras chaves: TDAH; medicalização e psicanálise

Introdução

O presente trabalho é parte da pesquisa bibliográfica do curso de mestrado da UFRJ sobre a temática do TDAH. Iniciaremos com uma trajetória histórica deste transtorno, até a atual classificação, contida no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental DSM V(2013). Demarcaremos as diferentes formas de abordagem desta problemática, a partir dos estudos de vários autores e traçaremos uma correlação com a teoria da angústia em psicanálise e o conceito de medicalização.
Na contemporaneidade, muito se tem estudado acerca do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) por se tratar de uma questão bastante polêmica e controversa. Esse transtorno tem sido endereçado à psiquiatria e à neurologia. Para alguns autores, esse transtorno é de origem neurológica, já outros enfatizam a interferência de fatores socioculturais.
Tornou-se frequente que crianças em idade escolar, ao apresentarem comportamento de desatenção e agitação, recebam indiscriminadamente o diagnóstico de TDAH, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Este transtorno surgiu no início do século XX, quando surgiram os primeiros conceitos de hiperatividade, nomeados de “Instabilidade Motriz” (Ajuriaguerra), e em 1947, corrente anglo-saxônica desenvolveu uma concepção neurológica, segundo a qual os distúrbios de comportamento e de aprendizagem das crianças estariam relacionados à existência de uma “lesão cerebral mínima” (LCM). No entanto, em 1962, constatou-se a inexistência de qualquer lesão cerebral, razão pela qual o mesmo quadro passou a ser denominado como “disfunção cerebral mínima” (Collares e Moysés, 1996).
Em 1968, de acordo com o DSM-II, o quadro sintomático acima descrito passou a ser intitulado “Reação Hipercinética da Infância” e, conforme a Classificação Internacional de Doenças (CID-9,1975), “Síndrome Hipercinética da Infância”. O DSM-III (1980) renomeou a nomenclatura para Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem hiperatividade; e, em 1987, o DSM-III-R(1987) novamente alterou a terminologia para Transtorno de Déficit de Atenção por Hiperatividade (WEISS 1995).
Na publicação do DSM-IV, em 1994, o transtorno apareceu com distinção de tipos e é definitivamente reconhecido como um dos problemas mais graves da saúde pública americana (CALIMAN, 2008).
Podemos observar que, ao longo de aproximadamente 30 anos, não houve apenas uma mudança de denominação atribuída a um determinado conjunto de sintomas, mas sim uma nova compreensão acerca de reações ordinárias da infância. Dessa maneira, aquilo que outrora era entendido como uma simples reação hipercinética passou a ser concebido como um transtorno enquadrado, descrito e nomeado em manuais de psiquiatria.
As características deste transtorno, conforme a classificação do DSM-IV, situam-se em torno de três sintomas: desatenção, hiperatividade e impulsividade. A característica essencial deste transtorno é o padrão persistente de desatenção e ou hiperatividade, mais intenso e frequente do que o observado em crianças da mesma faixa etária e do mesmo nível de desenvolvimento (DSM-IV 1994).
Atualmente, o transtorno, objeto de estudo desta pesquisa, está descrito no manual CID-10, como Transtorno Hipercinético, e no DSM-V, como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Nesse último, os “subtipos” foram retirados, e optou-se pelo emprego do termo “apresentação”, indicando que o perfil de sintomas atuais pode se modificar com o tempo.
Segundo Moisés, o diagnóstico de TDAH está sendo feito em um percentual muito grande de crianças indiscriminadamente, e o conhecimento médico exige que se assuma que isso é um produto social e não uma doença inata, neurológica e muito menos genética, ou seja, trata-se de algo que socialmente vem se produzindo.
O psiquiatra Peter Bregguin (2002) afirma não haver provas que evidenciem a existência do TDAH e que nunca foram encontradas diferenças orgânicas cerebrais ou reações bioquímicas diferentes em crianças hiperativas. Sendo o diagnóstico essencialmente clínico, o comportamento continua a ser o único
Caliman (2009) definiu como “fato TDAH este aumento significativo de pesquisas que associam o suposto transtorno a consequências sociais, econômicas, políticas e morais adversas”.
A medicação pode se constituir como uma estratégia organicista, que tenta responder aos sintomas gerados pelo mal estar escolar e familiar das crianças, na atualidade nomeados de TDAH. O Metilfenidato, conhecido como Ritalina, prescrita para crianças com TDAH, com o objetivo de melhorar a concentração, diminuir o cansaço e potencializar o acúmulo de informação em menos tempo possível, ocorre que “essa droga pode trazer dependência química, pois tem o mesmo mecanismo de ação da cocaína, sendo classificada pela Drug Enforcement Administration como um narcótico” (MOYSÉS, 2013).
Pensar o TDAH a partir da psicanálise não deixa de ter relação com que Freud e Lacan conceituaram sobre a angústia e a expressão no próprio corpo. Freud, em seu artigo “Inibições, sintomas e angústia” (1926), apresenta estes três conceitos como três modos de resposta do sujeito frente ao real do trauma.
Metodologia

No alcance do objetivo desta pesquisa de mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a metodologia adotada, através da leitura crítica e reflexiva de diferentes autores, será estabelecer comparações acerca dos conceitos e das diversas modalidades na forma de olhar e descrever o TDAH, a fim de comprovar se esse transtorno é uma doença de origem neurológica, ou se é uma doença causada pela interferência de fatores psicossociais, o processo da medicalização e a possível relação com o conceito de angústia.
Essa pesquisa fundamentar–se-á nos conceitos de autores clássicos da psicanálise: Freud e Lacan e de autores contemporâneos que tratam desta temática.

Discussão

Pensar o TDAH como mal-estar contemporâneo relacionado à escola e à família e endereçado à psiquiatria é pensar uma nova criança, calada, medicada enquanto sujeito na sua subjetividade. A criança diagnosticada com TDAH é considerada “desenquadrada socialmente”. Assim, questões comuns da infância passaram a ser inseridas e nomeadas no manual de psiquiatria. Ficamos com as seguintes questões: Para onde caminha a infância? Como será a vida adulta destas crianças medicadas precocemente com psicotrópicos para atender uma demanda de comportamento escolar dentro de padrões normativos sociais?
Ao medicalizar todos os comportamentos da criança, há um perigo de reduzi-la a um estado doentio e assim perdermos de vista a sua essência, suas necessidades, suas demandas, seus desejos.
Assim sendo, o diagnóstico de TDAH reduz a dimensão subjetiva ao real do corpo. A psicanálise trata do sujeito singular, no qual o sintoma é uma construção do sujeito, como expressão do funcionamento inconsciente. A medicina se contrapõe a este discurso, calando o sujeito com a medicação.

Referências
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Título: O DESEJO E O NÃO DESEJO DE SABER NA ADOLESCÊNCIA
Autor: Lucineia Silveira Toledo
E-mail: lstoledo.lu@gmail.com
Instituição: FAE - UFMG
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Para a psicanálise, a atividade de pensar e o desejo de aprender estão intrinsecamente relacionados com a sexualidade e a pulsão. Entretanto em nossa pesquisa, cujo tema central foi a situação de analfabetismo funcional entre adolescentes de 15 a 18 anos, matriculados em turmas de aceleração de estudos em escolas públicas de Belo Horizonte, era grande a queixa da falta de interesse dos alunos pelos conteúdos escolares. Em entrevistas com os professores foram inúmeros os relatos de preocupação com sua ‘apatia’ em relação ao conhecimento: “eles não querem saber de nada”. Mas se eles se encontram em um momento, em cuja apreensão do conhecimento é es¬trutural, porque se apresentam tão apáticos e desinteressados frente aos saberes escolares propostos? O presente trabalho propõe discutir e refletir essas questões, a partir da abordagem de alguns dos conceitos fundamentais da psicanálise – sublimação, recalque, recusa, inibição e sintoma.
Palavras-chave: Adolescência. Sintoma. Saber. Desejo


2- Introdução:

Durante nossa pesquisa de Doutorado, em que acompanhamos várias turmas de aceleração de estudos, em diferentes escolas, sempre, chamou-nos muita atenção o nível de desinteresse entre os adolescentes em realizar as atividades propostas, sejam elas quais forem. Um fato curioso observado por vários professores é a preocupação dos alunos em apenas copiarem as respostas das questões trabalhadas nas disciplinas, sem se envolver com o objeto de estudo e tentar resolvê-las por si mesmos.
Em entrevistas com os professores dessas turmas, são inúmeros os relatos de preocupação com a “apatia” de grande parte dos alunos em relação aos conhecimentos escolares: eles não querem saber de nada, não fazem nada em sala, não querem nada.
Se a adolescência se constitui como um momento em que a apreensão do conhecimento é es¬trutural, pois se trata de uma fase em que se aprofundam os conteúdos das disciplinas, visto que o adolescente já seria capaz de operar com o pensamento conceitual e com os conceitos científicos (Vygotsky, [1928-1931]1996), interrogamos o que leva os adolescentes a terem esse comportamento de apatia e desinteresse pelo conhecimento. O que faz com que eles não desejem saber?
O fenômeno da aprendizagem foi alvo de interesse de Freud, desde seus primeiros escritos, onde tenta aplicar alguns dos conceitos fundantes da psicanálise à educação. É o caso do conceito de sublimação, a recusa como sintoma que discutiremos ao longo desse trabalho, para refletir acerca do desejo e do não desejo de saber na adolescência. E especialmente para os adolescentes que apresentam baixo nível de letramento ou de alfabetismo funcional, como foram os sujeitos de nossa investigação.

3- A atividade de pensar, para a Psicanálise, está intrinsecamente relacionada, desde a infância, com a sexualidade e a pulsão. Freud (1908) afirma que uma criança iniciará em sua atividade de pensar quando começa a perguntar-se sobre sua origem. A famosa pergunta “de onde vêm os bebês” traz em seu cerne a questão do desejo e o enigma do desejo do outro. Se elas existem é porque alguém assim o desejou.
Com a entrada na escola, espera-se que parte dessa investigação sexual da criança durante a passagem edípica seja sublimada em “pulsão de saber” (Kupfer, 1992:81). A sublimação aconteceria por uma necessidade inerente à constituição do sujeito, para que se desse um deslocamento dos interesses sexuais para os não sexuais, que seriam os objetos do conhecimento. A força dessa pulsão continua, então, a estimular as crianças a seguirem investigando de outras maneiras sobre suas questões fundamentais.
Os conceitos de “sublimação” e de “pulsão” propostos por Freud (1905; 1910) estão muito relacionados com a questão do saber e do desejo de saber, bem como com o saber transmissível e o do inconsciente, a partir de sua teoria sobre o período de latência.
Além dessas questões iniciais feitas pelas crianças que as impulsionam ao movimento ativo para satisfazer suas curiosidades, há também outra questão que remete ao momento crucial e decisivo na teoria freudiana, em que ele aborda sobre a descoberta da diferença sexual anatômica, e, com isso, o temor pela castração. É o que Freud denominou de “angústia de castração” (Freud, 1905), que se revela mais significativamente na passagem pelo Complexo de Édipo.
Freud reflete que é justamente essa angústia dada pela descoberta da diferença sexual anatômica que faz com que a criança deseje saber e fazer investigações em busca das respostas a essas questões sexuais. Esse é um momento considerado por ele, como primordial na organização psíquica, pois aquilo que ele denomina de castração representa a operação que o sujeito terá de simbolizar a respeito da diferença entre os sexos. Desta maneira, o registro da ausência do pênis na mulher se constituiria como uma questão narcísica. Esse momento seria o que Freud denomina de “segundo momento de castração”, quando a aceitação desta diferença implicaria na experiência de ameaça com respeito ao próprio pênis.
O texto também enfatiza o caráter emocional implicado nesta elaboração, lembrando que ela só se torna possível após um longo período de recusa (Zimmermann, 2001a). E se a recusa, inicialmente, faz parte da vida psíquica da criança, ela pode ser considerada patológica se persistir na vida adulta. Este conceito é discutido por ele neste texto, articulando-o com a questão da perversão e da psicose.
Zimmermann (2001a) coloca que nesse momento duas questões fundamentais da estruturação psíquica são mobilizadas: uma é a questão do narcisismo, e a outra são a presença e a ausência da figura materna ─ cuja elaboração irá influenciar a resolução da questão sobre a diferença sexual. Esta é uma questão importante, quando se fala da puberdade e adolescência, porque, segundo a autora, no final desta passagem, há tendência a ocorrer uma intensificação de reações de recusa no contato com o conhecimento novo que pode dificultar muito seu processo escolar. A autora aborda sobre a recusa do não saber e discute certas formas discursivas apresentadas por adolescentes frente às dificuldades que atravessam no percurso escolar, explicitadas na transferência. O confronto com o não saber pode reatualizar o uso dos mecanismos de recusa da castração, de acordo com os recursos estruturais de cada sujeito. O aprofundamento dos conteúdos e conceitos científicos, a partir dos 11 anos exigem maior elaboração conceitual e abstração do pensamento, o que acaba, em alguns casos, por colocar em evidência os limites impostos por suas aptidões individuais. Na passagem da adolescência, as dificuldades impostas pelo período escolar encontrarão um sujeito mais vulnerável narcisicamente, em um momento de reatualização de suas vivências edípicas e da descoberta da castração.
Em alguns casos, o conhecimento novo pode ser considerado como o “terceiro da cena” e desempenhar a função paterna, que irá operar um corte, constituindo-se em fator de ruptura da posição onipotente narcísica mantida com a realidade. Nesse sentido, a escola e o professor podem representar perigo para o adolescente e reatualizar os primitivos mecanismos de recusa. Isso se daria em função das exigências fálicas que lhes são impostas, interna e externamente. A recusa ocorre por certo pânico narcísico que os adolescentes enfrentam diante das dificuldades do não saber, mesmo para aqueles que dispõem de estruturais que possibilitem o uso do recalcamento.
No caso dos adolescentes sujeitos de nossa pesquisa, o mecanismo de recusa podia ser percebido, quando evitavam se confrontar com atividades de leitura e escrita ou problemas matemáticos, demonstrando desprezo e desinteresse pelos conteúdos e, às vezes, também pela pessoa do professor, ou adotando condutas de indisciplina e violência em sala de aula.
Entre os adolescentes de nossa pesquisa, observamos diferentes manifestações ─ em menor ou maior grau de intensidade ─ de recusa ao saber oferecido pela escola, o que nos remete às investigações de Zimmermann (2001) sobre a reatualização de suas vivências edípicas, do confronto com a castração e com o não saber, o indizível do real do sexo, mesmo para aqueles adolescentes que, até então, vinham tendo um percurso escolar sem grandes entraves.
Porém, de maneira geral, havia um número significativo de adolescentes que já traziam problemas na apreensão dos conhecimentos próprios de cada idade, desde o início de seu percurso escolar, chegando ao final do ensino fundamental com sérias defasagens na leitura, na escrita e no raciocínio lógico-matemático. Isso nos levou a questionar se eles já não teriam desenvolvido, por algum motivo anterior, uma espécie de passividade, de inibição diante da atividade de pensar.
Tal questão nos remete ao texto “Inibição, Sintoma e Angústia” ([1925] [1926] 1981), no qual Freud diferencia três fenômenos clínicos próprios da neurose: a inibição, o sintoma e a angústia. Frente à angústia da castração, diferente da formação de sintoma, que seria um indício e um substituto de uma satisfação pulsional recalcada, a inibição é definida por Freud como um fenômeno contrário do que acontece na formação do sintoma. Há na inibição uma debilidade no Eu, que não implica um trabalho de resolução dos conflitos, como no sintoma. Para Freud, a inibição é a expressão de uma limitação funcional do Eu, que, por sua vez, pode ter causas muito diversas, sendo também diversos os mecanismos desta renúncia à função do Eu (Freud, [1925--1926] 1981).
Na inibição, o Eu se enfraquece, pois a renúncia realizada requer dele a força da ação inibidora. O Eu enfraquecido não se aventura a entrar em conflito com as demais instâncias a fim de encontrar uma solução, uma formação de compromisso, dispensando o trabalho do recalcamento: ou seja, a origem desse enfraquecimento do Eu promovido pela inibição também tem relação com um aspecto do sexual. Com a renúncia, o eu (instância onde se dá a inibição) evita entrar em conflito com o Id (Isso) ou com o Supereu. Enfraquecido, o Eu pode assim ficar preso ao desejo do outro, preso a identificações que o outro lhe atribui, sem conseguir se posicionar como sujeito de desejo, apassivando-se e renunciando ao saber e aprisionando-se ao nada saber.
Por sua vez, o enfraquecimento do Eu também pode estar relacionado ao tipo de investimento que foi dado ao sujeito pelo Outro, desde suas primeiras experiências com o corpo. Se ele não é investido suficientemente, o sujeito poderá ter dificuldades em seu processo identificatório, o que trará consequências posteriormente, como a dificuldade de elaborar fantasias e a organizar o pensamento e as representações mentais. A criança poderá dispor de poucos recursos estruturais para perguntar-se sobre si mesmo, a partir de um delineamento de sua posição fantasmática (ZIMMERMANN, 2001b).
4- Concluindo... Podemos articular essa espécie de “carência” de recursos estruturais e de enfraquecimento do Eu, discutidos até aqui, à discussão que Lacadée (2011) faz, retomando as reflexões de Aichhorn (1925), como aquela que aparece para alguns sujeitos quando se deparam com o enigma da sexualidade e da existência, no plano do simbólico. Para ele, há, na estrutura, uma carência do símbolo ou do próprio significante que o coloca em uma situação de desamparo.
Por fim, identificamos também vários adolescentes que não apresentam qualquer dificuldade no manejo dos conhecimentos escolares, tais como a leitura e a escrita, mas que não se envolvem com os mesmos, o que nos faz interrogar outro tipo de recusa. Temos questionado também o desinteresse ou a recusa do saber escolar como uma maneira do adolescente se manifestar, enquanto sujeito e de tentar se descolar do Outro suposto-saber, que não lhe dá quase nenhum espaço de interlocução.
Sobre esse tipo de rejeição ou recusa, Mannoni (1971) reflete que, muitas vezes, a impossibilidade de aprender ou de pensar revela-se como um acting out, como uma maneira do sujeito não sucumbir ao lugar de objeto de desejo do Outro. A angústia desses sujeitos se manifesta sob as mais variadas formas, tais como nas manifestações de agitação, agressividade e indisciplina. É neste ato que a criança ou o jovem instituiria a dimensão da falta na relação educativa. Na relação entre o educador e a criança é necessário que se assegure um espaço, uma distância para que o desejo possa nascer. Dessa maneira, a condição de desistência, de desinteresse, de abandono ou de revolta pode ser uma maneira de se defender da demanda de saber como gozo do Outro, que não dá o espaço necessário ao sujeito para que ele possa desejar saber.
Com tudo isso, não podemos esquecer, também, da recusa do sistema educativo em oferecer esse espaço para que as crianças e adolescentes possam advir enquanto sujeitos de desejo e consigam lançar-se em um movimento investigativo e construir conhecimentos que lhes tenham significado. E se os adolescentes já trazem um histórico familiar marcado pelo sentimento de desamparo e por uma história fragmentada, a instituição escolar pouco tem oferecido para que possam se ancorar em algum discurso que faça sentido para suas vidas.
Título: Subjetividade, Ideal e Escola- Entre a Criança Sujeito e a Criança Objeto
Autor: Luiz Carlos Coutinho da Silva Júnior
Coautor(es): Thayane Tomé; Cristiana Carneiro; Luciana Gageiro Coutinho
E-mail: luizcarloscoutinho1@gmail.com
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
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Subjetividade, Ideal e Escola: Entre a Criança Sujeito e a Criança Objeto

Resumo: O presente trabalho é fruto da pesquisa “Infância, adolescência e mal-estar na escolarização: estudos de casos em psicanálise e educação”. A partir da interlocução entre a psicanálise e educação, os casos foram organizados em quatro eixos de investigação: o eixo sujeito, família, especialista e escola. Abordaremos neste trabalho um recorte da análise do eixo escola, da categoria ideal de aluno, com suas subcategorias criança-sujeito e criança-objeto a partir do discurso de educadores. Buscamos uma reflexão sobre o olhar que os educadores têm sobre a criança/adolescente, oscilando entre aquele que prioriza o aluno como objeto do processo de escolarização e aquele que o toma como sujeito, suportando o mal-estar frente ao impossível do todo-educar.

Palavras-chave: ideal de aluno; criança sujeito; criança objeto; escola; mal-estar;

Introdução
O presente resumo é fruto de uma pesquisa intitulada “Infância, adolescência e mal-estar na escolarização: estudos de casos em psicanálise e educação”, em andamento desde 2012, quando iniciou-se o estudo exploratório que lhe serviu de base. Tal pesquisa consiste em um estudo longitudinal de casos de crianças e adolescentes encaminhadas ao SPIA, (Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência) do IPUB (Instituto de Psiquiatria da UFRJ), pela escola com queixas de dificuldades de aprendizagem e/ou agitação.
Partindo do que Freud (1930) postulou em Mal-Estar na Civilização e dos textos psicanalíticos (Manonni, 1999; Bergès, 1999; Jerusalinsky, 1999; Santiago, 2005; Kupfer, 1995, 2000, 2005; Colli, 2005; Lajonquière, 1996, 1997, 2010) supomos que o discurso médico-pedagógico sobre as dificuldades de aprendizagem e de escolarização, em muitos momentos, não considera o sujeito com sua singularidade, sua forma de ver o mundo e seu contexto. A partir destes pressupostos, neste trabalho, abordaremos um dos nossos quatro eixos de investigação na pesquisa: o eixo escola. Fruto de um trabalho de análise de falas e documentos produzidos pela escola, o eixo escola divide-se em categorias e subcategorias que, em certos momentos, encontram similaridades com categorias de outros eixos. Desta forma, este trabalho visa discutir, dentro do eixo acima citado, a categoria intitulada de “ideal de aluno” e as subcategorias “criança-sujeito e criança objeto” partindo de levantamento bibliográfico sobre o tema (e possíveis proximidades com o mesmo), das falas dos profissionais educadores que compõem o eixo escola, de relatórios de visitas às escolas e relatórios anexados aos prontuários de cada criança/adolescente.

Metodologia
O método utilizado para a pesquisa consistiu em estudos teóricos das questões do projeto, sustentadas na interlocução entre a psicanálise e a educação, e no estudo de casos baseado na pesquisa-intervenção (Castro & Besset, 2008) realizada com pais, especialistas, educadores e com as próprias crianças e adolescentes. Para isso, realizamos reuniões e entrevistas com estes participantes. Nestas ocasiões, foram discutidas algumas situações específicas envolvendo família- escola, contexto social e emocional tanto das crianças como dos pais e as dificuldades que se apresentaram no diálogo fragmentado entre os especialistas, pais, escola e crianças/adolescentes.
O material analisado no eixo escola foi composto de transcrições de reuniões com professores/diretores/coordenadores; relatórios de visitas às escolas por parte dos alunos-pesquisadores e relatórios escolares anexados ao prontuário da criança/adolescente. A partir da análise desse material foram construídas categorias e subcategorias em função dos temas e falas recorrentes presentes no discurso dos educadores. Apresentaremos neste trabalho um recorte de análise sobre a categoria Ideal de Aluno, junto com as subcategorias “criança-sujeito” e “criança objeto”. Ao iniciarmos nosso trabalho de pesquisa teórica sobre o ideal de aluno, nos deparamos com a dificuldade em encontrar conteúdo acadêmico produzido sobre a categoria destacada acima. As buscas, feitas em plataformas online de publicações acadêmicas como Banco de Teses da CAPES, PePSIC, banco de dados do LEPSI (Laboratório de estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância), Google Acadêmico, Scielo e Google Schollar nos indicaram que a literatura produzida sobre nosso tema era escassa, salvo artigos e trabalhos.

Resultados e Discussão
O ideal de aluno e o ideal de educação estão sempre presentes na escolarização, assim como os mal-estares frente aos impossíveis desses ideais, que nos constituem a todos individualmente e socialmente. Pautados em ideais imaginários, os adultos colocam as crianças na posição daquelas que os complementariam narcisicamente. Lajonquière (1997), ao trazer tal ideia, nos mostra que o ideal, quando torna-se o “pedido de complementação narcísica” (pg. 32) por parte dos educadores, quanto torna-se um pedido de ser aquele que completa uma falta constituinte de um outro (educador, neste caso), transforma-se em um ideal imaginário e é este que exige da criança aquilo que é faltoso em nossa constituição como sujeitos. Porém, quando o ideal não se pauta no narcisismo dos educadores e assume sua dimensão simbólica, expressando a dívida simbólica constituinte do sujeito, uma dívida para além do mestre que ensina, alguma transmissão é possível. Nesse caso, o conhecimento está presente para além de quem o ensina e para além do aprendiz, havendo um reconhecimento de que há uma saber pautado no simbólico e que por isso não é todo-compreensível e todo-apreensível. Afinal, “reconhecer a natureza simbólica da dívida em questão é aceitar (inconscientemente) a castração” (Lajonquière, 1997, p. 34).
É notório que as instituições escolares, até mesmo como reprodução da sociedade contemporânea, exijam e esperem das crianças/adolescentes aquilo que desejam como forma de medição do que seria um sucesso de uma boa educação. O ideal imaginário toma o lugar do ideal simbólico e com isso percebemos que na escola, com frequência, há pouco espaço para o aluno sujeito, prevalecendo o olhar para o aluno objeto (criança objeto). Notamos no discurso dos educadores uma grande tendência da escola em exigir o inatingível das crianças, centrando seu olhar muitas vezes exclusivamente nos aspectos cognitivos e em comportamento padronizado, que deixa de fora a criança viva e singular. Predominavam falas em que não reconhecem a criança como um sujeito, olhando apenas para seu comportamento padronizado, embora, em algumas situações, foi possível notar também o reconhecimento de que, para além daquele que apresenta o erro, há um sujeito com sua história, singularidade e desejo. Daremos voz aqui aos discursos presentes no âmbito escolar, a partir da apresentação de falas, a fim de trazer a nossa análise e discussão dessa grande categoria.
Começaremos com a subcategoria criança objeto, que é uma das mais presentes no que diz respeito ao mal-estar expresso pela escola diante do aluno. Tanto nas falas dos educadores quanto nos relatórios escolares, surge bastante a menção ao comportamento do aluno, aquilo que pode ser descrito do que ele faz ou deixa de fazer na escola e que não “se encaixa” no perfil desejado. Vejamos: “O aluno apresenta comportamento instável, reclama constantemente de cansaço e dores de cabeça, muda de interesse e de humor com frequência, desiste das atividades escolares sem terminá-las, por agitação e/ou dispersão.” (Professora, em Julho/2011, Caso V., 13 anos, Relatório de Pesquisa - 2014). Para a educadora, o que o aluno apresenta é um comportamento pouco ou não aceitável dentro de sala de aula, uma vez que o mesmo é “incontrolável”, solapando a tentativa de uma turma mais homogênea em relação ao modo de se comportar. A partir do acompanhamento do caso e do entrecruzamento com demais relatórios, foi possível inferir que a descrição deste comportamento se dava predominantemente no sentido de o apontar como fora da norma, o patologizando. A partir deste “desvio individual” a educadora afirma a impossibilidade de educar.
Entretanto, eventualmente encontramos professores que foram capazes de acolher, ter um olhar para a subjetividade do aluno, um olhar para criança-sujeito. “O de Matemática foi o que mais conversou comigo e o que mais se mostrou interessado no caso dela. Ele me disse que ela não tem nenhum problema, não faz o dever por que não quer. E ainda diz que “Parece que ela quer ficar nas trevas, não quer encontrar a luz”. (Pesquisadora bolsista, Caso R., 14 anos, Relatório de pesquisa – 2014). Esse professor de Matemática, em específico, reconhece que ela não faz o dever, não porque não sabe, e sim porque não quer. Para além da relação aluno-professor, ele conseguiu ver a singularidade de R. no momento em que olha para essa adolescente enquanto criança-sujeito e diz algo, da maneira como lhe ocorre, sobre quem ela é como sujeito: “ela quer ficar nas trevas”. A consequência deste olhar é que, apesar das dificuldades, ele não vê sua educação como impossível.
Ao travar um diálogo com o campo da Educação, a Psicanálise traz para a reflexão que o ideal e o mal-estar são estruturais à constituição do sujeito na cultura. Afinal, só há uma educação possível, pois o ser humano se referência a um outro para sua própria constituição enquanto sujeito, mesmo que nunca possa corresponder completamente aos ideais que se endereçam a cada um de nós. (Carneiro & Coutinho, 2015). Admitindo que sempre haverá algo do sujeito que não se submete a uma educação e que esta educação nunca poderá ser plena, Carneiro e Coutinho (2015) sugerem que o aluno que não se submete é ao mesmo tempo o aluno que constitui sua subjetividade de forma singular neste encontro com os saberes. Portanto, mesmo que haja um ideal, o sujeito há de se fazer presente, pois é assim que a criança pode “apre(e)nder”, se apropriar do conhecimento que lhe foi transmitido de sua própria forma, dentro de suas possibilidades, como nos fala Lajonquière (1997). Enfatizamos que se faz necessário tornar possível o espaço flexível entre o ideal e o real da criança/adolescente, a fim de trabalhar para dar lugar à existência, para além do aluno objeto (criança objeto) ao aluno sujeito (criança sujeito) dentro da instituição escolar.

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Título: Professores de apoio: de especialista a cuidador
Autor: Marcio Boaventura Junior
E-mail: marcioboaventura@gmail.com
Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais
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Professores de apoio: de especialista a cuidador
O professor de apoio é o docente especializado em educação especial que auxilia o aluno que necessite, no contexto de ensino regular, de apoios intensos e contínuos, atuando junto ao professor regente da turma. Porém, suspeitamos que o mesmo possa ter se fixado no papel de cuidador, não encontrando meios e desejo de exercer sua função pedagógica. Seja pelo estigma que rodeia a criança deficiente nas escolas regulares, seja pelo enfraquecimento político do cargo na rede pública de Minas Gerais, seja pela dificuldade de estabelecer laços colaborativos com os colegas de trabalho, ou mesmo por se esquivarem de realizar as funções deles esperadas por não se acreditarem aptos a realizar tais ações. A nossa questão é entender se o professor de apoio não estaria sendo recebido com desconfiança nas escolas, não obtendo êxito em promover integrações, minimizar distâncias e ajudar no processo educativo das crianças com deficiência.
PALAVRAS CHAVE: professor de apoio, educação especial, profissão docente.
APRESENTAÇÃO
O professor de apoio permanente em sala de aula é o docente especializado em educação especial, ou habilitado para exercer tal função, que auxilia educacionalmente o aluno que necessite, no contexto de ensino regular, de apoios intensos e contínuos, auxiliando o professor regente e a equipe técnico pedagógica da escola . Ele atua no apoio pedagógico ao processo de escolarização do aluno com disfunção neuromotora grave, deficiência múltipla e/ou transtornos globais de desenvolvimento. A esse apoio subentende-se, conforme legislação vigente, uma ação essencialmente integrada com os professores regentes, objetivando propiciar o acesso do aluno à comunicação, ao currículo, por meio de adequação de material-didático pedagógico, utilização de estratégias e recursos tecnológicos.
Uma vez que a criança é enquadrada pelo discurso médico nos pré-requisitos legais de aluno com deficiência (estabelecidos pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais), a escola recebe o direito de contratar um profissional especializado na Educação Especial que passará a acompanhar tanto a criança quanto auxiliar o professor regente naquilo que se fizer necessário para efetivar o processo da inclusão escolar e aprendizagem do aluno com necessidades educativas especiais. Esse professor acompanhará o professor regente da turma na qual o aluno com laudo se encontra matriculado ao longo do período letivo.
Quando uma criança recebe a autorização para ser acompanhada por um professor de apoio, suspeitamos que tanto a administração da escola celebra o ocorrido, pois espera-se que a presença desse profissional amenizará os problemas e questões que um aluno considerado “difícil” ou de “inclusão” produz no cotidiano escolar.
O que desconfiamos com os relatos que ouvimos dos professores de apoio entrevistados é que, para além do sucesso ou fracasso da atuação deste profissional junto à criança diagnostica com necessidade de uma educação especial, muitas vezes a presença de um professor de apoio acaba por desencadear outras dezenas de efeitos que, não tão raramente, geram outras dificuldades e reforçam o estigma da exclusão tanto na criança quanto no próprio profissional. Especialmente no que diz respeito aos professores regentes que, pela fala dos professores de apoio, não vem demonstrando esperança na melhoria da situação do aluno com a presença dos mesmos na classe.
O presente trabalho, resultado parcial de uma pesquisa a nível de doutorado, visa, através de entrevistas de orientação clínica, dar voz aos professores de apoio para que esses produzam e possam dizer sobre si, suas trajetórias, incluindo a sua atuação docente como professor de apoio na rede pública de Belo Horizonte. Intentamos analisar as causas de suas escolhas por tal função, bem como desenvolvem as atividades a ela inerentes e que efeitos isso gera em sua condição pessoal e profissional.
PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS
Através de uma abordagem qualitativa de pesquisa, por se tratar de um estudo que tem como foco o professor de apoio (AEE), faz-se necessário uma metodologia que favoreça ao mesmo tempo a descrição e o entendimento dos múltiplos significantes, explícitos ou não, que se manifestam no ato cotidiano e concreto desse sujeito.
Para Pereira (2010), é preciso olhar além das teorias consolidadas e dos discursos hegemônicos, sendo necessário levar em consideração “as estruturas discursivas, os atos da fala que revelam verdades superpostas, as intenções estranhas, as forças sociais, as imprevisibilidades, ou seja, as subjetividades construídas como efeito de tais discursos”.
Segundo o autor, a orientação ou atitude clínica é um dispositivo aplicado ao campo social baseado no princípio freudiano “lembrar, repetir, elaborar”, de seu artigo de 1914. Assim, o intuito é de sempre privilegiar a fala dos sujeitos, suas múltiplas relações com a escola, com as especificidades da função, com o aluno assistido e com os demais alunos com o qual interage, com as famílias dos mesmos, com seus colegas de trabalho e gestores, bem como suas múltiplas relações com eles mesmos com base em suas próprias trajetorias profissionais.
Do ponto de vista da condução, a atitude clínica baseia-se essencialmente em fazer o sujeito falar a partir de suas lembranças, em intervir, tendo em foco as possíveis repetições, e propiciar novas posições de sujeito, ou deslocamentos subjetivos produzidos pela fala. Salientamos que esta orientação não é um guia infalível, mas é uma referência a um questionamento constante das situações vivida pelo sujeito ou pela instituição (CIFALI, 2001, p. 106). Para a autora, a clínica, em um sentido amplo, é aquela que, ante uma problemática complexa, tem regras e dispõe de meios teóricos e práticos para avaliar a situação, pensar em intervenções, colocá-las em prática, analisar seus efeitos e corrigir a pontaria.
Assim, as entrevistas guiadas pela orientação clínica permitem, para além da coleta do material a ser analisado, que o objeto pesquisado seja tratado enquanto sujeito que é, permeado pelas contradições, conflitos e incertezas, que por aparecerem na fala, são também escutadas na orientação psicanalítica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Se a saída que a política educacional tem buscado para a questão da inclusão de alunos com necessidades educativas especiais é a presença de um especialista para auxiliar o professor regente na elaboração e condução de um trabalho diferenciado de acordo com as necessidades do aluno, talvez tenhamos que começar a pensar o porquê da resistência por boa parte dos docentes das escolas frente a essa saída.
O professor de apoio seria um profissional que deveria ter “como base de sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais da docência e capacitação específica na área da deficiência que irá atuar” (MINAS GERAIS, 2014). Silva reforça a expectativa política de uma atuação mais técnica do professor de apoio ao apontar que a história da Educação Especial no Brasil apresenta, de forma preponderante, a presença do especialista:
Desde as primeiras iniciativas em instituições especializadas, ainda no século XIX, até a circulação dos ideais da Educação Inclusiva (...), percebe-se a disseminação e extrema valorização do saber técnico. (SILVA, 2016, p.15/16)
A autora ainda observa que a lógica instrumental, do como fazer, que obedece a um paradigma de racionalidade técnica tem recebido ascensão e valorização nos discursos produzidos e disseminados pelas legislações e propagandas em textos de revistas especializadas.
Acontece, todavia, que ao conversar com alguns professores de apoio percebemos que os mesmos realizaram suas capacitações e especializações em cursos online de duvidosa qualidade. Confessando alguns, inclusive, que só teriam se dedicado ao estudo do tema e função depois do término da formação.
Um professor de apoio narrou que, ao ser convidado pelo vice-diretor da escola para atuar nessa função, foi orientado pelo mesmo a se matricular no curso X, tendo o cuidado de escolher a carga horária necessária para que sua certificação fosse aceita pela Secretaria de Educação. Ele contou que logo após pagar o valor total do curso, a plataforma online foi liberada com os textos do curso e, ao mesmo tempo, o link para a realização da avaliação final. Ele, sem ler nenhum material do curso, realizou a avaliação intuitivamente e foi aprovado com 86% de aproveitamento. Tudo isso minutos depois de acessar o sistema eletrônico do curso. Com a aprovação já registrada no sistema, ele precisou esperar passar o tempo necessário para que a carga horária na qual se matriculou se validasse e ele pudesse emitir os certificados.
Esse caso foi narrado em uma conversa entre professores, durante o intervalo das aulas, quando um deles perguntou como proceder para conseguir trabalhar como professor de apoio.
Sem entrar no mérito da capacidade desse professor de exercer as atividades enquanto professor de apoio, tal circunstância levanta uma sombra sobre o preparo ou mesmo a capacidade do professor de apoio exercer suas funções diante os outros colegas professores regentes. Como se, na prática, não fosse necessário nenhum preparo para exercer a função. Dessa forma, qualquer um pode fazê-lo, inclusive o próprio professor regente, o que minimamente desqualifica, ou dispensa a presença do suposto especialista.
Casos como esse não são raros. Mesmo com as novas diretrizes da Secretaria de Educação que enrijecem um pouco as exigências para a atuação como professor de apoio, como a priorização nas designações daqueles profissionais que apresentem pós-graduação latu senso em detrimento das capacitações. Ocorre que os professores matriculados nesses cursos também compartilharam não ler todos os materiais disponibilizados e trocam os gabaritos das respostas das avaliações de fim de curso entre si. Alguns deles contaram sequer conferir as respostas dos gabaritos passado pelos colegas com os textos bases antes de finalizar as avaliações. Assim, a formação em alguns desses cursos se resumiria a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso.
Com isso, se o professor de apoio seria o profissional para trabalhar lado-a-lado com o professor regente, somando ao apresentar sua formação especializada no trabalho com as crianças e adolescentes que necessitam de atendimento educacional especializado, desconfiamos que, independente de uma boa capacitação ou não para atuar, essas histórias de bastidores já macula a confiança entre os pares.
Não é raro ouvir dos professores que os regentes de turma solicitam no início do período letivo aos supervisores e diretores para não terem crianças com necessidades de atendimento educacional especializado em suas turmas. E, caso algum aluno demonstre ao longo do ano letivo a necessidade de acompanhamento, ouvimos uma professora partilhar preferir “aguentar a criança com laudo sozinha numa turma com 30 alunos do que aguentar um professor de apoio mala”. No inverso da moeda, quando a experiência entre professor de apoio e professor regente dá certo, as falas giram em torna da “sorte que eu dei”. É interessante observar que o que deveria ser um auxílio certeiro - sempre para o benefício do aluno amparado - passa a ser visto como sorte para as partes envolvidas.
Com esse cenário posto, os professores de apoio escutados narram que na prática, acabam sendo convocados a prestar não uma função pedagógica nas escolas, mas sim, se veem inseridos em demandas que tratam muito mais do “cuidado”, da higienização, do controle das condutas desviantes, etc. Seu lugar acaba sendo descrito pelos mesmos como o da “babá”, subsumida no cenário escolar, sem voz e lugar para atuação pedagógica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL (1994). Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96). Ministério da Educação, 1996.
BRASIL. Diretrizes Operacionais do Atendimento Educacional Especializada na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Brasília, 2009
CIFALI, M. Conduta clínica, formação e escrita. In: PERRENOUD, P. et al. Formando professores profissionais: quais estratégias? Quais competências? 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. Pp. 101-115.
PEREIRA, M. R. O sintoma ou o que o sujeito tem de mais real. Dossiê Psicanálise e Contemporâneidade. Revista espaço acadêmico, n.131, abr. 2012. ano XI.
_________. La orientación clínica de trabajo como cuestión de método a la psicología, psicoanálisis y educación. In: La formación del psicólogo en el siglo XXI. Rosario, Argentina: UNR, 2011.
SILVA, K.C.B. Educação Inclusiva: Para todos ou para cada um? Alguns paradoxos (in)convenientes. São Paulo: Escuta, 2016.
Título: Conversação com professores de educação infantil sobre suas experiências com alunos autistas incluídos em classes regulares
Autor: Maria Angélica Augusto de Mello Pisetta
E-mail: angelicapisetta@yahoo.com.br
Instituição: Universidade Federal Fluminense
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RESUMO
A inclusão de autistas é uma realidade recente e desafiadora que produz muitos desafios e possibilidades. Trabalho novo, um a um, precisa ser então inventado e conduzido, por professores, alunos, equipe, em torno do que não se conhece. Nesta oportunidade procuraremos discutir os primeiros resultados de nosso projeto de pesquisa e extensão onde estamos ouvindo, através da conversação, as demandas de professores da educação infantil da rede pública municipal de Petrópolis, sobre os impasses, as construções, a angústia ligada à falta de saber, visando considerar o mal estar que se apresenta em torno destas experiências. Buscamos discutir ainda como as identificações prévias ao trabalho com alunos autistas podem ser enunciadas, visando à subjetivação dos participantes da pesquisa. Palavras-chave: autismo; conversação; discurso; educação infantil; Lacan.
INTRODUÇÃO
Buscamos nessa oportunidade discutir o alcance da conversação com método de abordagem psicanalítica das questões em torno da inclusão de alunos autistas de educação infantil. A partir da experiência de pesquisa e extensão em torno dessas questões, apresentaremos os primeiros frutos da realização de encontros de conversação com professores de educação infantil do municipio de Petrópolis, onde estamos realizando esta intervenção psicanalítica no decorrer deste ano de 2017. Também estamos tomando como objeto o conceito de autismo a partir da compreensão de Maleval (2007) do autismo como estrutura onde o gozo retorna na imagem e suas implicações para a socialização e escolarização do aluno autista. Desta forma, buscamos construir conhecimento acerca das dificuldades e possibilidades de inclusão de crianças com autismo infantil, no que diz respeito, sobretudo, às encontradas pelos professores, no contato com a diferença radical que o autismo comporta.
Por objetivos específicos procuraremos circunscrever a a conversação como método de abordagem das questões que se apresentarem no grupo de professores com alunos autistas, na apreciação do alcance do equívoco como ferramenta principal do discurso do analista (Lacan, sem, XVII), e dos desdobramentos dessa escuta e intervenção na subjetivação dos professores com os quais trabalhamos.
METODOLOGIA
Nosso projeto de pesquisa e extensão que servirá de base para nossa apresentação se situa como uma pesquisa bibliográfica suplementado pela realização de uma pesquisa qualitativa, com amostra intencionalmente selecionada. Nestes, em grupos de conversação, com ênfase especial na associação livre coletiva em torno das questões oriundas de suas relações com alunos autistas e das relações destes últimos com seus colegas e equipe escolar, visamos destacar suas experiências como docentes no enfrentamento das mudanças sociais atuais, expressas em seus relacionamentos com os alunos. Trabalhamos com a concepão de discurso do analista de Lacan (1967) e com as contruições de Soller (2006) sobre as respostas do analista que sustentam seu discurso na psicanálise estrita e na psicanálise aplicada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para além de um anseio de ampliação democrática da escola, na recepção e condução de todas as crianças com suas múltiplas diferenças, a inclusão de alunos autistas aponta para uma diversidade radical que demanda a construção de saberes e práticas diferenciadas e inovadoras. Numa primeira abordagem, tal empreendimento demanda uma capacitação permanente para lidar com estratégias dirigidas a suprir ou minimizar as deficiências sensoriais, motoras ou de simbolização. Mas ao penetrarmos mais amplamente na problemática, podemos observar que pensar sobre a inclusão de autistas se dirige a investigar e conceituar como cada equipe escolar (em sua variedade, riqueza e impasses, e por isso, uma a uma) convive e lida com as diferenças que ali se apresentam. Como salienta Suplino (2005): “Incluir seria romper o compromisso com uma determinada categoria e abrir-se para abranger (compreender) as mais diversas categorias de alunos que chegam diariamente ao ambiente escolar”, o que exige uma reformulação das classificações imaginárias que cada escola constrói em torno daqueles que escolhe para compor seu grupo. A partir da compreensão da função educativa ampliada, poderíamos elencar as funções constitutivas e terapêuticas de toda escola, desde que socializadora e construtora da sociedade.
Contudo, os padrões sociais e científicos que forjaram o sistema escolar como o conhecemos, estão arraigados como forma de controle e vigilância (Foucault, 2008), o que torna a convivência de crianças que destoem da norma sempre uma dificuldade e um desafio. Nesta perspectiva, os alunos classificados como autistas ou com transtornos invasivos do desenvolvimento, segundo a OMS (1993) por apresentarem comportamentos não esperados, estereotipados, falha ou ausência do desenvolvimento da interação social e da capacidade de autonomia relativa - podem ser recebidas com alguma perplexidade e angústia. Como sublinha Omote (1996), "as diferenças, especialmente as incomuns, inesperadas e bizarras, sempre atraíram a atenção das pessoas, despertando, por vezes, temor e desconfiança".
Outro ponto desafiador e provocador de angústia é a não resposta aos métodos de ensino-aprendizagem e a intrigante capacidade que muitos destes alunos tem de aprender sozinhos. Desde 1943, Kanner já salientava a ausência de retardo mental na maior parte dos autistas. Tendo em vista seu grande isolamento e retraimento social, as habilidades desenvolvidas por eles (como leitura, escrita, contagem, etc) muitas vezes desautorizam a mediação que o professor tradicionalmente opera. Nesse sentido, a aprendizagem dos autistas não obedece às mesmas regras dos não-autistas e precisam de outros caminhos. Demandam também outras relações e fomentam aberturas subjetivas e coletivas. Para descobri-los e, porque não, facilitá-los, a postura ética é sempre demandada, além da postura pedagógica, e implica em posicionamentos não usuais do professor e da equipe. Assim, a formação tradicional que o professor recebe não contempla, em nenhuma medida, as dificuldades que ele provavelmente encontrará com a experiência com um autista. Em contrapartida, esta inclusão, por força de lei e como imposição institucional, pode acarretar em mais exclusão, caso essa não oferta antecipada de formação específica se cristalize em oposição e identificação com a impotência, por parte do professor e da equipe escolar. Todas as experiências subjetivas e sociais que a criança experimentará terão peso sobre sua forma de contornar suas dificuldades. Deste modo, uma pretensa inclusão pode produzir mais isolamento e sofrimento. A rotina escolar propicia uma oferta de regulação, mas não pode negligenciar as dificuldades extremas que a criança autista pode ter. Por outro lado, o professor pode se ver destituído de sua função, se não encontra uma oferta de discussão e problematização de sua prática. Partimos da compreensão teórico-clínica de que a inclusão de crianças autistas e psicóticas passa pela invenção e tem relação com o Outro que não existe (Miller, 2003, p.6-12). Isso se dá, como pesamos, em virtude da falta de regulação subjetiva que a criança autista experimenta, não podendo contar com as regulações institucionais dadas a priori, ou ao menos com aquelas oferecidas pelos discursos vigentes, sobretudo na escola. Desta forma, um trabalho permanente e coletivo de invenção de laços sociais, que inclua a própria criança, é o desafio de cada equipe, para fomentar o desenvolvimento psíquico e social da criança, campo privilegiado da psicanálise aplicada. É no aprofundamento dessa esfera de conflito e fecundidade que trabalhamos, à medida que oferta aos professores um espaço de enunciação particular e de levantamento dos impasses que constituem o mal-estar em torno dessa problemática. Como pesquisa, busca fazer emergir os impasses em torno da realidade da inclusão de alunos autistas, especialmente no que diz respeito às perspectivas dos professores, através da conversação como meio de pesquisa. Em termos de extensão, visa ofertar um espaço de enunciação que fomente a construção de um saber particular, mobilizado pela coletividade dos professores presentes, num deslocamento das identificações vigentes.
Título: Reflexões sobre a formação clínica de professores de orientação psicanalítica
Autor: Maria Gabriela Guidugli Pedreira
E-mail: mg.pedreira@hotmail.com
Instituição: USP
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Resumo
Apesar da grande oferta de cursos de formação docente, estes, em sua maioria, privilegiam o conteúdo técnico/científico, em detrimento das relações subjetivas implicadas no ato pedagógico. O impossível e o mal estar, apontados pela psicanálise como inerentes à condição do professor, ficam fora de tais cursos. No avesso disto, encontramos uma formação orientada por uma abordagem clínica de inspiração psicanalítica, entendida aqui como uma atitude de pensamento, uma ética de ação e uma formação adequada. Nesta pesquisa propomos uma formação de professores clinicamente orientada pela psicanálise na qual através da análise da prática profissional se privilegie a subjetividade do professor, os limites e desafios da profissão, e permita a articulação do “eu profissional” e do “eu pessoal”.
Palavras-chave: formação de professores; psicanálise e educação; análise das práticas profissionais.

1. Introdução
Em 1925, Freud faz pela primeira vez referência aos 3 ofícios impossíveis: educar, analisar e governar, mas é apenas alguns anos mais tarde, em Análise Terminável e Interminável (1937), que Freud nos fornecerá pistas sobre os 3 ofícios (educar, analisar e governar) e sua relação com o impossível. Se, por um lado, a psicanálise aponta para a impossibilidade inerente ao ato educativo, isto é, estarmos certos de antemão de que não chegaremos a resultados satisfatórios, Lajonquière (2009) nos mostra que a educação moderna visa justamente o oposto: rechaçar a impossibilidade.
Certo dia em uma escola particular, conversando com alguns professores de ensino médio, escuto dos mesmos os seguintes questionamentos: “Para os professores da área de humanas deve ser mais fácil, mas para quem é de exatas é mais difícil. Eu amo a matemática, mas o que fazer para que o meu aluno goste de matemática?”, outro professor dizia: “eu até tento fazer com que os alunos se interessem pela aula, proponho novas metodologias, mas no fim somos pressionados a correr com o currículo por conta do vestibular.”. Podemos perceber nestas falas dos professores alguns exemplos de um discurso docente que coloca o professor na condição de professor-ideal, seguido de uma sensação de fracasso e impotência: ‘eu deveria ser assim, mas não posso porque sou professor de matemática (e não de humanas)’; ou ‘eu até queria propor novas metodologias, mas não posso porque o calendário do vestibular não permite’. Como já nos alertava Freud, o fracasso e a impotência são inerentes à condição do professor, cujo ofício faz apelo permanente à sua subjetividade. Porém, quando nos silenciamos sobre o que se passa conosco, temos um impasse que pode levar à paralisia de nossas ações, ou seja responder ao impossível inerente da profissão como uma impossibilidade concreta em que não há nada a ser feito.
A lógica do modelo ideal de professor está presente não apenas no discurso do professor, como também nas políticas e cursos de formação docente. Muito se fala da existência de uma relação direta, embora não exclusiva, entre a melhoria da educação escolar e uma formação docente de qualidade. Nunca se falou e se investiu tanto na formação de professores. Em junho de 2016, por exemplo, a tradicional revista britânica The Economist deixou de lado os assuntos econômicos e políticos para trazer à tona uma discussão a respeito da formação de professores, com o título de capa: “How to make a good teacher” (como fazer um bom professor – tradução minha).
No Brasil, a questão da formação de professores também está presente na pauta do dia. No entanto, a preocupação e o investimento que têm sido feitos na formação de professores, parecem estar vinculados ao desempenho insatisfatório dos alunos nos exames e provas nacionais e internacionais. A lógica envolvida por trás de todo investimento em formação docente por aqui também parece ser: “se o aluno só aprende com o “bom” professor, logo como fazer um bom professor?”, novamente encontramos presente, o ideal educativo. Parece mesmo não haver espaço no discurso pedagógico para os insucessos e os impasses vividos pelo professor.
Autores como Cifali (1999), Voltolini (2002) e Lajonquière (2009) nos contam que a marca distintiva do discurso pedagógico é a promoção e a sustentação de um ideal de homem, trata-se de uma idealização não apenas da profissão, mas também da própria personalidade suposta a um bom professor. Na tentativa de oferecer à criança toda a sua capacidade em prol do “bom desenvolvimento infantil”, o professor almeja tornar-se um “supereducador”, e, ao idealizar a própria profissão, afasta tudo aquilo considerado “negativo” que não pode ser integrado neste professor-ideal, mas que também é parte do ato educativo como o conflito, a falta, o fracasso e o impossível do qual nos falava Freud.
O que a psicanálise na interface com a educação pretende, como nos esclarece Voltolini (2011), é substituir este ideal educativo por uma discussão a respeito das condições de possibilidade de qualquer educação.
Chegamos, então, à pergunta que orienta nossa pesquisa: a partir das contribuições que a psicanálise nos oferece para a compreensão do discurso pedagógico contemporâneo, que se sustenta pela via de uma identificação imaginária e de um professor-ideal, como pensar uma formação contínua de professores que considere o sujeito, o inconsciente, as relações transferenciais e o impossível presente em todo ato educativo, e que permita ao professor implicar-se em seu ato e em sua própria formação?
Apesar da grande oferta de cursos de formação, seja ela inicial ou continuada, o que encontramos com maior frequência, são cursos que privilegiam o conteúdo técnico/científico, em detrimento não apenas da prática profissional como também das relações subjetivas implicadas no ato pedagógico. Ou seja, o impossível (que inclui o fracasso e a impotência) e, seu consequente mal estar, inerente à condição do professor, não apenas fica de fora nos cursos de formação docente, como também é negado pelos mesmos.
No avesso dos cursos de formação continuada centrados em aspectos técnicos e instrumentais, acreditamos em uma formação de professores orientada por uma ética, única capaz de sustentar o professor na posição incômoda daquele que exerce uma profissão impossível. Nesta perspectiva, encontramos a abordagem clínica, entendida aqui como uma atitude ou conduta particular de pensamento, uma ética de ação e uma formação adequada. O método clínico não é de uso exclusivo da psicanálise, no entanto é importante especificar que em nossa pesquisa estamos considerando apenas a abordagem clínica de inspiração psicanalítica na formação de professores, conforme estudada e praticada pelos autores: Cifali (2001); Blanchard-Laville (2005, 2007); Pechberty (2006, 2007); Almeida (2008, 2012); Pereira (2016).
Na formação contínua de professores clinicamente orientada pela psicanálise é oferecido ao professor-sujeito um espaço de fala e de escuta de situações em contexto profissional, trata-se de uma formação reflexiva que privilegia a subjetividade e a integração do “eu profissional” e do “eu pessoal”. Acreditamos que ao falar de sua prática, incluindo os desafios, sucessos e impasses que nela encontra, o professor poderá reconhecer e analisar os efeitos e a amplitude de suas ações e a de seus pares, e com isso, ressignificar seu saber-fazer e reconstruir sua identidade profissional, agora não mais baseada no registro do discurso pedagógico idealizado. Além disso, apesar de sua finalidade não ser terapêutica, no sentido da “cura terapêutica”, podemos observar nos dispositivos de formação que seguem a conduta clínica, um efeito de cuidado.
Por fim, entendemos que uma boa formação docente deve ser aquela que considere não apenas o ensino (no sentido da formação técnica), mas também que implique o professor em seu ato, em sua práxis, e ao mesmo tempo cuide deste professor-sujeito, e é nesta perspectiva que compreendemos situar-se a formação clínica de orientação psicanalítica, objeto de estudo de nossa pesquisa.

2. Metodologia
Temos como objetivo de nossa pesquisa propor uma formação contínua de professores clinicamente orientada pela psicanálise na qual através do dispositivo de análise da prática profissional se privilegie a subjetividade do professor, os limites e desafios da profissão, e permita a articulação do “eu profissional” e do “eu pessoal”.
Nossa intenção é realizar uma pesquisa-intervenção, que como o próprio nome diz, tem duas funções: a de uma investigação teórica, a fim de se buscar uma compreensão acerca do tema proposto; bem como a realização de uma intervenção, como uma possível forma de atuação transformadora da realidade subjetiva.
Para a investigação teórica, nos apoiamos na visão que nos oferecem os autores que trabalham na fronteira entre a psicanálise e a educação a respeito as características do discurso pedagógico, utilizando como referência, os seguintes autores: Imbert (2001), Cifali (1999), Lajonquière (2009, 2011, 2013), Voltolini (2002, 2011, 2016) e Pereira (2003, 2016).
A abordagem clínica não é uma exclusividade da psicanálise. No entanto nesta pesquisa nos baseamos na abordagem clínica de orientação psicanalítica para a formação de professores, conforme os estudos de Cifali (2001); Blanchard-Laville (2007); Pechberty (2006, 2007); Almeida (2006, 2008, 2012), Pereira (2016).
Diversos são os dispositivos psicanalíticos que podem dar conta desta formação clinicamente orientada, como, por exemplo, o dispositivo de conversação, os relatos e narrativas, os diários de bordo, e o grupo de análise das práticas profissionais. O dispositivo eleito por nós para a realização da intervenção proposta será o grupo de análise das práticas profissionais, que tem sua origem no dispositivo de grupo Balint. Neste percurso, nos ajudam os autores: Balint (1988), Pechberty (2006, 2007), Blanchard- Laville (2005) e Almeida (2008, 2012).
Em nossa intervenção pretendemos formar um grupo de análise das práticas profissionais a partir da participação voluntária de professores de uma escola previamente selecionada. Visamos com esta intervenção não apenas uma possível forma de transformação da realidade psíquica dos professores envolvidos, como também ampliar nossa reflexão sobre o tema da formação clínica de professores, trazendo elementos de nossa ação/intervenção para as discussões teóricas debatidas durante a pesquisa.

3. Resultados e Discussão
A forma de análise dos resultados de uma pesquisa-intervenção deve considerar tanto um aprofundamento sobre as referências bibliográficas, baseado na leitura e análise de tais referências, assim como das observações e reflexões levantadas durante a intervenção realizada. É a partir da articulação entre a teoria e a prática que pretendemos realizar uma reflexão crítica sobre a formação clínica de professores buscando responder à questão inicial da pesquisa. Precisamos ressaltar que, como todo trabalho que utiliza a psicanálise como método, nossa perspectiva é a de trabalhar o singular, o caso único, sem a preocupação de buscar as regularidades e/ou a universalização. O que pretendemos é possibilitar uma reflexão que contribua em sua singularidade para o tema da formação de professores e quem sabe, abrir novos horizontes e questionamentos a outros pesquisadores da área.
Título: Inclusão e o outro com autismo: as vicissitudes de um lugar sustentado pela escola
Autor: Maria Jéssica Rocha Lago
Coautor(es): Inês Maria M. Zanforlin Pires de Almeida
E-mail: jessicarlago@gmail.com
Instituição: Universidade de Brasília - UnB
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RESUMO
O presente artigo tem como objetivo principal apresentar a dissertação de mestrado da autora a asserção de investigar, à luz da interlocução psicanálise e educação, as vicissitudes da inclusão escolar de uma criança autista, considerando a subjetividade como efeito do discurso que se pode descrever e analisar a partir da reconstrução de suas recorrências formais. Para realizar este estudo, seguindo o procedimento metodológico do estudo de caso, acompanhou-se o processo de inclusão escolar de uma criança autista durante um semestre em uma escola pública do Distrito Federal. Parte-se do pressuposto que a escola, enquanto lugar de excelência no qual a criança passa ao status de aluno, pode se constituir interessante campo discursivo para a circulação de um outro em estruturação autística, à medida que também proporciona a convivência entre pares produzindo função de reconhecimento e transmissão de saber, o que pode possivelmente, mobilizar nova circulação discursiva e desencadear efeitos subjetivos. Destarte, propomos elaborar esses apontamentos a fim de contribuir com as discussões que envolvem os campos articulados do autismo, da educação inclusiva e da psicanálise assim como lançar novas questões para um constante (re)pensar das práticas enquanto educadores. O recorte teórico-referencial ocorreu a partir de obras de Sigmund Freud e Jacques Lacan, bem como de comentadores contemporâneos freudo-lacanianos, que inspiram e lançam as bases para o instante de ver e compreender – análise e discussão de dados, articulados em dois eixos: “ inter-relação entre pares: o que uma criança pode fazer por outra? E “entre Sila e Caríbdis: articulações sobre a atuação da professora e seus efeitos”, ilustrados a partir de cenas extraídas do hypomnemata, instrumento escolhido a partir da ideia de Foucault e utilizado para registro das observações. No instante de concluir, defendemos a ideia que escola, a partir das inter-relações entre pares e com o professor que promove, pode sustentar um lugar de inclusão com efeitos subjetivos significantes para uma criança autista.

Palavras-chave: Autismo. Educação inclusiva. Psicanálise.

INTRODUÇÃO
O imaginário e o discurso social, derivados do grande número de informações que são lançadas, seja em revistas, filmes, televisão ou na internet, abrange inúmeras (im)possibilidades em torno do autismo, que passa a ocupar um ideário deficitário de afetividade e aprendizagem, de modo generalista submetido às descrições psicopatológicas. Desejamos discorrer justamente nesta contramão, acreditando nas possibilidades que circulam, sobretudo no campo da educação acerca destas crianças que possuem um modo singular de subjetivação.
O fato das crianças autistas se apresentarem de forma a gerar essas fantasias em torno de si, não significa que são assim, mas apenas uma forma, dentre tantas, de se apresentar no mundo, realidade que pude comprovar ao dedicar meus iniciais seis anos de uma formação in continum a esta clínica.
A relevância de estudarmos uma temática relacionada ao autismo e a inclusão, consiste em que representa hoje um dos assuntos mais em voga, abarcando diversos campos do saber que se debruçam em busca de sua etiologia, ainda desconhecida, e formas novas de intervenções. Assim, nosso desejo é que este estudo possa contribuir para (re)flexão de nossa prática e a ética que se implica na forma como consideramos nossas crianças e pensamos suas capacidades para além de um diagnóstico, flexibilizando e abrindo nossas possibilidades.
Sendo este um tema tão hodierno, exige sempre delicadeza ao tratá-lo, pois carrega em suas discussões visões muito controversas. Neste sentido, no primeiro capítulo, buscamos situar nossa posição, do ponto de vista teórico-metodológico, que se dá pela psicanálise a partir da constituição subjetiva no autismo. Além da construção de um breve “estado da arte”, segundo capítulo, no intuito de apresentar algumas discussões atuais oriundas de outras áreas do conhecimento, uma vez que compreendemos que nossa escolha teórica não se implica em um “não-reconhecimento” da incidência de outras ciências, assim respeitamos e reconhecemos a atuação por outras abordagens no campo no autismo.
No âmbito escolar, podemos pensar que as crianças estão mudando e o sistema não consegue acompanhar o ritmo em que isto acontece. O crescente número de diagnósticos do Transtorno do Espectro Autista – TEA, por exemplo, é um fator que circunscreve funções caras à escola. Cabe ressaltar que no campo da educação ainda é utilizada a terminologia anterior, Transtornos Globais do Desenvolvimento, em acordo com a décima versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e problemas relacionados com a saúde, o CID-10, contudo, neste trabalho optamos por adotar somente a terminologia atual do TEA, por ser a última validada e a fim de manter a uniformidade do texto. Propomos, assim, no terceiro capítulo, discutir acerca da interlocução psicanálise e a educação estendendo no capítulo seguinte para as possibilidades ao pensarmos na inclusão escolar.
Destarte, objetiva-se investigar à luz da interlocução psicanálise e educação, as vicissitudes da inclusão de uma criança autista, considerando a subjetividade como efeito do discurso que se pode descrever e analisar a partir da reconstrução de suas recorrências formais. Para o alcance deste objetivo, propomos, os seguintes objetivos específicos: compreender como a inclusão escolar, a partir da inter-relação das crianças pode provocar efeitos subjetivos para um aluno autista; investigar se o contexto escolar, mediante atuação do professor, pode ser um campo interessante e mobilizador de nova circulação discursiva para um aluno autista; e discutir de que forma esses apontamentos podem contribuir para pensarmos a relação autismo, educação inclusiva e psicanálise.
Finalmente, apostamos que há implicações significativas derivadas do convívio em grupo entre crianças, pares, promovidas no âmbito escolar, em especial para alunos autistas. Cabendo ao professor suportar o diferente, e mais ainda, operar com ele, reordenando o campo da palavra e da linguagem, a partir de onde esta criança poderá ser relançada nas empresas impossíveis de seu desejo, considerando assim, a escola enquanto lugar potencial, simbólico e real, de efeitos subjetivos a partir das inter-relações que pode propiciar.


METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada durante o segundo semestre de 2016 em uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental, numa Escola Classe do Plano Piloto. Em conversa com a diretoria da escola foi nos apresentado uma gama de possibilidades, das quais restringimos aos alunos que estivessem em classes regulares priorizando, assim, a maior heterogeneidade subjetiva possível. Ouvimos um relato muito interessante a respeito de uma criança autista, Théo de seis anos que ingressou no início do semestre e apresentava alto grau de agressão contra si e os colegas, que chutava, empurrava e mordia. Batia as portas e não conseguia ficar muito tempo dentro da sala de aula, e que, no entanto, no segundo semestre apresentava um comportamento bem diferente. Tudo isso chamou a atenção e fizemos uma “aposta” no pressuposto que a escola poderia ter/estar sustentando uma nova possibilidade de lugar para esta criança.
No intuito de propiciar um contato mais frequente e extenso com os sujeitos da pesquisa, bem como o próprio âmbito escolar, optou-se por utilizar o estudo de caso que, de acordo com Yin (2010), concerne em uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo em profundidade no seu contexto de vida real. Sob esta perspectiva, os estudos de caso são considerados quando o investigador tem pouco ou nenhum controle sobre os eventos e o enfoque está sobre um fenômeno contemporâneo no contexto da vida real.
A investigação fundamenta-se sob a perspectiva metodológica da psicanálise, uma vez que compreendemos que esta representa uma abordagem metodológica-epistemológica pertinente à realização de pesquisas (SAFRA, 2001; IRIBARRY, 2003; GIANESI, 2004).
A psicanálise, invenção Freud, pressupõe uma teoria, uma terapêutica e um método. Considerando esta premissa, constitui um saber derivado do campo científico, no entanto, não é constituinte do mesmo, sendo a investigação em psicanálise um modo de produção de conhecimento legítimo, que conta com inúmeros trabalhos produzidos em diferentes níveis de titulação acadêmica e a fidedignidade aos princípios que subsidiam a prática da investigação asseguram o rigor à pesquisa.
Encontramos uma postura peculiar de especial respeito a cada uma das crianças por parte da professora regente da turma, justamente por isto, sua atuação veio a tornar-se um dos eixos de nossa análise, pois seria um ato de negligência desconsiderar as várias ações tomadas por esta professora que implicavam claramente em efeitos subjetivos.
Os dispositivos norteadores designados foram a observação participante, no intuito de estabelecer a maior aproximação possível com a realidade local e das crianças, sujeitos da pesquisa. Como forma de registro, utilizamo-nos de um hypomnemata, dispositivo de registro estabelecido por Foucault (1997).


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para análise, norteando-nos a partir dos objetivos desta pesquisa, buscamos compreender como a inter-relação entre pares pode provocar efeitos subjetivos e mediante a atuação do professor, as possibilidades para mobilização de nova circulação discursiva, assim, estabeleceu-se ênfase no cenário de sala aula, lócus privilegiado deste trabalho, como encontro entre subjetividades. Para tanto, utilizamos a descrição de algumas cenas para ilustrar e fundamentar discussões que se teceram a partir do meu olhar sobre elas, culminando em dois eixos a partir das relações com a professora e com as crianças, sendo:
1) Entre Sila e Caríbdis: articulações sobre a atuação da professora e seus efeitos
2) A inter-relação entre pares: o que uma criança pode fazer por outra?

Notamos que esta professora, a partir de sua posição ética frente ao outro e sua posição de suportar os “não-retornos” e faltas implicadas em sua prática, conseguia inventar, ela suportava este lugar, muitas vezes do vazio. Função, infelizmente, não tão comum quanto gostaríamos de encontrar em professores que dão lugar a uma impotência de sua própria prática e se ressentem, parados e entregues a um diagnóstico que justifica toda sua falta.
Este é um dos efeitos contemporâneos (ou não seriam, assim, tão contemporâneos? Mas, somente reincidentes?) que o diagnóstico do Espectro Autista vem causando, ao instituir uma tempestade de diagnósticos na direção da “normatização” do sujeito esvaziado de significado. A que sujeito estamos nos atendo na educação?
Obtivemos algumas compreensões, das quais, o convívio heterogêneo com outras crianças ajuda na produção de novas identificações e na construção subjetiva de uma criança autista. Elas nomeiam as ações, dão significado, comemoram e brigam juntos!
A escola opera com um campo de linguagem e de lugares onde são ofertadas marcas simbólicas pelo outro, onde a criança recebe um “banho de linguagem” (Mannoni, 1977). Deste modo, a escola, no caso de Théo, pôde proporcionar outras chances de laços, aprendizagens e circulação por um novo discurso que não fosse seu diagnóstico, configurando-se como um campo discursivo interessante.
Ainda, a escola produz função de reconhecimento ao autista, por meio da inter-relação dos alunos entre si, de modo que a convivência em grupos, dada a heterogeneidade subjetiva que proporciona efeitos subjetivantes a esta criança, de modo a provocar senão uma alteração em sua posição, no mínimo, marcas significativas no laço com o outro.
No que diz respeito a inclusão, tema tão delicado, sempre com tênues linhas, sabemos que se trata de uma aposta que devem fazer no sujeito. Ainda que a aposta não traga garantias, será ela que pode orientar “o sujeito em sua antecipação sobre o que poderá vir a ser, quer seja para aderir, contestar ou superá-la e acerca das interlocuções pensadas sobre autismo, psicanálise e educação inclusiva, entendemos que não se trata de apontar um caminho e sim de construir juntos uma possibilidade.
Título: A cultura do politicamente correto na infância
Autor: Maria Ludmila Mourão
E-mail: m_lud@hotmail.com
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A cultura do politicamente correto na infância – Maria Ludmila Mourão

Resumo:

O presente trabalho propõe uma investigação da cultura do politicamente correto na
infância, considerando-a um fenômeno contemporâneo que vem ganhando espaço a cada dia em
adaptações de músicas, literatura, desenhos animados, brinquedos e brincadeiras, atravessando a
cultura e a educação de modo geral. Essa investigação passa pela problematização dessa cultura, no
que tange a politização da infância e a moralização e racionalização da educação, a fim de
investigar onde essa cultura está subsidiada, a qual discurso pertence, por que encontra espaço em
nossa sociedade. Apoiado na articulação Psicanálise e Educação, será abordada a crise na cultura e
na educação, bem como o advento do discurso pedagógico, para assim levantar a hipótese de que a
cultura do politicamente correto é um sintoma desse discurso.
Palavras – chaves: politicamente correto; discurso pedagógico; infância contemporânea;
psicanálise;
Introdução

É possível verificar no dia-a- dia de uma criança a dimensão que a cultura do
politicamente correto tem hoje, pois está presente nos mais diversos lugares, aonde o olhar de uma
criança pode estar. A presença quase que generalizada dessa cultura demonstra como ela está
enraizada no discurso social contemporâneo, pois não é algo paralelo, mas sim parte do discurso
corrente, que rege a sociedade nos dias de hoje.

A fim de demarcar essa cultura como objeto de estudo deste trabalho faz-se necessário
defini-la por uma série de adaptações de materiais infantis, como músicas, literatura, desenhos,
brinquedos e brincadeiras, que pretendem estimular habilidades ou combater comportamentos,
pautadas em ideias generalistas e causais, que visam comportamentos padronizados, em detrimento
da dimensão simbólica e singular.

Há uma tendência de que toda ação voltada para a criança seja educativa, termo de
excelência em nossa cultura, mas que parece se aproximar mais do sentido pedagógico do que
propriamente do educativo, na medida em que visa de forma sistematizada uma finalidade. Por
outro lado, a educação pode ser pensada como Lajonquière (1999, p. 30) definiu: “entende-se por
educação apenas o dito processo relacional adulto-criança no interior do qual advém os efeitos
formativos ou subjetivantes”.

Freud (1930) ao fazer uma análise do processo civilizatório o aproxima do processo
educativo, dado que ambos se referem ao processo pelo qual o homem se torna homem
(hominização) e a exigência de uma renúncia pulsional como condição ao convívio social. Assim,
podemos pensar a educação como o dispositivo pelo qual a criança é inserida na cultura, filiando-se
simbolicamente em uma instância pré-existente, em uma “anterioridade fundadora”, que a remeta a
questão da origem, promovendo seu reconhecimento no outro e a transmissão de um saber. Há aí
uma necessária relação com o passado que confere à educação seu caráter conservador, como
formula Arendt (2003), já que esta não pode abrir mão da tradição e tampouco da autoridade para
não perder de vista seu propósito.

Hoje, a Educação Infantil, possui projeto pedagógico para crianças da mais tenra idade.
Isto nos indica que esse “processo relacional”, citado acima, que é a essência da educação, está
sendo atravessado por uma pedagogização influenciada pelos tempos modernos, onde a estimulação
ganha destaque, sob a influência de uma ideia de produtividade, rapidez e eficiência. Nesse sentido,
Voltolini (2011) fala da exclusão do sujeito que a pedagogia como representante do discurso
científico na educação produz.

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Outra característica atual são os desenhos e brinquedos educativos, com objetivos
definidos. Deixaram de ser lúdico, despretensioso, e passaram a ser educativo, prontos para
desenvolver habilidades. Esses "objetivos" são ofertados aos pais como um produto a ser vendido,
consumido. Nas entrelinhas é possível escutar: “se seu filho assistir este desenho desenvolverá
habilidades reconhecidas socialmente ou até mesmo no mercado de trabalho”. E essas habilidades,
esses objetivos propostos variam de “trabalhar em equipe” a “estimular a amizade”. Retomarei esse
ponto mais adiante.

Há aí uma ética utilitarista, uma ideia de que tudo tem que ter uma função, um objetivo,
tem que servir para alguma coisa. Uma finalidade adaptativa, que consiste na adequação a certos
parâmetros fixados dentro do normal social dominante, supondo que o bem para o sujeito é o seu
bem-estar. Na psicanálise há uma dissociação desses dois termos, ocupando-se de como cada um irá
se inscrever nesse universal, a partir de sua singularidade. (Leite,1992). Nesse sentido o discurso
pedagógico parece trabalhar para essa finalidade adaptativa, para a adequação aos parâmetros da
sociedade de seu tempo. E para tal acaba por se apoiar ao saber universitário, visando a
generalização.

Subsidiados pela a delimitação desses dois campos, a saber, a educação e a pedagogia, e
pela configuração da cultura do politicamente correto nos dias de hoje, seguiremos tratando das
questões socioculturais atuais, a crise na educação e na cultura, a fim de entender melhor qual a
relação entre esses. Como pensar os laços sociais na infância, sem que seja pela via do
politicamente correto? Como se dá a sociabilidade da criança hoje?

A queda da tradição, da autoridade e das referências simbólicas interfere radicalmente
em nossos modos de vida, de laço social. Não temos mais relações verticais, e sim, horizontais,
corre-se o risco de nos aprisionarmos nas relações imaginárias, ou melhor, nos embates
imaginários, já que a busca por generalizações exclui a diferença, tornando-a uma verdadeira
ameaça para o sujeito. Estamos vivenciando justamente um momento de intolerância, que,
frequentemente, produzem violência. Ao articular educação e discurso social, Kupfer (2000)
equipara esses dois termos e fala sobre a falência do estatuto simboligênico da educação:

“Esse estatuto tem cedido grande espaço ao cultivo das formações imaginárias próprias
de nosso tempo: a proliferação das imagens, a multiplicação em torno da criança dos objetos a
serem consumidos, a “naturalização do mundo”, que faz pensar que existe um mundo natural ao
qual poderíamos aceder diretamente e sem mediação pelo simbólico.” p. 35

A escola como um lugar social, que produz efeitos discursivos e subjetivantes, onde os
laços sociais são construídos, fundamentados, confere a esta uma inequívoca importância e
conseqüente responsabilidade. Esta pode dessa forma trabalhar tanto para manter quanto para
superar os impasses próprios das dinâmicas sociais.

Um dos materiais levantados para a elaboração desse projeto, citado anteriormente,
mostra um desenho infantil que um de seus objetivos explícitos pretendia “incentivar a amizade”.
Talvez esse seja mesmo o maior risco dessa nova cultura, o de não considerar seu semelhante, a
ponto de sua relação com esse ter que ser artificialmente incentivada.

Sabemos desde Freud (1921) que a vida em sociedade cumpre uma função:
“Assim, no grupo de crianças desenvolve-se um sentimento comunal ou de grupo, que é
ainda mais desenvolvido na escola. A primeira exigência feita por essa formação reativa é de
justiça, de tratamento igual para todos. Todos sabemos do modo ruidoso e implacável como essa
reivindicação é apresentada na escola. Se nós mesmos não podemos ser os favoritos, pelo menos
ninguém mais o será.”

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Um sentimento hostil, como o ciúme, é então transformado em um sentimento grupal,
fraterno, promovendo uma identificação entre os pares, com a influência de um vínculo afetuoso
comum com uma pessoa fora do grupo.

Contudo, esse apelo, essa forma escancarada de “incentivar a amizade”, e por isso,
artificial, parece nos ratificar uma falha da função simbólica no discurso social, incluindo aí a
educação.

Nesse sentido Imber (2001) sublinha que a pedagogia atual vem propor soluções para
todos os problemas, por meio de modelos imaginários, seja lançando mão das manipulações e
captações sedutoras, seja pela moralização e racionalização da educação, evitando desse modo o
enfrentamento dos impasses pertinentes a esse campo e ao mundo contemporâneo.

“... assim como as tentativas de moralização, eis as respostas que, segundo se espera,
virão a suprimir a atual “crise de valores”. Uma crise contemporânea do desmoronamento das
referências simbólicas, de onde resulta o desenvolvimento correlato de relações invadidas pela
inércia imaginária. ” (IMBER, 2001, p. 61)

Assim, a cultura do politicamente correto é incorporada por pais, educadores e pela
sociedade em geral como uma referência de qualquer ação voltada à criança. É muito comum
vermos recortes de teorias, quase que um “mix” delas, tentando orientar, nortear a educação.
Desse modo, essa cultura, parece ser uma tentativa de restabelecer uma “ordem”, uma
“referência”, introduzindo um novo ideal a ser perseguido. Da mesma forma, o pensamento
pedagógico parece privilegiar a aplicação de saberes, em torno do que é desejável, de como deve
ser, circunscrevendo também um ideal. Teria a cultura do politicamente correto suas raízes aí?
Contudo, considerando as problematizações feitas em torno cultura do politicamente
correto na infância e do discurso pedagógico formulo então a questão a que pretende esse trabalho:
seria a cultura do politicamente correto um sintoma do discurso pedagógico? Viria essa cultura
testemunhar algo desse discurso que não vai bem?
Podemos observar a mudança ocorrida no par educativo, professor-aluno, para pensar a
educação e o laço social nos dias de hoje. O lugar ocupado pelo professor, o de suposto saber, como
aquele que portava um saber, favorecia a relação transferencial professor-aluno, na qual a educação
se apóia para de fato acontecer. Cito Freud (1914):
“Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola adverte-me de que antes de tudo,
devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve
importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela
personalidade de nossos mestres” p. 248.
Hoje, o lugar destinado ao professor está desinvestido de qualquer atributo que o assegure
enquanto tal. Destituído desse saber suposto, resta-lhe o lugar de mero facilitador, mediador, de
intermediário da relação do aluno com o conhecimento. A relação do aluno, nessa configuração,
não é mais com o professor, trata-se de uma relação com o objeto, onde o outro é prescindível.
Dessa forma, o discurso pedagógico ao querer extrair dessa relação o máximo rendimento, se deixa
seduzir pelos objetos produzidos pela ciência e tecnologia e acaba por não favorecer o laço social.
Isto posto, parece interessante pensar que se essa estrutura está formada sob as determinações do
discurso capitalista, aquele que tende a impedir o laço social, referindo-se sempre e somente a ele
mesmo, cabe levantar uma questão. (Voltolini, 2007)
Quando o discurso pedagógico se empenha em “estimular a amizade” de forma tão direta e
artificial, não estaria justamente tentando combater um mal que ela mesma produz? Ou, dito de
outra forma: será que este discurso não estaria concorrendo para fabricação do mesmo mal (não
laço) que tenta reparar?

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Metodologia: Embora tratar-se de um trabalho teórico, essa investigação implica em uma leitura do
contexto social atual, a partir do levantamento de materiais infantis adaptados e de uma revisão
bibliográfica pertinente ao tema em questão, nos domínios da Psicanálise e da Educação. A
articulação desses dois campos se desenvolve então neste trabalho por meio da interpretação,
utilizando-se do método psicanalítico. Referindo-se à educação enquanto estrutura discursiva, às
possíveis posições que pode ocupar, e aos elementos essenciais nos quais se funda. Não se trata,
portanto, da aplicação de conceitos e/ou fundamentos da psicanálise no campo educativo, e
tampouco de uma crítica ao que deveria ser.
Resultados e Discussão: A partir da problematização dos dados levantados, materiais adaptados e
revisão bibliográfica, será analisada a relação entre a cultura do politicamente correto e o discurso
pedagógico. Serão considerados para essa análise a estrutura sob a qual esses se fazem, seus pontos
de convergência, os impasses que apresentam e o que nesses se recalca, para então verificar se essa
cultura se configura como um sintoma daquele discurso. Até o momento foi possível assinalar
alguns pontos de relação do discurso pedagógico com os saberes científico e universitário e também
com o discurso capitalista, estabelecido por Lacan (1970). E, a partir disso, avançou-se alguns
passos em direção à articulação da cultura do politicamente correto como sintoma do discurso
pedagógico. Assim, este trabalho pretende contribuir ao debate dos impasses da educação na
atualidade, fazendo uma articulação de algo que se passa na cultura, mas que diz respeito sobretudo
à educação, demonstrando justamente o quão sobrepostas estas se constituem.
Título: Na trilha do desejo: a subjetividade e o ponto-de-giro como estratégias de diagnóstico e intervenção escolar
Autor: Mariana de Campos Pereira Giorgion
E-mail: marianagiorgion@me.com
Instituição: Faculdade de Educação - USP
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O trabalho versa sobre o diagnóstico e a intervenção subjetiva na escola. A partir da psicanálise e da história de vida interpretamos 11 entrevistas com professores, coordenadores e diretores, objetivando caracterizar o diagnóstico da subjetividade e o ponto-de-giro. Os resultados iniciais apontam que os processos de aprendizagem se dão mediados por educadores comprometidos com o conhecimento que sustentam e os alunos que ensinam, utilizando para isso estratégias e instrumentos diversificados. O diagnóstico da subjetividade compreende a corporalidade (corpo, linguagem e memória), criatividade e formação da alteridade, bem como as relações sociais e familiares e aponta para intervenções que movimentam o aluno em relação ao conhecimento proposto, caracterizando o ponto-de-giro.
Título: Educación y cuidado como práctica de subjetivación
Autor: Mariana María de Luján Scrinzi
E-mail: marianascrinzi@hotmail.com
Instituição: UFMG
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Las prácticas que describe con preocupación la Comisión Nacional Interministerial en Políticas de Salud Mental y Adicciones (Acta CoNISMA 12/14) exigen un análisis del desacople que se produce entre las transformaciones en el plano legislativo y el plano de las prácticas cotidianas en las instituciones educativas. El análisis se realiza a partir de los aportes teóricos de la educación antiautoritaria, el psicoanálisis y la filosofía foucoultiana sobre el cuidado (de si mismo) como práctica de subjetivación. La metodología es el análisis de discurso cuyo propósito es efectuar inferencias sobre los datos, que tratan en general, de fenómenos distintos de aquellos que son directamente observables.
Palavras-chave: Cuidado de sí mismo; Prácticas de Subjetivación.

Introducción:
El documento de la CoNISMA , cuestiona los diferentes lugares en que el Estado sostiene prácticas de tutelaje y establece: Pautas para evitar el uso inapropiado de diagnósticos, medicamentos u otros tratamientos a partir de problemáticas del ámbito escolar dirigidas a agentes del sistema de salud, equipos de orientación, gabinetes psicopedagógicos, docentes y comunidad educativa en general (2014, p. 2)
Las políticas públicas abonan el campo de lo social y muchas veces, de la reproducción social a través de prácticas institucionales que la sostienen. Hoy vemos legislaciones y políticas públicas previstas que no tienen efecto en las prácticas institucionales cuyas intervenciones vehiculizan formas de “vigilar y castigar” como forma de control social y no como modalidad de cuidado (de si).
La articulación entre el cuidado en tanto práctica de subjetivación y el cuidado de sí mismo requiere partir del aporte del filósofo argentino, Edgardo Castro (2011), cuando sostiene en su Diccionario Foucault, en la entrada: UNA HISTORIA DEL CUIDADO DE SÍ MISMO.
La historia del “cuidado” y de “las técnicas” de sí sería, entonces, una manera de hacer la historia de la subjetividad (…) a través de la formación y de las transformaciones de nuestra cultura de las “relaciones consigo mismo”, con su armazón técnica y sus efectos de saber. De este modo, se podría retomar desde otro ángulo la cuestión de la “gubernamentalidad”: el gobierno de sí mismo por sí mismo en su articulación con las relaciones con los otros. (p.87)
En La Hermenéutica del Sujeto, Foucault manifiesta literalmente que la cuestión que le gustaría abordar es: en qué forma de historia se entablaron en Occidente las relaciones entre esos dos elementos, que no competen a la práctica, el análisis habitual del historiador, el “sujeto” y la “verdad” (2002 [1982] p.16). Aquí comienza a desplegarse el pensamiento que interroga las condiciones y los límites del acceso del sujeto a la verdad. El citado filósofo francés ubica tres cuestiones conocidas de los diálogos socráticos (p.57) el ejercicio del poder político, pedagogía e ignorancia que se ignora a si misma; formando un paisaje también conocido como aquellas profesiones “imposibles“en que se puede dar anticipadamente por cierta la insuficiencia del resultado: gobernar, educar y curar (Freud, [1937] 2001, p. 249)
El psicoanalista brasilero, Dunker (2011, p. 246) distingue tres campos abiertos a múltiples articulaciones discursivas clínica, psicoterapia y cura, a continuación recupera el Tratamiento Psíquico (Tratamiento del Alma) de Freud ([1890]1992), para resaltar que el término kur suele aparecer cuando Freud se expresa en términos propios de la clínica psiquiátrica, y lo diferencia del término sorge que refiere a otros sentidos donde se resignifica la raíz etimológica de cura como cuidado (de sí) coincidentemente con la finalidad del análisis y lo que Foucault (p.19) ubica como lograr los tres preceptos délficos que serían imperativos generales de prudencia: Meden agan o Nada en exceso; Egge o las cauciones no te comprometas con cosas que no puedas honrar y Gnothi seauton o examina bien en ti mismo lo que vas a hacer, las preguntas que quieras hacer y presta atención en ti mismo lo que necesitas saber.
Cabe destacar que nos encontramos con instituciones capaces de interrogar las prácticas “tradicionales” y simultáneamente con adultos que demandan requerimientos de saber-hacer con los síntomas de las nuevas generaciones. Responder a estos requerimientos con textos prescriptivos de acciones nos remite a la advertencia que planteaba Sigfried Bernfeld (1892-1953) cuando escribía que no puede establecerse como premisa general un saber que sirva para todos. El mencionado pedagogo e integrante del círculo de Freud en Viena a partir de 1922, plantea que el acto de educar es un ejercicio de responsabilidad, es decir, un ejercicio ético. Afirmará que también es deseo, pues en su raíz late lo subjetivo y por esta razón es del orden del enigma, por ello conecta con el discurso del psicoanálisis, articulación que cobra sentido si se logra enlazar lo que hace singular a un sujeto con el orden general de la cultura.
¿Qué condiciona hoy sostener prácticas de cuidado con las nuevas generaciones en coherencia con los principios de abordaje integral de las legislaciones contemporáneas en Argentina? ¿Cómo lograr que el Estado Nación cumpla con la obligación de garantizar la protección integral de los derechos de niños, niñas y adolescente a través de prácticas de subjetivación y, por lo tanto, el cumplimiento de la responsabilidad de crear condiciones institucionales que coadyuven en la materialización de modalidades de educación que apunten al cuidado (de si)? ¿Qué posicionamiento teórico-metodológico transmitir a los adultos-educadores para que puedan advenir en referentes portadores de autoridad técnica para transmitir cuidado (de si) a las nuevas generaciones?
La metodología es el análisis de discurso cuyo propósito es efectuar inferencias sobre los datos, que tratan en general, de fenómenos distintos de aquellos que son directamente observables.

Discusión Final
Partí del enunciado Educación como cuidado (de sí) y cómo deviene en una práctica de subjetivación. El objetivo es pensar cómo se articulan en la época actual la educación (anti) autoritaria con el “cuidado de sí mismo” para sostener prácticas de subjetivación.
Tenía el prejuicio de que entre la filosofía foucoultiana y el psicoanálisis -Sigfried Bernfeld- la posibilidad de dialogo era imposible. Partir de considerar las relaciones entre el sujeto y verdad decanta en la pregunta por la política y sus efectos en los cuidados de sí y las narrativas (singulares y colectivas) de nuestra época.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bernfeld, S. [1969] El psicoanálisis y la educación antiautoritaria. Barcelona: Barral, 1973.
Castro, E. (2011). Diccionario Foucault. Temas, Conceptos y autores. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores.
Dunker, C. (2011). Estrutura e constituição da clínica psicanalítica: uma arqueologia das práticas de cura, psicoterapia e tratamento. São Paulo: Annablume.
Foucault, M. (2002) La Hermenéutica del sujeto. Curso en el Collège de France (1981-
1982). México: Fondo de Cultura Económica.

Freud, S. ([1937] 2001). Análisis terminable e interminable. Argentina: Ediciones Amorrortu. Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XXIII, pp. 213-270
Título: Conflitos e impasses entre pais e educadores de creches: Manejos possíveis a partir da relação com saber especializado na educação infantil
Autor: Mariana Rodrigues Anconi
E-mail: contact@anconimariana.com
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RESUMO
Este artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado realizada no Instituto de Psicologia da USP (IP-USP) finalizado em março de 2017 com orientação da professora Maria Cristina Machado Kupfer. A partir das discussões realizadas nas reuniões de pesquisa da Metodologia IRDI nas creches surgiu a pergunta deste trabalho: Como os educadores lidam com os impasses/conflitos com pais na educação infantil? O objetivo central deste trabalho é oferecer possibilidades de manejos aos educadores de creches no manejo dos impasses e conflitos – representados muitas vezes pela agressividade – com as famílias das crianças. O estudo foi realizado a partir de recortes das falas de educadores e pais que apontam para suas posições subjetivas e sua relação com o saber especializado e os efeitos destas posições na educação infantil.
Palavras-chave: Educação Infantil; Creche; Psicanálise; Primeira infância.
Título: Formação de professores e educação inclusiva
Autor: Marise Bartolozzi Bastos
E-mail: marisebastos@uol.com.br
Instituição: FeUSP/LEPSI e UNIB
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Título: O encontro do AT com a escola
Autor: Matheus Matsushima Ienaga
E-mail: matheusienaga@hotmail.com
Instituição: Autonomo
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Resumo
Diante das transformações e mudanças decorrentes da constituição de 1988, quando diversos excluídos sociais passam a fazer parte e integrar os espaços que lhe são de direito, se fez clara a necessidade, no âmbito educacional, de se repensar e rearticular ações e diretrizes principalmente no que diz respeito a educação "inclusiva", pois neste momento diversas crianças antes excluídas estavam agora chegando às escolas. Assim, surge de maneira incipiente o encontro entre educação e psicologia, pois a partir das novas demandas a parceria se mostra necessária por si só, já que os dois campos de saber precisam criar em conjunto uma maneira de acolher e cuidar das crianças que iniciam o seu contato com o mundo educacional/escolar. No presente trabalho, compartilho minha experiência como Acompanhante Terapêutico (AT) de um garoto em ambiente escolar, refletindo sobre as possíveis contribuições deste papel a partir das relações (des)construídas entre o AT e a escola, principalmente na relação com a professora.
Palavras-chave: educação; psicologia; escola; acompanhante terapêutico; professora
Introdução
As transformações e mudanças decorrentes da constituição de 1988 e da Declaração de Salamanca de 1994, trouxeram para dentro das escolas "novos" alunos (excluídos sociais) e com eles, o termo "inclusão" trazendo à tona diversas questões e angústias ao ambiente educacional. A aproximação da psicologia vai acontecendo de maneira gradativa e com isso abre-se espaço para o Acompanhante Terapêutico (AT) se deslocar para dentro da escola e a partir deste encontro surgem experiências, trocas e construções extremamente ricas que até então apresentam poucos registros e compartilhamentos.

Dunker (2016) afirma:
"Hoje há um novo desafio para os ATs e um novo problema para a saúde mental. A experiência da inclusão nas escolas brasileiras extinguiu o sucedâneo manicomial da educação, que eram as classes especiais. Com isso, professores e alunos devem se adaptar à presença de sujeitos com necessidades especiais em sala de aula. A presença de pessoas com síndromes e sintomas dos mais variados tipos e etiologias é um potencial ganho para os outros alunos em termos de aprendizado social. Mas isso não se dá sem custo, objetivo e subjetivo. O ritmo de assimilação, as particularidades sensoriais e o estilo cognitivo precisam ser respeitados, por isso vem crescendo a participação de ATs. nas escolas. Eles representam também um “serviço substitutivo” à medicalização da aprendizagem e ao doping generalizado que se espalhou entre os usuários inconsequentes de Ritalina e pó de Guaraná." (p. 1-2)
Sabemos de uma maior produção acadêmica em relação as contribuições diretas que o AT pode trazer ao seu paciente, este trabalho pretende destacar as possíveis contribuições do AT a instituição e como estas afetam de maneira direta a relação entre aluno e escola.
O trabalho propõem uma possível reflexão sobre a chegada do AT na escola e suas consequências, dando ênfase e aprofundamento na relação direta deste com a professora, mostrando as diversas contribuições possíveis geradas a partir da abertura do AT para diferentes relações (além da relação dele com o paciente) ao mesmo tempo valorizando e sabendo da importância primordial do vínculo entre AT e paciente.
Segundo Bastos & Kupfer (2010):
"O trabalho de inclusão escolar não pode ser realizado sem a inclusão dos professores, já que eles são uma das ferramentas mais importantes na sustentação desse lugar social que se pretende oferecer à criança psicótica: o lugar de aluno." (p. 156)
O encontro e a relação criada entre aluno e professora é vista como vital no reconhecimento e no pertencimento de cada um no ambiente escolar pois, é a partir do reconhecimento um do outro que se cria e se legitima o lugar subjetivo de aluno e professora. O lugar do AT "entre" essa relação apresenta-se como uma possibilidade de acolhimento e escuta das diversas questões geradas dessa nova relação.
De acordo com Bastos (2002):
"Dito de outro modo, os laços sociais se estabelecem a partir do discurso, pois sempre tomamos a palavra, ocupamos um determinado lugar e colocamos o outro em determinada posição, disso decorre uma determinada produção que terá a ver com uma determinada verdade." (p.5)

Metodologia
Trata-se de um trabalho de análise qualitativa a respeito uma experiência de acompanhamento terapêutico com um aluno na escola durante o ano de 2016. A análise parte das anotações e investigações a cerca das situações vividas pelo AT no dia a dia da escola, de supervisões e posterior análise teórica. Para proceder a análise teórica, percorreu-se algumas questões que foram colocadas pelo próprio trabalho de AT. São elas: Quais são as tensões e expectativas geradas tanto neste aluno quanto na instituição? Como as regras e leis podem parecer agressivas a este aluno? E como o não cumprimento dessas regras e leis também se torna agressivo aos colegas e professora? Onde e como o AT se apresenta diante destes conflitos?
Resultados e Discussão
O AT acompanha João, um garoto de nove anos (atualmente com dez anos), os pais dele lhe procuraram com a demanda de alguém que pudesse acompanhá-lo durante o período escolar, disseram que ele não tinha um diagnóstico "fechado", já tinham recebido diagnósticos de autismo e psicose no decorrer de sua vida. Ele tem um histórico de "expulsões" tanto escolar, quanto de cursos, clube etc. Os pais trazem como principais queixas, a sua falta de organização, agitação incontrolável e dificuldade de socialização.
Inicialmente a demanda por um AT pareceu um pouco exagerada da parte deles mas de alguma maneira os pais poderiam ter alguma dificuldade em localizar ou reconhecer as questões subjetivas de seu filho. Aos poucos foi sendo possível perceber que a demanda do garoto era de fato importante e que o trabalho como AT daria sustentação para a construção de um lugar de "aluno" em sua vida.
No decorrer do processo foi possível compreender o quanto seria necessário estabelecer um vínculo, (um "laço", estar ao lado, emprestar um corpo para dar contorno, proporcionar abertura a uma nova relação) entre eles (AT e João) mas também com todos que fazem parte da escola e principalmente com a sua professora pois, foi se localizando uma falha significativa no que diz respeito a "função paterna". Consequentemente, neste trajeto de inscrição da função paterna ou da Lei, cada criança poderá enfrentar dificuldades em relação as regras, limites e autoridade. Diversas destas dificuldades foram projetadas diretamente na relação de João com sua professora, se manifestando nas mais diversas formas: agressão, provocação e transgressão dos limites tanto dela quanto dele.
As possibilidades de conversas, parcerias e trocas do AT com a escola (e principalmente com a professora) durante o trabalho, foram sustentados também por um lugar de "analista" em que o AT se colocou, utilizando o método clínico e assim promovendo um espaço acolhedor de escuta das angústias do outro, da insegurança em "não saber" o que fazer, como fazer e porque fazer.
O AT teve a possibilidade de confrontar os professores com as suas próprias falas sobre este aluno de "inclusão", proporcionando a possibilidade de giros e transformações discursivas por parte deles e assim assumindo um outro lugar na relação com ele.
O presente trabalho mostra como a relação do AT com os diferentes indivíduos que constituem a escola trazem beneficio diretos ao aluno. A partir dos discursos tecidos na escola e na confrontação dos dizeres dos atores escolares, principalmente a professora, da confrontação destes dizeres torna-se possível a apropriação do lugar de João como aluno.
Os diálogos e problematizações se fazem necessárias neste momento de diversas transformações educacionais e da chegada de indivíduos que até então não frequentavam a escola. Os desafios são muitos e extremamente complexos, mas é só no trabalho em conjunto, compreendendo que cada indivíduo é singular, potente e único que poderemos continuar caminhando e dando lugar á todos na escola, na sociedade e no mundo.
Título: A Escola e o (laço) social
Autor: Mauro Gleisson de Castro Evangelista
Coautor(es): Inês Maria M. Z. Pires de Almeida
E-mail: maurogleisson@gmail.com
Instituição: Universidade de Brasília
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O adolescente que atua pelo ato infracional possui também um conflito com a Escola que sintomatiza no fracasso escolar em suas múltiplas formas de manifestação. Esta pesquisa de doutoramento em curso debruça-se sobre o processo de rupturas com a Escola por parte de adolescentes que atuaram pelo ato infracional em uma Unidade de Internação de Brasília. O trabalho se inscreve na teoria psicanalítica em suas inferfaces com a psicossociologia. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, ainda que dialogue com dados quantitativos e que, acreditando numa bricolagem metodológica, utiliza como dispositivo de pesquisa a análise documental e a entrevista semi-estruturada, sempre mediadas por uma escuta clínica (sensível).

Palavras-chave: ato infracional; Escola; laço social.

Nossa pesquisa debruça-se sobre o fenômeno da delinquência juvenil e suas relações com a Escola. Os levantamentos nacionais (BRASIL, 2012; 2015a; 2015b; DISTRITO FEDERAL, 2013) e internacionais (FARRINGTON, 2002; HARLOW, 2003; LOCHNER; MORETTI, 2001) demonstram um conflito comum entre os adolescentes que atuam pelo ato infracional e a Escola. Por uma posição psicanalítica ante o termo atuação, recusamos a expressão “autor” de ato infracional. Inúmeros estudos apontam que esses adolescentes sintomatizam também por meio do fracasso escolar: possuem históricos de punições disciplinares e de expulsões. Todavia, como no Brasil, legalmente, não existe a figura jurídica da expulsão, ocorrem transferências à revelia de sua vontade e ou de sua família, uma forma camuflada de manter essa prática que segundo Hayden (2002), especialista no fenômeno da expulsão, agrava ainda mais o grau de desamparo desses adolescentes; apresentam histórico de dificuldades de aprendizagem, de reprovações e abandono da Escola. Nesse sentido buscamos compreender como tem se dado esse desligamento com a instituição escolar.
Por ato infracional compreendemos figura jurídica definida pela lei 8.069/1990 e lei 12.594/2012 como prática realizada por adolescente análoga ao crime conforme tipificado pelo Código Penal Brasileiro.
A criminologia crítica, campo transdisciplinar de interação do Direito e das ciências humanas, demonstra que o ato infracional ou crime (no caso de adultos) não é fenômeno que possa ser reduzido a questões disposicionais, sem levar em consideração os contextos que as sustentam. Os atuais estudos sobre a etiologia do crime e da violência não conseguem precisar as conexões entre as variáveis macro-estruturais (classe social, etnia, mobilidade) e micro-estruturais (interação entre pais e filhos, disciplina) com o controle social informal. Para Sampson e Laub (1995) faz-se necessário uma nova teoria criminológica que incorpore a 1) Família e a Escola como importantes instituições de socialização das novas gerações; que 2) as dificuldades de socialização que se apresentam na infância tendem a se manter na adolescência e na vida adulta; e os 3) vínculos informais no mundo adulto, como o envolvimento afetivo-sexual, nascimento dos filhos e emprego estável podem promover mudanças de conduta e o fenômeno mais amplo da desistência do crime.
Um conjunto de escolas deste campo do saber têm tencionado e denunciado a dimensão socioeconômicas das ações punitivas do Estado, como é o caso da Teoria da desorganização social, Teoria da associação diferencial, Teoria da neutralização, Teoria da rotulação, Teoria do código das ruas como passadora da cultura da violência, Teoria dos Fatores de Risco, Teoria da Reforma de Maturação e a Teoria do Vínculo Social, Teoria da Violentização de Athens (1992), Teoria do autocontrole de Hirschi (2001).
Essas várias correntes destacam a importância da Escola como agente socializador do Estado Moderno. Importante contribuição nesse sentido é dada pelo criminólogo Alessandro Baratta (2013), o qual, dialogando com um conjunto de pesquisas no mundo, reconhece a Escola como porta de entrada do sistema penal. O autor destaca a visível dificuldade das classes baixas em responder às expectativas colocadas pela Escola, que reage com sanções. O professor, ancorando essa instituição que fala por ele (cf. CASTORIADIS, 1982), tende a tratar os estudantes que não conseguem êxito com preconceitos e estereotipias negativas, “que condicionam a aplicação seletiva e desigual em prejuízo deste, dos critérios do mérito escolar" (BARATTA, 2013:174). A escola é, quase sempre, o primeiro filtro que impele os não selecionados para uma marginalização, quase uma profecia auto-realizadora.
O autor é contundente ao evocar Kark (apud BARATA, 2013:175) para afirmar que

existe documentação concreta, além de qualquer dúvida razoável, com o nosso sistema de escola pública se recusou a assumir a função de facilitar a mobilidade social, em realidade, se tornou instrumento de diferenciação de classe, a nível econômico e social, na sociedade americana.

Nesse sentido, afirma o criminólogo que
O cárcere representa a ponta do iceberg que é o sistema penal burguês, o momento culminante de um processo de seleção que começa ainda antes da intervenção do sistema penal, com a discriminação social escolar, com a intervenção dos institutos de controle do desvio de menores da assistência social, etc. O cárcere representa, geralmente, a consolidação definitiva de uma carreira criminosa (BARATA, 2013:167).

Os dados de Brasília comprovam essa realidade, pois segundo Distrito Federal (2013), a Escola situa-se na quarta posição em relação aos locais onde os adolescentes que cumprem medida socioeducativa sofrem violências, sendo antecedida pelas ações da polícia, por conflitos entre grupos rivais e familiares. A Escola não é indicada pelos adolescentes como um local seguro, que pode justificar o fato de que, segundo esse estudo, 82% dos adolescentes/jovens ainda não haviam completado o Ensino Fundamental e apenas 2.2% completou o Ensino Médio. Contraditoriamente, o mesmo estudo apresenta que 93% dos adolescentes/jovens acreditam que a escola pode mudar sua vida.
A maioria absoluta dos adolescentes autores de atos infracionais que dão entrada no Núcleo de Atendimento Integrado (NAI), porta de entrada do sistema socioeducativo, encontram-se evadidos da escola, possuem histórico de reprovação que os coloca numa condição de atraso em relação ao ano escolar que deveriam estar cursando.
Estudo de Soares (2007), do lugar de econometrista e utilizando-se de dados do Censo 2000 e do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) 2000, demonstra que, separando a variável renda, a escolarização é a mais efetiva, eficiente e eficaz política pública contra a vitimização pelo homicídio; o mesmo estudo é replicado por Cerqueira e Coelho (2015) com dados do Censo 2010, também com técnicas econométricas refinadas, para reafirmar a mesma tese. Digno de nota é que esses autores não são educadores.
Um último estudo brasileiro que correlaciona escolarização e violência e merece o nosso destaque é realizado por Cerqueira et al. (2016), os quais, utilizando-se dos dados do MEC sobre a qualidade das escolas e correlacionando-os com os dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SNSP-MJ) sobre números de homicídios e localidades, comprova que as melhores escolas do Brasil se encontram nos bairros menos violentos, ao passo que as piores escolas se encontram nos bairros mais violentos do país, o que demonstra a fragilidade das políticas públicas no enfrentamento das violências e, mais especificamente, da política pública da escolarização.
Sobre esses três estudos, destacamos fala de Soares (2007), que nos lembra que essas são variáveis de uma correlação, logo, se mudamos as variáveis, mudaremos o resultado. Todavia, como destaca o autor, já que não é possível “[…] mudar o sexo das pessoas nem envelhecê-las, a única política pública passível de forte atuação sobre estes significativos determinantes do homicídio é a educação” (p. 28). É, pois, muito interessante perceber como um econometrista, que faz questão de se identificar como “não pedagogo”, chega, por meio de análises de dados quantitativos obtidos em levantamentos nacionais, a conclusões tão sensíveis e fortes sobre a importância da política de escolarização. E como não tem respostas, formula a hipótese de que

[…] exista no processo educacional um conteúdo de convivência, ou até cidadania, que não tem valor econômico direto, mas que oferece proteção contra a violência. […] imaginamos que talvez seja fruto do fato de interagir com outras crianças em um ambiente no qual, bem ou mal, o conflito é mediado. […] é possível que a escola forneça um escudo educacional que protege principalmente quem o detém, mas também terceiros que possam vir a entrar em situações de conflito com o detentor do escudo. A única conclusão – tentativa – é que a educação formal parece ter um efeito redutor muito forte sobre a taxa de homicídio, e que isto possivelmente se deva ao papel socializador da escola. […] evidência substantiva a favor de manter as crianças na escola, mesmo se a aprendizagem de conteúdos ficar abaixo das expectativas, já reduzidas, da sociedade. […] mesmo que uma criança de baixo status socioeconômico freqüentando uma escola com professores mal pagos e mal formados não esteja aprendendo português ou matemática a contento, ela está aprendendo um modo de socialização que eventualmente poderá salvar-lhe a vida. E mais: é possível que, ao ensinar esta criança a como lidar com o conflito de modo não letal, a escola esteja também salvando a vida de terceiros.
A conclusão inexorável é que a política educacional deve fazer tudo ao seu alcance para manter a criança na escola, mesmo que a aprendizagem de conteúdos acadêmicos seja aquém do desejado. Nesse sentido, políticas de progressão continuada devem ser incentivadas ao máximo, uma vez que há uma relação conhecida entre ser reprovado e evadir do processo educacional. Não se trata apenas de aprender a ler e escrever: é questão de vida e morte. (SOARES, 2007, p. 28-29).

Por fim, nesse diálogo com os números da escolarização e da violência, destacamos que segundo FGV (2009) e UNICEF (2013), os maiores índices de desligamento da Escola se dão com adolescentes entre 15 (quinze) e 17 (dezessete) anos de idade, justamente os anos que apresentam os maiores índices de prática do ato infracional.
Metodologia
Por tudo o que foi escrito até então, assumimos a psicossociologia como um importante aporte teórico deste estudo; um campo de conhecimento que considera o intrincamento entre as dimensões psíquicas e sociais na análise das relações dos fenômenos humanos, com especial ênfase para a psicanálise.
Portanto, desejamos, por meio de uma bricolagem metodológica, perscrutar o processo de rupturas com a Escola por parte de adolescentes que atuam pelo ato infracional. Como objetivos específicos desejamos compreender quais têm sido as contribuições do modo de funcionamento psíquico do adolescente na construção de seu processo de ruptura com a Escola, o que passa, inevitavelmente, por examinar quais têm sido as contribuições da família nesses processos; além de averiguar quais têm sido as contribuições da própria Escola na construção do processo de ruptura com esta instituição por parte desses adolescentes.
Para tanto, nos predispomos a uma pesquisa qualitativa inscrita na teoria da complexidade a partir da psicossociologia. Mediados pelos parâmetros de uma intervenção psicossociológica, logo, com análise de implicação e da (contra)transferência. Utilizaremos da análise documental dos prontuários de adolescentes que cumprem medida de internação ou se encontram em internação cautelar na Unidade de Internação de Santa Maria - DF. Dessa análise selecionaremos os adolescentes mais caricato da relação de conflito com a Escola para uma aproximação por meio de entrevistas com base em roteiro semi-estruturado e com investigação da família e das redes de proteção social pela qual, por ventura, tenha transitado. As entrevistas aprofundar-se-ão de acordo com a construção de vínculo, tendo em vista o modo de funcionamento persecutório muito comum desta população. Os dados dos prontuários serão catalogados com auxílio de um software e as falas oriundas das entrevistas serão interpretados a partir da hermenêutica psicanalítica.

Resultados e Discussão
Além da pesquisa já realizada nos grandes bancos de dados nacionais, conforme já demonstrado acima, já analisamos a vida escolar de 164 (cento e sessenta e quatro) adolescentes que se encontram internados na Unidade de Internação referida, tendo como data de corte o dia 23 de maio do corrente ano. Neste exato momento nos encontramos analisando os prontuários dos adolescentes para colher dados sobre os atos infracionais, organização familiar e outras informações úteis sobre o laço social e já podemos apontar que:
1 - a maioria absoluta dos adolescentes reprovaram o 6º ano do Ensino Fundamental, e essa foi a sua primeira reprovação, momento em que iniciaram a prática infracional propriamente dita;
2 - essa escalada infracional que se da concomitantemente à crise com a Escola demonstra um percurso muito comum: de uma estruturação ou funcionamento predominantemente perverso por parte desses adolescentes, uma latência encurtada/roubada/negada com prejuízos para o processo de sublimação, uma maior dificuldade no processo da adolescência enquanto sintoma da puberdade - sobretudo no que tange nas relações com os pais e especialmente no que concerne à autoridade, uma maior vinculação com pares que apresentam quadros semelhantes, o início do uso de drogas (maconha, rohypnol, álcool e tabaco, alguns apenas evoluindo para a cocaína), associação com o tráfico, pequenos delitos e uma escalada infracional que, em alguns casos, evoluem para o homicídio, normalmente de guerras do tráfico.

Nosso intuito é avançar para a fase das entrevistas no sentido de compreender melhor a crise com o laço social e o lugar que a Escola ocupou nesse processo. Experiências como a que se deu nos EUA (NEW YORK, 2013) demonstram que o investimento na escolarização e no apoio e suporte das famílias desses adolescentes podem reverter drasticamente os índices de violência na adolescência.
Por fim, destacamos a exemplar experiência desenvolvida por Winnicott ao longo de sua vida, colecionada de forma póstuma na obra Privação e Delinquência para demonstrar a importância das instituições com holding, suporte e continência desses adolescentes que se encontram com fragilidades no laço social. Emprestamos então a palavra a esse autor para que conclua por nós:
“Bem depressa eu aprendi que a terapia estava sendo feita na instituição, pelas paredes e pelo telhado […] A terapia estava sendo realizada pelo cozinheiro” (1970/2005, p. 250).

Referências:
ATHENS, Lonnie H. The Creation of Dangerous Violent Criminals. University of Illinois Press.1992.
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à Sociologia do Direito Penal. Rio de janeiro: Editora Renavan; Instituto Carioca de Criminologia, 2011.
BRASIL. Panorama Nacional: a Execução das Medidas Socioeducativas de Internação. Programa Justiça Jovem. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2012.
BRASIL. Presidência da República. Secretaria Geral (2015a). Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil, Secretaria Geral da Presidência da República e Secretaria Nacional de Juventude. – Brasília: Presidência da República, 2015. 112 p.: il. – (Série Juventude Viva).
BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos (SDH). Levantamento Anual SINASE 2013. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2015b.
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
CERQUEIRA, Daniel Ricardo de Castro; COELHO, Danilo Santa Cruz Coelho Redução da Idade de Imputabilidade Penal, Educação e Criminalidade. Rio de Janeiro: Ipea, Nota Técnica no 15. 2015. Disponível em: http://www.en.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/150921_nt_diest_14_im putabilidade_penal.pdf
CERQUEIRA, Daniel; RANIERE, Mariana; GUEDES, Erivelton; COSTA, Joana Simões; BATISTA, Felipe; NICOLATO, Patrícia. Indicadores Multidimensionais de Educação e Homicídios nos Territórios Focalizados pelo Pacto Nacional pela Redução de Homicídios. Nota Técnica no 18. Brasília: IPEA, 2016.
DISTRITO FEDERAL. Perfil dos Jovens do Distrito Federal. Brasília: CODEPLAN, 2013.
FARRINGTON, David. Fatores de Risco para a violência juvenil. In DEBARBIEUX, Eric e BLAYA, Catherine. Violência nas escolas: dez abordagens europeias. Brasília: UNESCO, 2002.
HARLOW, Caroline Wolf. Education and correctional populations. Bureau of Justice Statistics Special Report, 2003. Disponível em: .
HAYDEN, Carol. Fatores de risco e expulsão de alunos da escola. DEBARBIEUX, Eric e BLAYA, Catherine. In Violência nas escolas: dez abordagens europeias. Brasília: UNESCO, 2002.
HIRSCHI, Travis. Causes of Delinquency. New Brunswick (USA) and London (UK). Transactions Publishers, 2001.
LOCHNER, Lance; MORETTI, Enrico (2001). The Effect of Education on Crime: Evidence from Prison Inmates, Arrests, and SelfReports. NBER Working Paper No. 8605 Issued in November 2001.
NEW YORK CITY. School-Justice Partnership Task Force. Keeping Kids In School and Out of Court. Report and Recommendations. New York: NYPJCJC, 2013.
SAMPSON, Robert J. & LAUB, John H. Crime in the making: pathways and turning points through life. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1995.
SOARES, Sergei Suarez Dillon. Educação: um escudo contra o homicídio? Texto para discussão no 1298. Brasília: IPEA, 2007.
UNICEF. Fora da Escola não pode! O desafio da exclusão escolar. Brasília, UNICEF, 2013.
WINNICOTT, Donald W. Privação e Delinquência. Tradução Álvaro Cabral; revisão da tradução Monica Stabel. 4a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Título: OS DESAFIOS DE CONSTRUIR PONTES ENTRE A UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE E O CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL - Relato de uma experiência
Autor: Mira Wajntal
E-mail: mira.wajntal@uol.com.br
Instituição: Prefeitura Municipal de São Paulo
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Resumo
Dentre as atribuições do psicólogo que trabalha em uma Unidade Básica de Saúde está o desafio de realizar intervenções dentro das instituições de ensino infantil. Nestes últimos anos, pudemos planejar intervenções para a primeira infância com o intuito tanto de acompanhar as etapas do acontecimento psíquico de cada criança, assim como as vicissitudes que cada sujeito passa no seu processo de maturação, cognição e desenvolvimento, nos pautando nas grandes contribuições fornecidas pelas pesquisas dos Indicadores de Risco do Desenvolvimento Infantil e a pesquisa Pré-Aut. Ao entrar nestas instituições, o psicanalista se depara com uma série de outros desafios: as condições subjetivas e de trabalho dos educadores, muitas vezes mudando a perspectiva do trabalho a ser realizado.

Palavras chave: Saúde na escola; saúde e educação; trabalho com os professores da educação infantil; experiência de trabalho do psicólogo na educação infantil.


Introdução
Entre os inúmeros desafios de trabalho da equipe de Saúde Mental em uma Unidade Básica de Saúde está o de intervir e construir um projeto que atenda as necessidades da escola e os objetivos da saúde mental.
Desde meados dos anos 90, a partir da noção de inclusão escolar e intervenção precoce, ao lado das novas contribuições das pesquisas realizadas no Pré-Aut (Laznik 2004), na França, e da Pesquisa Multicêntrica dos Indicadores de Risco do Desenvolvimento Infantil (IRDI) (Kupfer Et All 2008/ 2009), no Brasil, os trabalhadores da rede pública de assistência à saúde têm o desafio de desenvolver estratégias de aproximação e intervenção junto aos professores. Estes são os principais atores da política de inclusão e, mais recentemente, alvo da discussão sobre sua possível contribuição para detectar o sofrimento psíquico de seus alunos, de forma a encaminhá-los para que tenham um acompanhamento das equipes de saúde.
O Programa da Saúde na Escola (PSE), Ministério Público (2009), prevê que avaliações clínicas periódicas multidisciplinares permitam identificar e atuar sobre fatores de risco, de forma preventiva, contribuindo para a redução da morbidade e da mortalidade.
Embora o PSE se paute na avaliação individual de cada criança, a experiência clínica e institucional, baseada nos pressupostos da psicanálise, demonstra que o trabalho com as equipes de uma instituição, muitas vezes, é uma intervenção mais eficaz em saúde do que apenas uma avaliação individual de cada criança.
As pesquisas dos IRDI e o Pré-Aut também forneceram instrumental para refletir e treinar os professores, com o intuito de sensibilizá-los da importância da qualidade de suas ações (Bernadino 2008).
A entrada do profissional de saúde na escola mobiliza a equipe de educadores, não apenas de forma positiva, mas também, evidenciando uma série de conflitos, requerendo do profissional traquejo e manejo institucional. Muitas vezes, os educadores repetem, sem perceber, atualizando em atos, angústias que mais se relacionam com vivências de seus alunos (Laznik 1989) e fazem reivindicações para os profissionais de saúde referente a aspectos dos quais eles mesmos se sentem vítimas. Isto irá requerer um outro trabalho junto à equipe docente com o objetivo de simbolizar e representar estes mecanismos, minimizando suas manifestações.


Metodologia
A partir do Programa Saúde na Escola, o psicólogo da unidade fez quatro visitas ao Centro Educacional Infantil (CEI) da área de abrangência desta unidade. Até então, a unidade de saúde mantinha o projeto com ações de saúde bucal e acompanhamento do crescimento, consequentemente, a avaliação e perfil do peso e obesidade na infância.
• A primeira visita foi para estabelecer vínculo e contrato com a instituição. Neste primeiro encontro, o psicólogo foi acompanhado pela coordenadora e a dentista da unidade.

• Ficou combinada uma visita (segundo encontro) em que o psicólogo observaria e conheceria a escola, professores e crianças.

• A terceira visita foi uma conversa com os professores, partindo de um material organizado pela psicóloga, procurando sensibilizar e mobilizar os mesmos sobre os aspectos subjetivos que estão em jogo na sua missão e participação na criação destas crianças.

• O quarto encontro se destinaria à uma conversa com os pais. A psicóloga também organizou um material disparador, elaborado a partir das angústias e queixas dos professores.

No dia da observação constatamos que a escola é muito bem equipada. Possui 117 crianças matriculadas.
A média de professores por aluno obedece mais ou menos a seguinte proporção:
De 0 a 18 meses: 1 professor para 7 bebês
Acima de 18 meses: 1 professor para 14 crianças.
A jornada dos professores dos CEI conveniados é maior (25%) que as da administração direta, assim como a relação professor por aluno é menor.
Existe um grande empenho em se garantir o horário da alimentação e sono em prejuízo de um atendimento mais individualizado. Isto faz com que as trocas afetivas com as crianças sejam menores. As crianças "mais barulhentas" recebem bastante atenção, mas nunca são reconhecidas em seu sofrimento.
Na conversa com os professores, o material organizado se baseou nos seguintes aspectos:
 Discussão de cenas e dificuldade cotidianas
 Diversidade cultural
 O comportamento do bebê tem valor de comunicação - Um bebê não existe sozinho.
 A série barulhenta / A série silenciosa (Crespin 2004)
 O acontecimento psíquico - Ao supor uma necessidade para o filho, o cuidador estará criando uma nova ordem de realidade.
 O Jogo dos valores entre pais e bebês (circuito pulsional)
 Os 4 eixos da pesquisa IRDI.
O material apresentado para as professoras se mostrou bastante mobilizador, levando a uma discussão profunda e profícua. A maioria dos participantes pode refletir sobre o fato de que seus cuidados serem substitutivos da maternagem, uma vez que as crianças passam a maior parte do dia com eles, e que tal cuidado implica em poder supor um interlocutor que tem uma demanda, e ser portador de uma história, ou seja, de uma subjetividade.
Ao lado disto, também surgiu o fato de que as famílias vêm terceirizando cada vez mais suas funções, cobrando ostensivamente do professor os problemas e as manifestações de sofrimento dos filhos.
Organizamos um material para conversar com os pais sobre as dificuldades de dar limites e ser aqueles que deveriam se encarregar de transmitir as regras e a cultura. Pensamos em discutir com a comunidade a terceirização da função da família para a escola (Bernardino & Kupfer 2008).
Infelizmente houve baixo comparecimento dos pais, e a reunião contou mais com o comparecimento do corpo docente da escola.
Resultados
A presença do psicólogo demonstrou ser profícua, embora tenha encontrado diversas dificuldades e obstáculos. Ao longo destas visitas, o psicólogo visivelmente foi estabelecendo uma relação de confiança com o corpo docente, possibilitando um aprofundamento nas discussões, tanto do papel do professor, quanto na condução de "situações problemas" trazidas para serem debatidas. É claro que uma parte sempre se mostra avessa, exigindo, por exemplo, que lhes ensinem atividades pedagógicas para solucionar o problema da criança que não vai bem.
Os profissionais estão bastante sobrecarregados, impedindo que consigam exercer de forma mais afetiva suas funções. Suas ações visam mais a rotina de asseio, sono e alimentação. Também puderam verbalizar a dificuldade específica que têm com algumas crianças. Nesta hora, aparece muito a ideia dos problemas serem resultantes da ação dos pais. Pudemos, então, mostrar como os professores estão enredados nas repetições das histórias familiares destas crianças, procurando fornecer um instrumental para que eles não fiquem tão tomados e possam se diferenciar desta invasão de sentimentos.
Por fim, procuramos discutir como os pais depositam na escola a expectativa que esta seja a solução das dificuldades que as famílias enfrentam para cuidar dos filhos. Este movimento também se repete diante dos profissionais de saúde, quando visitam a escola. Ou seja, a escola elenca uma série de "crianças problemas", como se todas as soluções coubessem ao profissional de saúde mental. Esta é mais uma vertente da repetição.
Esta experiência vivida pelo psicólogo da Unidade Básica de Saúde na escola, vem ilustrar um potente caminho de intervenção em saúde mental, no qual o foco está baseado nas dinâmicas de trabalho e constituição das relações subjetivas, deixando um pouco de lado a tradicional avaliação do desenvolvimento de cada criança. Este foco permite, inclusive, que o sofrimento psíquico de uma criança deixe de ser qualificado como bom ou mal desempenho e seja valorado em sua função de comunicação.
Título: A ESCOLA, A DOENÇA E A CURA: CONSIDERAÇÕES SOBRE ENCAMINHAMENTOS
Autor: Mônica da Motta Salles Barreto Henriques
Coautor(es): Ilka Schapper Santos
E-mail: monicamsbh@gmail.com
Instituição: UFJF/PPGE
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RESUMO

Este texto é decorrência de uma pesquisa de doutorado em andamento e tem como objetivo discutir acerca do lugar do sujeito que representa algum tipo de obstáculo para a escola. A proposta é pensar esse lugar de sujeito sob a perspectiva psicanalítica de mal-estar e gozo perverso de Freud e Lacan, em um contexto em que a escola assume as metas e resultados ditados por indicadores educacionais e avaliações externas, como “eu ideal”, como instância que dita sobre as normas escolares. Nesse sentido, a escola busca escamotear o mal-estar, delegar a falha a outras instâncias extraescolares, instaurando um funcionamento de instrumentalização do gozo perverso.

Palavras-chave: escola; avaliação externa; sujeito; mal-estar na escola; gozo perverso

INTRODUÇÃO

“A escola está doente, vê a doença no outro e o encaminha buscando a cura” [1]. Essa foi a fala de uma profissional de um dos Centro de Atendimento Educacional Especializado em Educação (CAEE) de Juiz de Fora/MG acerca dos encaminhamentos feitos pelas escolas para que seus alunos sejam atendidos nesse Centro. Uma fala bastante elucidativa e que, somada a tantas outras que foram ditas durante esse mesmo encontro, pode nos levar a uma discussão acerca do lugar do sujeito que representa algum tipo de obstáculo para a escola sob a perspectiva psicanalítica de mal-estar e gozo perverso de Freud e Lacan. A premissa aqui adotada é que a escola, funcionando como organização e não como instituição, na medida em que assume as metas e resultados como “eu ideal”, como instância que dita sobre as normas escolares, busca escamotear o mal-estar, delegar a falha a outras instâncias, instaura um funcionamento de instrumentalização do gozo perverso.
Para chegarmos a essa premissa, porém, será necessário apresentar ao leitor, brevemente, o nosso percurso na pesquisa e nossa inserção no CAEE. Trabalho [2] atualmente no mestrado profissional de gestão e avaliação pública do Centro de Avaliação e Políticas Públicas em Educação (CAEd) e o que me motivou em minha pesquisa de doutorado foi observar, em diversos trabalhos de pesquisa de mestrado e também em encontros com gestores escolares, uma grande preocupação com metas e resultados de avaliações externas.
Os mestrandos expressam essa preocupação trazendo, por exemplo, questões de pesquisa cujo cerne consiste em investigar o porquê de uma determinada escola não estar alcançando a meta esperada. Tamanha preocupação com o alcance das metas já vinha me inquietando quando me deparei com um episódio ainda mais emblemático: a fala entusiasmada de uma gestora escolar em um município na região Nordeste do país, em meio a duas ou três colegas que a ouviam, cúmplices em sua animação: “Finalmente consegui que um psiquiatra vá a minha escola essa semana para diagnosticar algumas crianças.”. Pareceu-me que eu era a única a não compartilhar dessa vitória. Curiosa, perguntei por que seria interessante para a escola tais diagnósticos. A explicação que obtive causou em mim um grande estranhamento: com os diagnósticos de distúrbios ou síndromes, as crianças não seriam contabilizadas nas avaliações que aferiam o desempenho da escola.
Esse pequeno escândalo despertou-me para o efeito devastador que o processo de avaliação poderia estar tendo nas escolas, o que me lançou à pesquisa de doutorado. Foi avassalador para mim, compreender que, para a escola obter a meta almejada valia qualquer coisa, inclusive excluir seus alunos (como sujeitos) da escola. Iniciei meu percurso no doutorado e, como membro do grupo de pesquisa Psicanálise, Linguagem e Educação - PSILE, dei início à pesquisa assumindo como campo um dos CAEE que está vinculado ao grupo de pesquisa.
É considerando todo esse percurso aqui descrito que as questões levantadas pelas profissionais do CAEE retomam para nós algumas indagações que norteiam minha pesquisa e, portanto, este texto: de que maneira as escolas vêm lidando com as dificuldades de aprendizagem que nelas se apresentam em um contexto permeado (cerceado?) por metas e parâmetros aferidos por meio de indicadores e resultados? Em meio a essa concepção de educação em que buscamos medir, dimensionar, validar o conhecimento, qual o espaço para a dificuldade na escola? De que maneira os profissionais da educação estão escutando essas dificuldades que se apresentam no cotidiano escolar?

METODOLOGIA

Este texto foi escrito com base em alguns relatos de um dos encontros realizados em um CAEE que está vinculado ao grupo de pesquisa PSILE, do qual a doutoranda, autora deste texto, é membro, e sua orientadora, também autora deste texto, Ilka Schapper Santos, coordena. Este espaço se apresenta como campo da pesquisa de doutorado em andamento. Os encontros promovidos no Centro Educacional consistem em um espaço de escuta em que as profissionais do Centro conversam acerca do tema proposto: os encaminhamentos feitos pela escola para que as crianças e adolescentes sejam atendidas nesse Centro e o lugar de sujeito desses alunos que são encaminhados por apresentarem obstáculo para a escola.
Este espaço de pesquisa pode ser compreendido como um dispositivo da psicanálise, elaborado por Jacques Allain-Miller, nomeado de conversação, que tem como proposta abrir o campo para a palavra, tendo como base a associação livre, cujas condições e possibilidades ultrapassam o setting psicanalítico. A Conversação tem como objetivo propiciar o espaço de palavra a um determinado grupo de pessoas para localizar pontos de conversão do mal-estar e, a partir desse mal-estar que emerge, produzir, quem sabe, novos efeitos.
Nesta pesquisa, a aposta que fazemos na conversação como metodologia se deve, principalmente, ao fato de se tratar de um dispositivo que considera as subjetividades, as particularidades do sujeito, que busca romper com as polaridades acerto/erro, aprendizagem/fracasso tão presentes nas escolas. Busca romper também com a oposição entre qualitativo/quantitativo e sujeito/objeto, na medida em que considera que a relação do sujeito com o mundo é mediada por sua realidade psíquica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A fala da profissional do CAEE que trazemos no início deste texto nos traz pistas para pensarmos que a escola está buscando uma “solução” ou uma “cura” fora de seus muros ou, ainda, que busca se ver livre do mal-estar trazido por essas crianças e adolescentes. Nessa direção, Freud (2010) nos indica que no processo de formação do eu “surge a tendência de segregar do eu tudo o que possa se tornar fonte de semelhante desprazer, de lançá-lo para fora, de formar um puro eu de prazer, ao qual se contrapõem um exterior desconhecido, ameaçador”. Podemos reconhecer nesses encaminhamentos dos alunos aos Centros um processo análogo em que a escola busca segregar, ou desresponsabilizar-se por aquele que oferece obstáculo a ela. Podemos afirmar, ainda, que os parâmetros de avaliação são responsáveis por ratificar a ideia de fracasso escolar na qual parece estar embutida a presunção de uma autoridade para condenar o fracassado e reafirmar a escola, o sistema de ensino, como instância que decide sobre a norma.
Desse modo, metas e seus instrumentos podem estar a serviço de uma padronização do ensino, da busca por uma uniformização do conhecimento, que será aferido e validado. A escola fecha os olhos para aquilo que não caminha de acordo com os parâmetros estabelecidos ou que não está neles enquadrado. A busca pela uniformização do ensino já é explicada por Freud ao afirmar que “todas as instituições são constituídas para pessoas com um Eu unitário, normal, a que se pode classificar de bom ou mau e que preenche a função ou dela é excluído por uma influência mais poderosa” (FREUD, 1927, p. 186).
Mas, contrariando essas expectativas relacionadas à unicidade da instituição escolar, podemos trazer o esclarecimento de mais uma profissional do CAEE: “a gente sempre vai ter aluno na escola, independentemente de ter deficiência ou não, que vai ter necessidades específicas de tempo, de forma de responder, de fazer uma atividade, de fazer uma avaliação”. Entretanto, em um cenário orientado por metas impostas pelas avaliações, a escola encarna esse papel do “Eu unitário”, privilegiando o desempenho, o rendimento, a aprendizagem, o acerto, e negligenciando a dificuldade, o erro. O que lhe escapa ao controle é denunciado como imperfeição ou quebra da homogeneidade.
A escola recusa-se a se deparar com a falha, com o mal-estar que, no entanto, também compõem o processo de aprendizagem; estão mesmo no seu cerne. A psicanálise quebra essa ilusão. Insiste em trazer de volta a falta, o compromisso com a imperfeição e faz da própria falta o propulsor do desejo, pois o desejo não busca a ilusão de totalidade; ao contrário, ele é a possibilidade de defesa contra o que há de mortífero na alucinação da completude.
Mas, havendo metas definidas e instrumentos para aferi-las na educação, ratificamos, a cada dia, os binômios erro/acerto, sucesso/fracasso, apto/não apto. Nesse contexto, qual o lugar daqueles que oferecem obstáculo para as instituições escolares? São essas as crianças e adolescentes encaminhadas aos CAEE. Acerca dessas crianças e adolescentes que procuramos escutar nas conversas realizadas em um desses Centros. Ouvimos dessas profissionais que essas crianças e adolescentes são encaminhadas ao CAEE na expectativa, por parte da escola, que retornem curadas desse espaço de atendimento, como podemos observar na primeira fala apresentada neste texto. Foi destacado por elas que o percurso do aluno que é encaminhado ao Centro é aferido pelas escolas com base em metas previamente estabelecidas para a respectiva etapa de escolarização, ou seja, não é pensado levando em consideração o próprio sujeito e o seu processo de aprendizagem. Importante ressaltar nesse sentido que entendemos aqui a aprendizagem como um processo de subjetivação, em que o sujeito adquire conhecimento e é capaz de refletir a respeito.
Parece-me indiscutível que a escola precisa possibilitar aos alunos a aquisição de conhecimentos e saber aplicá-los seria indispensável. Mas, adquirir e aplicar os conhecimentos esgotaria as conquistas que devem ser traçadas pelos sujeitos no processo de escolarização? Acumular conhecimento equivale a saber pensar? Afinal, como afirma Arendt (apud ALMEIDA, 2010), há pessoas muito inteligentes, mas incapazes de pensar, pois o conhecimento é um comportamento do intelecto, enquanto o pensamento é uma ação da razão. O primeiro diz respeito à busca pela verdade, enquanto o segundo diz respeito à busca pelo sentido. Não havendo espaço de escuta para o erro, para a não-aprendizagem, para o silêncio do aluno, para a reflexão particular, qual o lugar para o sujeito na escola?
O conhecimento sem reflexão parece-nos trazer o sujeito para um automatismo no agir, um agir de maneira planejada, previamente determinada. Agir planejadamente é, para a psicanálise, buscar na perversão uma solução para a neurose. Um agir perverso dissociado de reflexão, uma busca pelo planejamento, pela administração total.
A escola, como parte dessa engrenagem orientada por metas e resultados, participa dessa tentativa de dar materialidade à falta, propiciando a sua recusa pela delegação ao Outro da responsabilidade de saná-la. Segundo uma das profissionais, em relação aos encaminhamentos feitos ao CAEE: “fugiu do padrão é encaminhado. A ideia é que o aluno se transforme”. A ideia é reforçada, ainda, pela afirmativa: “nesse momento eu vejo como o mais difícil de tudo, é a falta de disponibilidade da escola em mudança. Ela quer que o aluno mude, que a família mude, mas dentro da escola nada muda”. Vemos que a escola não coloca para si mesma a questão de sua falha. Nesse sentido, tenta passar da experiência neurótica para uma recusa, sem se implicar, sem experimentar o conflito e gozando do tratamento do aluno falho como uma burla à lei, um desconhecimento de seu próprio compromisso e seus limites.
Pensando na recusa à falta, Lacan (1998) nos indica que o sujeito perverso não tolera a falta constitutiva, suas falhas devem ser negadas, escamoteadas, negadas. Assim, o fetiche funciona como um congelamento metonímico de um ideal de eu narcísico, sem falta. Analogamente, a escola, como organização, não como instituição – de acordo com o pensamento de Chauí (2002), “Uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma prática social determinada de acordo com sua instrumentalidade” –, aspira à completude, uma vez que tem os fins previamente definidos por metas e parâmetros que fazem a vez do eu ideal. Em uma linha de continuidade, visando à completude, não convive com a imperfeição, nega as falhas, as dificuldades denunciadas pelos alunos.
É nessa "naturalização" e delegação ao Outro que a escola persevera no gozo do "unitário". Nessa expectativa perversa, o tropeço é acidental e não constitutivo da escola como organização, e é possível apagar os rastros do acidente, negando, assim, a falta. Delegar ao outro o que falta, ou seja, encaminhar a outras instâncias, externas à escola, o aluno que representa obstáculo a ela, é livrar-se da admissão da falta através de seu apagamento pela expertise, delegando ao aluno que oferece resultados satisfatórios o papel de fetiche que possibilita a ilusão de unidade, de totalidade. Ao fazer isso a escola abdica do seu "eu" trocando o desejo de ensinar pelo gozo da posição ideal no ranking, do alcance das metas, o gozo instrumental. Desse modo, a escola recusa-se ao seu papel de ser aquilo em que se espelha a sociedade (instituição), com suas falhas, conflitos e fragmentação do saber, para agir como organização unitária, fixada no ideal do eu.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA,V.S. A distinção entre conhecer e pensar em Hannah Arendt e sua relevância para a educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.36, n.3, p.853-865, set./dez. 2010.

CHAUÍ, M. A universidade pública sob nova perspectiva. Revista Brasileira de Educação. n. 24, Set /Out /Nov /Dez 2003.

FREUD, S. (1927) Fetichismos. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. XXI, 1996.

FREUD, S. O mal estar na cultura. São Paulo: L&PM, 2010.

LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano (1960). In Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998.

NOTAS:

[1] A pesquisa de doutorado está sendo realizada em um dos Centros de Atendimento Educacional Especializado. Os Centros recebem crianças e adolescentes deficientes e/ou com Distúrbios Globais do desenvolvimento, que são encaminhados pelas escolas.

[2] Utilizamos a primeira pessoa do singular quando tratamos das experiências profissionais e acadêmicas da doutoranda e a primeira pessoa do plural quando nos referimos às experiências coletivas, discutidas no espaço do grupo de pesquisa – PSILE, e/ou nos processos de orientação.
Título: Riscos na internet: se inserir ou sair da cena do mundo.
Autor: Patricia da Silva Gomes
Coautor(es): Nádia Laguárdia de Lima
E-mail: pgpsicologa@gmail.com
Instituição: UFMG
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RISCOS NA INTERNET: SE INSERIR OU SAIR DA CENA DO MUNDO

Patrícia da Silva Gomes
Nádia Laguárdia de Lima

Resumo
O presente trabalho discute as condutas de risco praticadas por adolescentes nas redes sociais, a partir de alguns fragmentos de conversações recolhidos em nossa prática nas escolas. As conversações fazem parte do projeto de pesquisa-intervenção “Conversação na escola: adolescentes e redes sociais”, vinculado ao Grupo de Pesquisa Além da Tela: Psicanálise e Cultura Digital da UFMG. As condutas de risco foram abordadas a partir de sua relação com o tempo lógico da adolescência, articuladas às noções lacanianas de passagem ao ato e ou acting out e inseridas no contexto da cultura digital.
Palavras chaves: adolescência, risco, redes sociais, passagem ao ato, acting out.


1. INTRODUÇÃO

A forte presença das tecnologias digitais na sociedade contemporânea torna cada vez mais difícil a separação entre o virtual e o real. O sujeito é afetado por palavras e imagens do ambiente virtual, da mesma forma que experiências vividas fora da virtualidade podem ter prolongamentos no espaço virtual. As redes sociais tem sido um campo propíciopara a projeção de fantasias epara as mais diversas experimentações. Se o mal-estar na civilização é algo incurável, a internet pode ser utilizada de forma sintomática na “cultura digital”.

As redes sociais tem sido fonte de preocupação para pais e educadores, por representarem possibilidades de risco para crianças e adolescentes. Se a adolescência é um passaporte para a idade adulta, o risco, na perspectiva do antropólogo David Le Breton, é associado à “palavra valise, um cruzamento onde se encontram as preocupações que não deixam ninguém indiferente, dada a extrema relevância que tem em nossa sociedade. Essa relevância pode ser observada a partir das inúmeras práticas e discursos de controle e prevenção de riscos e nas mais diversas áreas da vida, apontando um caráter paradoxal: quanto mais se pretende controlar o risco, mais as condutas de risco se evidenciam”(Le Breton, 2009, p. 16).
Le Breton (2009) define as condutas de risco como comportamentos cujo traço comum é a probabilidade considerável de se machucar ou morrer, de prejudicar o futuro pessoal ou pôr a saúde em perigo, que vão além de um jogo simbólico com a eventualidade de morrer ou chocar-se com o mundo. Tais condutas às vezes se apresentam silenciosas e potencialmente capazes de alterar a integração social e o amor pela vida. Considerando essa definição proposta pelo autor, compreende-se a relevância dessas condutas, uma vez que tocam no ponto sensível da sociedade atual, que é a busca de controle sobre a vida, prevenindo contra tudo o que se considera perigoso.
Na perspectiva dos jovens, o risco como “valise” refere-se à passagem, viagem. A ideia do risco pode estar associada à de um trajeto em que se deixa uma coisa para aceder à outra. O sujeito, ao portar esta valise de contrabando, se engana ao se achar isento do encontro com o furo do saber. A ideia de que é possível portar uma valise fechada a qualquer declaração ao Outro, e que, de posse dela, o sujeito pode passar da infância a outra existência sem pagar o preço dessa passagem, é equivocada. É preciso pagar um preço por essa travessia, e a valise pode comportar uma solução singular (Lacadèe, 2011).
Alguns adolescentes identificam-se com o vazio descoberto, com um nada ou um dejeto, ao passo que outros preferem o desafio do corpo como um lugar da sensação fora do sentido, lugar da força viva (Lacadèe, 2011/2012). Nessa busca de um novo lugar em que o jovem poderia ser autenticado, o ato pode surgir de forma inédita na relação do sujeito com o seu corpo (Lacadèe, 2011). Nessa perspectiva, podemos considerar que as redes sociais podem ser um lugar para a busca da autenticação, seja pela via do ato ou através de manifestações sintomáticas.

2. METODOLOGIA
O objetivo central desta pesquisa é realizar uma reflexão teórica sobre os adolescentes eos riscos na internet. Para fazer essa discussão, foram utilizados alguns fragmentos de conversações recolhidos em nossa prática nas escolas, pela participação no projeto de pesquisa-intervenção “Conversação na escola: adolescentes e redes sociais”, vinculado ao Grupo de Pesquisa Além da Tela: Psicanálise e Cultura Digital, da UFMG.
Como metodologia, utilizou-se a pesquisa psicanalítica conceitual de caráter bibliográfico. Realizou-se um estudo teórico das relações entre adolescência e risco, a partir dos textos de Freud e de Lacan, estabelecendo um diálogo com autores da filosofia, antropologia e sociologia que analisam os temas da adolescência, internet, risco e contemporaneidade.

3. DISCUSSÃO

Adolescência, acting out e passagem ao ato.
Em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Freud (1905/2016) nos apresenta uma metáfora para designar a adolescência: “É como a perfuração de um túnel a partir dos dois lados” (p. 121)
Para ele, este túnel a ser cavado simultaneamente, seria perfurado por um lado pela corrente afetiva e por outro pela corrente sensual, ambas convergindo parao objeto e objetivo sexual. Essa perfuração, se convergente, teria como resultado uma vida sexual normal (Freud, 1905/2016).
Os hormônios da puberdade despertam o real traumático, confrontando o adolescente com o desamparo e despertando a angústia. A angústia é um afeto que não engana, tem uma relação estrutural com o sujeito e designa a proximidade do objeto a, ou seja, com o real do gozo, núcleo da subjetividade.
A presença do objeto a, sinalizada pela angústia, pode desencadear inibições, sintomas e ainda levar à passagem ao ato e ao acting out (Lacan, 1962-1963/2005). Lacan diferencia as duas noções de acordo com o movimento do sujeito de se inserir ou de sair da cena, tendo o objeto a como o articulador central da sua discussão teórica.
Lacan analisa as duas noções a partir do caso da jovem homossexual de Freud (1920/1969). Ele considera que a aventura da jovem com a dama de reputação duvidosa, levada à função de objeto supremo, foi uma ação orientada para o Outro, portanto, um acting out: “é aos olhos dos outros que se exibe a conduta da moça. Quanto mais escandalosa se torna essa publicidade, mas se acentua a sua conduta. E o que se mostra essencialmente como diferente do que é” (Lacan,1962-1963/2005, p.137). Neste comportamento, o objeto a sobe à cena juntamente com o sujeito.
Na passagem ao ato, ao contrário, o sujeito deixa-se cair, se encaminhando para evadir da cena e sem deixar lugar à interpretação. Tal forma é exemplificada pelo salto da jovem homossexual sobre a barreira que separa o canal por onde passa o bondinho (Lacan, 1962-1963/2005, p. 137).
A cena, a qual Lacan se refere, é o lugar aonde as coisas do mundo vêm a se dizer, ou seja, é o espaço em que o sujeito encena a sua história pela via simbólica, e assim, pode dar algum tratamento ao real (Lacan,1962/1963-2005,p. 42). Podemos pensar que o ciberespaço também propicia aos sujeitos a inserção ou a evasão da cena do mundo.
Nas conversações, escutamos alguns adolescentes dizerem que fazem postagens sem pensar, “de forma impulsiva”. Algumas dessas postagens têm conteúdos ofensivos ou expõem os jovens a situações de risco, fora da virtualidade.
Alguns comportamentos dos adolescentes nas redes sociais podem mostrar um endereçamento ao Outro. Como exemplo, um caso divulgado amplamente pela mídia, em que um adolescente de 13 anos desafiado no “jogo da asfixia”, morre, via transmissão webcam, diante dos colegas. É importante levar em conta que este ato já tinha sido praticado por ele e por outros adolescentes do grupo, que buscam se asfixiar até desmaiar, conquistando assim a aprovação do grupo. A conduta de risco praticada pelo jovem, se considerarmos o seu desfecho como acidental, estava num contexto em que se orientava como um ato dirigido ao outro, na figura aqui, do seu grupo, visando o seu reconhecimento, algo tão importante no tempo da adolescência.
O ato praticado pelo adolescente poderia se apresentar com uma dupla função: dar conta da angústia suscitada pelo encontro com o real da puberdade, e/ou uma autenticação do seu lugar na cena do mundo, representado aqui pelo seu grupo. Contudo, o jovem, ao tentar se inserir na cena do mundo, não se furtando ao desafio do reconhecimento do grupo, venceu a partida, mas perdeu o jogo da vida.
O mundo é o lugar onde o real se comprime, a cena (do Outro) é o lugar onde o homem tem que ser sujeito, assumir o seu lugar de fala, dentro de uma estrutura simbólica que, mesmo verídica, tem estrutura de ficção (Lacan, 1962-1963/2005). Na adolescência, as ficções emergem dos espaços vazios gerados pelos laços da causalidade que cederam ou foram distendidos, e pela inadequação da palavra, que perde a sua linearidade temporal e não consegue dizer das transformações que estão acontecendo com o jovem (Lacadèe, 2011): “Tais ficções que o adolescente constrói para sair desse túnel, são tentativas de traduzir em palavras o novo que arrebenta” (Lacadee, 2011, p.35).
Muitas vezes o ato, para o adolescente, seja como passagem ao ato ou como acting out se “mostra mais autêntico do que as palavras” (Lacadee, 2007, s.p.), dessa forma, alguns jovens, tomados pela impossibilidade de traduzir em significantes o que acontece com os seus corpos, podem atuar, a partir de suas interações virtuais.
Freud na Carta 46(1886/1977) comenta que o excesso de sexualidade impede a tradução. Há um impossível de dizer que é estrutural. Assim, observamos que muitas vezes o ato substitui a palavra. No espaço da palavra propiciado pelas conversações, os adolescentes afirmam que sentem “falta de falar”. Nos primeiros encontros, há uma agitação dos corpos que faz às vezes de ato, sem palavras, que vai dando lugar à palavra.

Bibliografia

Freud. S. (1886/1977) Carta 46. In: S. Freud. Edição Standart Brasileira das Obra Psicológicas Completas de Sigmund Freud. (J. Salomão, trad, 2 Ed. V. I. p. 311-316). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1886)

Freud, S. (1920/1969) Psicogênese de um caso de homossexualismo em uma mulher. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago.

Freud, S. (2016/1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, In: S. Freud. Obras completas volume 6: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmentária de uma histeria (O caso Dora) e outros textos (1901-1905). (Paulo César de Souza, trad. 1. Ed. p. 13-172) São Paulo: Companhia das Letras.

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Le Breton, D. (2009). Condutas de Risco: Dos jogos de morte ao jogo de viver. Campinas: Autores Associados.

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Rassial, Jean-Jacques. (1999). O sinthoma adolescente. Estilos da Clinica, 4(6), 89-93. Recuperado em 27 de junho de 2017, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71281999000100009&lng=pt&tlng=pt.
Título: Agenciamentos discursivos e seus efeitos no campo educativo: um debate a partir das proposições políticas na Educação Infantil no Brasil
Autor: Paula Fontana Fonseca
E-mail: pff@usp.br
Instituição: FEUSP
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Agenciamentos discursivos e seus efeitos no campo educativo: um debate a partir das proposições políticas na Educação Infantil no Brasil
Paula Fontana Fonseca
Resumo
No presente trabalho desenvolvemos um debate acerca das políticas públicas em Educação Infantil tomando por operador de leitura a proposição dos discursos de Lacan. Cada discurso agencia uma política que lhe é própria, seguindo uma lógica que lhe é imposta estruturalmente. Extraímos os efeitos dessa pluralidade discursiva e política para abordarmos o laço social. De nossa leitura, recortamos três significantes que batizaram cada um dos eixos de análise: políticas assistencialistas; políticas diagnósticas e políticas preditivas.

Resumo expandido
No presente trabalho desenvolveremos um debate acerca das políticas públicas em Educação Infantil tomando por operador de leitura a proposição dos discursos de Lacan.
O projeto realizado visou discutir as concepções de educação subjacentes às proposições políticas, assim, o trabalho se configurou como sendo da ordem de uma interpretação de eixos lógico-históricos. Com esse termo pretendemos evidenciar que, ainda que alguns dos temas sejam atrelados a momentos históricos específicos e que seja necessário abordá-los em sua sequência, há uma lógica que subjaz e que muitas vezes permanece para além dos fatos em si. Os discursos foram operadores de leitura importantes, pois permitiram nomear o que se engendrava no campo educativo. Recorremos a vários exemplos de nossa prática no âmbito da Educação Infantil não apenas para ilustrar o problema, mas muitas vezes para depreendê-lo e trazê-lo em sua complexidade.
A análise sustentada pela formulação lacaniana dos discursos possibilitou que demonstrássemos o ponto de alienação no qual as políticas públicas ancoram suas proposições. Se falamos do discurso do mestre, este é agenciado na medida em que se pretende governar o outro; se falamos do discurso universitário, este se agencia em nome de um saber consagrado que toma o outro por objeto; se falamos do discurso capitalista – justamente por não haver uma relação do agente com o outro e por ele se efetivar no curto-circuito que propõe uma relação direta entre objeto e sujeito –, ele é agenciado na medida em que o sujeito é governado pelos objetos produzidos pelas tecnociências.
Ao depreendermos três eixos, nomeados por significantes extraídos de nossa leitura, destacamos a direção que as políticas públicas imprimem para o campo da Educação Infantil. Assim, o primeiro eixo, batizado de assistencialista, evidenciou que ao pretender solapar o debate acerca do cuidado intrínseco ao atendimento do bebê e das crianças pequenas sob o vértice da educação, alçou-se a primeiro plano uma prática pedagógica fazendo que o cuidado – tido como eminentemente assistencial – fosse rechaçado como secundário, ou ainda, uma atividade menor. Um ideário educativo-pedagógico se impôs com pretensões de superar um modo de relação entendida como assistencialista. Os ruídos, evidentes no cotidiano das creches e EMEIs, dão notícia do retorno incômodo dessa tensão que não consegue ser resolvida por força do império do pedagógico.
O segundo eixo, nomeado de políticas diagnósticas, visou demonstrar o empuxo à explicação do fracasso escolar por meio do saber especialista. Ou seja, diante de um mal-estar persistente no campo educativo, uma resposta possível foi engendrada a partir da lógica: nomear para encaminhar. Quando abordamos as políticas diagnósticas, na verdade, falamos dessas formas de captura do sujeito, que pretendem medir, controlar e prescrever soluções para um desenvolvimento que se aproxime do ideal propagado. Esse empreendimento alicerçou-se no entendimento de que há um desenvolvimento infantil esperado e que a pedagogia, ao conhecê-lo com os aportes advindos da psicologia, pode instrumentalizar o professor para que ele o favoreça. O não cumprimento desse programa, ou seja, os desvios que são medidos a partir desse ideal desenvolvimentista são abordados como problemas concernentes aos especialistas e para tanto são encaminhados com fundamento em um diagnóstico muitas vezes presumido.
As políticas preditivas, nesse cenário, apontaram ao mesmo tempo para uma radicalização da lógica diagnóstica na atualidade e uma especificidade da atenção voltada à primeira infância que reside na ideia de prevenção a tempo. Como se a junção desses dois orientadores, a saber, a premência do encaminhamento com a consequente localização do problema sob um nome engendrado na racionalidade médica e a precocidade da intervenção preconizada como tempo ideal na prevenção de problemas, produzissem em seu encontro o lastro dessas políticas. A predição é depreendida como ponto de ancoragem das ações e acaba reverberando no fazer educativo ao produzir um imaginário de que quanto antes for detectado e circunscrito o problema melhor a possibilidade de preveni-lo ou corrigi-lo. Fica de fora o efeito iatrogênico dessa proposição na própria criação dos problemas que supostamente pretende identificar, tampouco é considerada a mercantilização das soluções que precisam ser ágeis e são produzidas dentro da lógica do discurso capitalista. Assim, fica difícil separar se tal tecnologia é necessária para avaliar e detectar determinado problema ou se, por existir a tecnologia, caçamos os problemas e lemos o mundo a partir desse crivo.
As políticas públicas intensificam certas discursividades, e isto comparece no imaginário ao redor da função da educação e produz efeitos nos diversos agentes ligados especificamente à escola. A própria psicanálise se faz presente como uma teoria que pode ser agenciada segundo as diversas políticas discursivas.
Palavras-chave: psicanálise; discursos; educação infantil
Título: MAL-ESTAR NO ENSINO SUPERIOR PRIVADO: sentidos e significados nas narrativas dos estudantes universitários
Autor: Paulo Henrique Mendonça Rodrigues
E-mail: paulohenrique@enriqueser.com.br
Instituição: Universidade Estácio de Sá
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O presente relatório publica uma pesquisa em andamento que desenvolve e aplica um modelo de análise dos sentidos e significados presentes no contexto da educação superior. A ênfase se situa na construção de narrativas com os estudantes, em processo de mediação que estabelece esforço de transição do senso coomum para heurísticas teóricas que sejam compreendidas pelos próprios alunos. Fundamenta-se nas arenas (dilemas) de Bamberg (2010) _ sameness & difference, agency & passivity e contancy & change _ e dimensões da Escala de Significados da Educação Superior (ESES), conforme Monteiro e Gonçalves (2017). Aplica-se inicialmente a uma amostra de 45 alunos de uma IES privada, no Rio de Janeiro. Tem como objetivo identificar os sentidos e os significados que os alunos expressam acerca dos dilemas acadêmicos que vivenciam. Em adição, espera-se instituir um núcleo de investigação-formação, com efeitos de pesquisa-ação.
Título: INFÂNCIA, ADOLESCÊNCIA E MAL ESTAR NA ESCOLARIZAÇÃO:REFLEXÕES A PARTIR DO RELATÓRIO ESCOLAR.
Autor: Rafaela Amaral Cunha do Nascimento
Coautor(es): Cristiana Carneiro, Luciana Gageiro Coutinho
E-mail: nascmnto.r@gmail.com
Instituição: UFRJ
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RESUMO: Compreendendo o mal-estar como intrínseco à relação com outrem (FREUD,1930), o presente trabalho tem como proposta contribuir para a investigação de como o mal-estar surge na relação professor-aluno, a partir da análise dos relatórios escolares. O estudo surgiu a partir da experiência de um grupo de pesquisa-e-extensão, feito em parceria entre as faculdades de psicologia e educação (Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Federal Fluminense) e objetivou questionar como a aprendizagem e o mal-estar são vivenciados pelos diversos agentes envolvidos no processo educacional. Neste trabalho, especificamente, analisaremos o discurso de educadores através de 12 relatórios escolares encaminhados aos pais e/ou à saúde mental. Palavras chave: FORMAÇÃO DE PROFESSORES , MAL ESTAR , ESCOLARIZAÇÃO

Introdução:

Tendo por base a perspectiva psicanalítica, compreendemos com Freud (1930) que o relacionamento com outrem é, ao mesmo tempo, o que nos constitui e nossa maior fonte de mal-estar, justamente porque a existência do outro e suas reações geralmente surpreendem aquém ou além do esperado: frustram. Freud, ao ponderar sobre a relação do homem com a civilização, considerou que esta exigia uma constante contenção e renúncia do individual em prol do coletivo. A renúncia necessária para a regulação da vida social teria como efeito o mal-estar. Uma esperada convivência minimamente pacífica exige renúncia e adiamento da realização do prazer, uma vez que, há um conflito entre as exigências pulsionais individuais e as exigências necessárias para manutenção da civilização. Assim, o processo civilizatório acarreta, como correlato, um constante sentimento de insatisfação, uma vez que as práticas, as leis e os costumes permanentemente se modificam trazendo novas imposições. Por consequência deste conflito inconciliável entre o individual e o coletivo, o mal-estar é inevitável à humanidade. Através da compreensão do mal-estar como intrínseco à relação com outrem, o presente trabalho tem como proposta contribuir para a investigação de como este surge na relação professor-aluno, a partir da análise do discurso de educadores presente nos relatórios escolares.

Os profissionais da educação seriam responsáveis pela tarefa de transmitir as noções necessárias para compreender os valores, a moral e a lógica das relações sociais de sua cultura. Ao assumir a tarefa de educar uma criança, o educador terá de lidar com a frustração, já que terá que ajustar seu ideal diante do aluno real. A escola, como ferramenta de mediação cultural, acolhe para si uma problemática que não pode ser solucionada de forma definitiva, mas para a qual é convocada insistentemente a apresentar respostas, que serão sempre provisórias e incompletas, ao mesmo tempo em que se apresentam fundamentais à manutenção da cultura à qual estão inseridas.

Além dessas complexidades do ofício de educar, o educador hoje se depara com uma sala heterogênea de divergentes desejos, apelos, interesses e necessidades do grupo, que geralmente não corresponde a modelos ideais de turma. O desencontro entre o esperado e o que existe acarreta, muitas vezes, em um desapontamento quando algo que era objetivado não ocorre na prática profissional, e o sentimento de impotência pode dificultar a possibilidade de trabalhar com as diferenças . (Pereira et Blum, 2014.)

Metodologia:

O presente trabalho apresenta parte da discussão oferecida pelo projeto “Infância, adolescência e mal-estar na escolarização: estudo de casos em psicanálise e educação”, realizado a partir de uma parceria entre o NIPIAC (Núcleo Interdisciplinar de Estudo e Pesquisa para a Infância e Adolescência Contemporâneas), as Faculdades de Educação da UFRJ e da UFF e o Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Partindo da premissa que o mal-estar não se encontra em um evento isolado que irrompe na escola, mas sim como algo constituinte das relações humanas, o projeto “Infância, adolescência e mal-estar na escolarização: estudo de casos em psicanálise e educação” realizou um estudo de casos de crianças e adolescentes direcionadas ao setor de psiquiatria (SPIA) do IPUB com queixas ligadas à escolarização.
A partir deste mapeamento, o grupo teve a oportunidade de analisar os problemas na escolarização a partir de uma coleta de dados ampla onde diferentes olhares e discursos foram enunciados e articulados, reconhecendo a importância analítica de considerar múltiplas variáveis na produção do mal-estar. Quatro eixos analíticos dirigiram a pesquisa: a escola, a família, o sujeito e os especialistas.

Durante a análise do material produzido no campo interventivo do eixo escola, a equipe deparou-se com os relatórios escolares. Esses 12 documentos traziam informações importantes sobre o funcionamento do sistema disciplinar das escolas envolvidas, demonstrando sua relevância ao elucidar as informações sobre o funcionamento do sistema disciplinar das escolas envolvidas e os tipos de estratégias e perspectivas, das preventivas às punitivas, que foram utilizadas com as crianças e adolescentes.

Entendendo que a subjetividade do educador que produz o relatório não deve ser excluída, este trabalho pretende analisar o mal-estar presente nestes documentos. Tem como problema a seguinte questão: podemos encontrar indícios de mal-estar dos educadores através dos relatórios escolares? Como este aparece nesses documentos? Tem, então, como objetivo mapear as expressões de mal-estar dos educadores nos relatórios escolares, formulando a hipótese do relatório ser utilizado não só como uma ferramenta pedagógica mas também como subsídio para lidar com a frustração do docente e uma tentativa de diálogo da escola, dividindo sua tensão com outras instâncias que constituem o processo educacional.

Resultados e Discussão

Como pudemos notar, a partir dos relatórios, a escrita dos educadores se refere predominantemente ao mal-estar gerado por um aluno que não corresponde ao lugar de aluno que construímos como ideal, aceito, esperado. Correa (2010) apresenta através do conceito freudiano de Ideal do eu no campo educacional, que a relação professor-aluno demonstra reproduzir uma transferência de saber imaginária e especular, projetando no aluno uma dimensão idealizante, esperando que este responda às suas fantasias. Esta projeção pode ter como consequência uma exclusão daqueles que não se adaptarem ao lugar que foi idealizado.

Talvez a diferença maior entre estes relatórios seja a forma como foi relatado o mal-estar. Em sua maioria, aparece um mal-estar mais descritivo e individualizado, como um problema que diria respeito apenas ao aluno. Neste caso, teríamos a descrição do “aluno que não se encaixa”, “que não serve à escola”. Num outro caso, nós teríamos um relato que, também, aponta “os erros” mas que, de alguma forma, os inclui naquela escola, naquela relação professor-aluno, portanto que não localiza apenas no aluno(a), reduzindo o efeito de uma segregação do aluno que não se adapta às categorias e medidas padronizadas que engessam o conceito de normalidade do saber científico. (CORREA, 2010)

Outro ponto relevante observado com o estudo, seria que o relatório não presentifica a ação dos educadores diante destes comportamentos “inapropriados”, como lidaram ou o que entendem a partir disto. Assim, a escrita evidenciada nos relatórios não apresenta uma construção de pensamento do professor a respeito das consequências e efeitos de suas ações sobre os alunos, descrevendo estes mais pela perspectiva do seu incômodo. Hipotetizamos aqui que, ou isto é omitido no relatório apesar de na prática ocorrer algum outro tipo de envolvimento, ou de fato a escola – e o educador como seu representante- individualizam o comportamento do aluno, patologizando-o. Neste caso, o comportamento não estaria relacionado ao ambiente escolar, sua estrutura e postura dos educadores, mas seria um “transtorno” específico daquela criança.Com isso, levantamos a hipótese do relatório ser utilizado também como instrumento de "descarga" desta frustração e também como tentativa da escola de dividir sua tensão convocando outras instâncias que também constituem o processo educacional, seja a família ou um especialista do campo da saúde.

Por fim, ficamos com o alerta para pensar em alternativas para um processo educativo que não transmita apenas ideais de seu educador nem que exclua aqueles que não se modelam a estes, privilegiando assim uma prática que tenha como prioridade a transmissão do saber e que possa dar lugar ao aluno em sua diferença. Concluindo, consideramos a maior necessidade de práticas que discutam a constituição subjetiva aliada à prática pedagógica, para que o ideal educacional institucional ‘não suture o mal estar, transformando-se em fonte deste’. (Diniz, 1988)



Referências:

CARNEIRO, C., & COUTINHO, L. G. (2015). Infância e adolescência: como chegam as queixas escolares à saúde mental?. Educar em Revista, 56, 181-192.
CARNEIRO, C., & COUTINHO, L. G. (2016).Infância, adolescência e mal-estar na escolarização: interlocuções entre a psicanálise e a educação. Psicol. clin., Rio de Janeiro , v. 28, n. 2, p. 109-129.
CORREA, Cristia Rosineiri Gonçalves Lopes. Ideal e autoridade na educação. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro , v. 62, n. 1, p. 02-12, abr. 2010
DINIZ, M. (1998) De que sofrem as mulheres-professoras?. In: Eliane Marta Teixeira Lopes. (Org.). A psicanálise escuta a educação. Belo Horizonte: Autêntica, v. , p. 198-223.
FREUD, S. (1930). O Mal-estar na Civilização.In: Obras Completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
FREUD, S. (1937/1988). Análise terminável e interminável Em: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas (v.23). Tradução de D. Marcondes e outros. Rio de Janeiro: Imago
Título: Inclusão na impossibilidade da educação: uma proposta de intervenção psicanalítica
Autor: Raquel Cabral de Mesquita
Coautor(es): Ana Lydia Santiago - Orientadora
E-mail: raquelcmesquita@hotmail.com
Instituição: Faculdade de Educação / UFMG - Professora da Faced e Faculdade Pitágoras em Divinópolis/ MG
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Resumo
As experiências escolares revelam que há sempre uma diferença a ser excluída. Ao realizarmos uma leitura desta situação educacional, subsidiados pela Psicanálise, percebemos que a Inclusão Educacional carrega a marca do impossível da educação. Essa tendência à exclusão, que não cessa de reaparecer na proposta de inclusão, pode ser considerada um dos nomes do impossível da educação na atualidade. A pesquisa de doutoramento visou investigar e intervir sobre o sintoma do sujeito e o sintoma da escola no processo de inclusão. Assim, utilizou-se de três dispositivos metodológicos que objetivaram tratar o sintoma e, deste modo, observou-se que é na impossibilidade que se faz inclusão, restituindo o lugar do impossível nas práticas educativas.
Palavras-chave: Inclusão educacional. Psicanálise. Diversidade. Singularidade. Sintoma.
Título: A escola e a transmissão sob a égide do discurso capitalista
Autor: Rejinaldo José Chiaradia
E-mail: rejinaldo@usp.br
Instituição: Feusp
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O presente trabalho visa circunscrever, a partir dos conceitos psicanalíticos de discurso, ato analítico e ato político as condições de possibilidade para o acontecimento do ato educativo. Para isso, fará um mapeamento das condições que demarcam o atravessamento da modernidade para a pós-modernidade estabelecendo uma relação desse evento com o que Lacan veio a chamar de discurso do capitalista e deste, com a atual conjuntura educacional. Posteriormente, mapeará a base do diálogo da psicanálise com a educação promovida desde Freud passando por Lacan até a contemporaneidade e indicará a partir da perspectiva psicanalítica o que é educar e o que resguarda seu acontecimento, destacando para o mesmo a relevância do laço social e, portanto, problematizando para a instituição escolar e a transmissão, a presença preponderante do discurso do capitalista como aquele que não faz laço. Apontará a partir de relatos de diretores, coordenadores pedagógicos, professores e alunos elementos que evidenciam o lugar em que são tomados na lógica discursiva e os efeitos constatáveis dos mesmos na transmissão. Isso conduzirá a comprovar ou refutar a hipótese de que a pregnância insidiosa do discurso do capitalista na educação em suas diferentes instâncias promove um alijamento do ato educativo para uma outra esfera que não mais a escolar.
Título: Uma Etiologia da Renúncia ao Professar
Autor: Ricardo Dias Sacco
E-mail: rids@usp.br
Instituição: FEUSP
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Resumo

Quase ninguém ousa discordar que a vida profissional do professor de educação básica seja tarefa desprestigiada, mal-remunerada e que as condições físicas de trabalho não sejam ideais ou, ainda, que não seja necessário grande investimento pessoal como requisito, comumente definido como "dom". Porém, assim como a escola e as figuras do professor não passem de meras criações humanas; as óbvias imagens descritas sobre a vida professoral também as são; embora termo-nos acostumado a esquecer que sejam. As criações habitam o seio de um discurso consolidado e imaginado como verdade sobre a profissão do mestre, mas que, nem por isso, funciona a despeito da estipulação de posições ou definições de conceitos; ou é isento de um programa de (des)qualificação do outro. Portanto, convido à leitura do presente trabalho que propõe novas formas de escuta sobre alguns registros históricos consolidados da educação básica brasileira. Trata-se da procura de subsídios alternativos para saber mais sobre quais condições contribuem para que a maioria dos sujeitos que procuram a formação de professores para o ensino fundamental não encontrem um lugar para exercer sua profissão.
Título: Para além dos diagnósticos: reflexões sobre (outra) psicopatologia da infância e da adolescência
Autor: Roberta Ecleide de Olibveira Gomes Kelly
E-mail: ecleide@gmail.com
Instituição: NEPE núcleo de estudos em psicanálise e educação
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Para além dos diagnósticos: reflexões sobre (outra) psicopatologia da infância e da adolescência
Roberta Ecleide de Oliveira Gomes Kelly

Resumo
O adoecimento psíquico na pós-modernidade tem como características: ilusão do encontro com os objetos de desejo, inconsistência narcísica (e, paradoxalmente, inflação narcísica), falha na construção de traços identificatórios. Este trabalho traz reflexões sobre a infância e a adolescência, observando seu desamparo existencial precoce, o esgarçamento dos laços com os outros, a dificuldade de permanência consigo mesmos e a fragilidades das instituições. Observam-se o excesso de diagnósticos e classificações arbitrárias como tentativa de esteio ideológico e a medicalização do pathos. Propõe-se uma perspectiva “para além dos diagnósticos”, sustentada pela Psicanálise, nomeada Acompanhamento pais-criança, com efeitos importantes no sentido da autoria e da responsabilidade do sujeito.
Palavras-chave: Psicanálise, Laço Social, Diagnóstico.

Introdução
As possibilidades de ser humano trazem, em seu bojo, o desamparo primordial FREUD, 1895 citado por GABBI JR., 2003) que acarreta paixão e sofrimento – pathos – intensidade e movimento que se manifestam como sofrimento psíquico. Desta forma, é com o outro, na qualidade de função da transmissão, que cada bebê deverá aprender como manejar este pathos, como dar conta de si ao mesmo tempo que se orienta coletivamente.
Isto se faz através do processo educativo, que permite a transmissão, dos mais velhos aos mais jovens, sobre como sobreviver (cuidar de si mesmo e de estar com os outros), desenvolver autonomia (fazeres consigo e com o outro a partir das marcas de sobrevivência) e conquistar a independência (a partir da sobrevivência e da autonomia, decidir sobre o próprio caminho).
Aos adultos, como representantes da função de transmissão, cabe ensinar para a sobrevivência (desde a higiene do corpo, à construção dos hábitos, aos ditames e regras da convivência social), supervisionar a autonomia (garantir que o aprendizado da sobrevivência aconteça nas mais variadas situações) e orientar a independência (refletir e discutir sobre as dificuldades de ser sozinho e, ainda assim, estar com os outros).
Este percurso de transmissão é complexo, pois não tem respostas ou conduções prontas e adequadas; demanda, dos adultos, persistência e presença. Além do mais, esta transmissão se faz de acordo com a passagem do tempo para que se construa. Não há garantias e isso acontece de acordo com a aposta dos pais, a aposta não anônima, que vê, no bebê, alguém capaz de ser interlocutor, de ser um outro para os pais. Porque há aposta, o ensino se conduz de forma cotidiana e gradativa, e é da tradição familiar, primeira comum-unidade do bebê, que se extraem as condutas e as melhores formas de agir e de lidar com o erro e o imprevisto.
Na contemporaneidade, o aprendizado deste manejo se mostra em crise. Os adultos se apresentam fragilizados diante da tarefa da transmissão, pela expectativa de “darem aos filhos tudo o que não tiveram, para que eles sejam felizes (coisa que os pais não foram porque não tiveram tudo)”. Se esta expectativa pode ser verdade, a possibilidade de não se estar presente diante dos filhos/dos jovens, como exemplo e como condutor do processo educativo/ensinativo começa a se construir nas relações adultos-jovens. E isso se pode observar na escola, em casa, no cotidiano.
Para comprometer esta equação, o uso de mediadores deste encontro entre os adultos e os jovens é corriqueiro: terceirização das relações, aparelhos eletrônicos (celulares e tablets), dicas e propostas lidas de fora da comunidade familiar ou escolar (blogs, textos de livros, consultores para hábitos) e o uso da medicação psiquiátrica. A aposta, o voto, não passam por mediadores, criando uma situação de gravidade tanto paras as crianças da primeira infância como para os adolescentes, no sentido da dessubjetivação; ou seja, a contemporaneidade maneja as relações educativas/ensinativas de forma a não produzir escolhas ou autoria. Pode-se, então, dizer que, nesta situação, há riscos de constituição do sujeito.
Demandam-se possibilidades de retomar, do lado dos adultos, a aposta, e dos jovens, a presença e a permanência, através da cotidianização do sofrimento psíquico, na forma de uma clínica que, banal, faz-se em ações simples, mas persistentes, de acordo com o referencial psicanalítico.
Metodologia
O Acompanhamento pais-Criança é uma forma de abordar uma situação clínica específica, de crianças que não falam, apresentam atraso importante de desenvolvimento (linguagem, sono, alimentação, ações autônomas – comer sozinho, adormecer, cuidar-se). Esta proposta começou a partir de estudos sobre o PREAUT CRESPIN e PARLATO-OLIVEIRA, 2015) em 2013 e vem se construindo gradualmente como alternativa de abordagem para a intervenção precoce, na primeira infância.
As leituras que consistem estas discussões vêm de vários autores, como Ansermet (2003), Maleval (s.d.), Lebrun (2009), Parlato-Oliveira (2011), Wanderley (2013), Kamers et al. (2015) e Laznik (2012, 2016). Além destas referências, na condução das atividades com as crianças, diante dos pais, também há a referência de André Bullinger (1997, 1998, 2000, 2001, 2004, 2006), cujos conceitos, em Sensório-motricidade, trazem a articulação entre organismo-aposta-corpo, aparentemente desaparecida do cotidiano das crianças que não orientam sensorialmente e/ou espacialmente e/ou na direção dos outros.
Os pais participam das sessões, desde o momento de avaliação (em 6 a 8 sessões) e nos atendimentos posteriores. Esta participação é ativa, no sentido de relatos sobre as situações cotidianas, bem como das atividades desenvolvidas. Intenta-se, desta forma, que os pais se tornem co-terapeutas no dia-a-dia da criança, replicando as ações necessárias para a sustentação da aposta.
Nas sessões, três terapeutas estão presentes, de formação psicanalítica: um que filma a sessão, dois que interagem com os pais e com a criança. Todas as sessões são filmadas e assistidas semanalmente para debate entre os terapeutas e para, semestralmente, dar subsídios para relatórios que são apresentados aos pais e aos profissionais que podem estar envolvidos (fonoaudiólogos, escola, instituições de reabilitação.
A frequência de acompanhamento é de uma a duas sessões semanais e o período é de até dois anos. Ao final deste período, se a criança e os pais necessitarem de acompanhamento, isto pode ser mantido na mesma proposta ou outra, no sentido convencional de psicanálise de crianças. Mas é condição desta mudança que a criança já tenha, estabelecidos, a linguagem e os hábitos (alimentação e sono), permitindo a interação e o estar com o outro.

Resultados e Discussão
De setembro de 2015 a junho de 2017 foram acompanhadas 20 crianças, das quais apenas uma apresenta características de autismo. Das outras encontram-se perda auditiva, alterações neurológicas, falta de informações dos pais sobre a condução dos filhos. Na maioria delas, o uso de eletrônicos é constante, há dificuldade no estabelecimento de hábitos e a linguagem está ausente ou atrasada, com poucas sílabas ou palavras, nem sempre contextualizadas.
O que se pode, brevemente, concluir, em quase dois anos, refere-se à importância e necessidade, de se abordar as situações das crianças em atraso a partir do limite da viabilidade – para estar sozinho de forma autônoma e independente e para estar com o outro, com autoria e escolha.
Tal perspectiva impõe que os diagnósticos sejam repensados, revistos e, se não permitirem encaminhamento das questões de cada criança, não serem feitos. Esta é a perspectiva “para além dos diagnósticos”.
Neste sentido, esta é uma perspectiva que diz respeito a crianças, mas também aos adolescentes. A adolescência é um momento de revisão da transmissão educativa/ensinativa, das possibilidades de ser-estar no mundo. Neste momento, os adultos também são essenciais em sua função, com presença e permanência (outra forma do tempo).
Finalmente, que esta perspectiva se construa em uma via transdisciplinar, que os profissionais envolvidos possam articular suas práticas de acordo com o eixo dos conceitos psicanalíticos. A Psicanálise permite a troca de saberes diversos, manejando dúvidas e incertezas. Esta construção está em curso e demanda novos estudos e novas articulações.

Referências
ANSERMET, F. Clínica da Origem. A criança entre a Medicina e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2003.

BULLINGER, A. Cognition et corps. Neuropsychiatrie de lenfance et de ladolescence, 45, 11-12, 652-657, 1997.
BULLINGER, A. La genèse de laxe corporel, quelques repères. Enfance, 1, 26-34, 1998.
BULLINGER, A. De l’organisme au corps : une perspective instrumentale. In A. Bullinger (Éd.). Le bébé le geste et la trace. Numéro thématique. Enfance, vol. 52, 3, 213-220, 2000.
BULLINGER, A. Les prothèses de rassemblement. Neuropsychiatrie de l’enfance et de l’adolescence, 49, 4-8, 2001.
BULLINGER, A. Le développement sensori-moteur et ses avatars. Ramonville Saint-Agne: Éditions Erès, 2004.

BULLINGER, A. Approche sensori-motrice des troubles envahissants du développement, Paris. Rev. ANECAMPS. 25:125–39, 2006.

CRESPIN, G. e PARLATO-OLIVEIRA, E. O projeto PREAUT. In: Dossiê Autismo. São Paulo: Instituto Langage, 2015.

GABBI JR., O. Notas a Projeto de uma Psicologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003.

KAMERS, M., MARIOTTO, R. M. M., VOLTOLINI, R. (Orgs.). Por uma (nova) psicopatologia da infância e da adolescência. São Paulo: Escuta, 2015.

LAURENT, E. A Batalha do autismo. Da clínica à política. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

LAZNIK, M. C., TOUATI, B e BURSZTEJN, C. Distinção clínica e teórica entre autismo e psicose na infância. São Paulo: Instituto Langage, 2016.

LEBRUN, J.-C. Clínica da Instituição: o que a psicanálise contribui para a vida coletiva. Porto alegre: CMC, 2009.

MALEVAL, J.-C. Da Psicose Precocíssima ao Espectro do Autismo: História de uma mutação na apreensão da síndrome de Kanner. Disponível na internet em: http://docslide.com.br/documents/da-psicose-precocessissima-malevaldoc.html - Acesso em 20/04/2017.

MURATORI, F. O diagnóstico precoce no autismo: guia prático para pediatras. Salvador: NIIP, 2014.

PARLATO-OLIVEIRA, E. A clínica de linguagem de bebê: um trabalho transdisciplinar. In: LAZNIK, M. C. e COHEN, D. O Bebê e seus intérpretes: clínica e pesquisa. São Paulo: Instituto Langage, 2011.

WANDERLEY, D. B. Aventuras psicanalíticas com crianças autistas e seus pais. Salvador: Ágalma, 2013.
Título: Os processos de transmissão do saber entre o consumido e o consumado: a formação do sujeito no campo da ciência e tecnologia
Autor: Rogério Rodrigues
E-mail: rogerio@unifei.edu.br
Instituição: Universidade Federal de Itajubá
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Resumo

A formação científica escolar encontra-se, basicamente, constituída na concepção do sujeito competente. O nosso objetivo será analisar os processos educativos que ocorrem nas contradições que limitam os sujeitos como instrumento na competência técnica. A nossa pergunta central é compreender se teríamos a possibilidade de outras formas de relações na transmissão do saber científico que possam se aproximar com a “verdade da experiência”. O método utilizado tem como proposição investigativa a teoria psicanalítica como elemento do campo da teoria crítica na análise do questionário aplicado aos alunos. Conclui-se que ao se pensar o processo de/formação científica deveria encontrar elementos que possam romper com a concepção da competência técnica e neutra para constituir o sujeito reflexivo.
Palavras-chaves: Educação; Formação Escolar; Ensino de Ciências; Competência Técnica.

I. Introdução: o consumo do saber científico e a formação do sujeito na modernidade
Compreender a unidade escolar e o conjunto de práticas educativas que ocorrem em seu interior, em grande parte, consiste, principalmente, em interpretar os desdobramentos da hegemonia da concepção do “sujeito competente” que instaura a noção “(...) entre os que supostamente sabem e devem mandar e os que não sabem e por isso devem obedecer (...)” (CHAUI, 2016, p. 50). Desse modo, em decorrência dessa concepção de sujeito competente, instauram-se no campo escolar diversos modos de fazer em práticas eficientes e eficazes. Entretanto, para se constituir nesse direcionamento educativo, por um lado, temos a escola, que tudo consome e nada resta na transmissão do saber, pois, em seu interior, tudo se absorve no conjunto das futilidades e, por outro lado, a escola consumada, que seria outra posição do aparelho escolar, que se impõe dogmaticamente na noção de competência no campo do saber. Nessa condição no consumo de saber para a produção do sujeito competente, interessa-nos analisar o que ocorrem nas instituições de ensino, mais propriamente, nos cursos de engenharia, pois esses assumem um papel de destaque no consumo do saber científico e tecnológico. Compreendemos que o pensamento científico instituído numa determinada modalidade de “cultura científica” reproduz o sujeito no campo das relações humanas, que, na sociedade de mercado, transparece na precarização que permeia a cultura do capital. Assim,
A cultura não é apenas uma transmissão de informação cultural, uma transmissão de sistema de modelização, mas é também uma maneira de as elites capitalistas exporem o que eu chamaria de um mercado geral de poder (GUATTARI, & ROLNIK, 2005, p. 27). (...) Não existe, a meu ver, cultura popular e cultura erudita. Há uma cultura capitalista que permeia todos os campos de expressão semiótica (GUATTARI, & ROLNIK, 2005, p. 30).

O contraditório na transmissão da cultura científica neutra no campo do capitalismo é que, de um lado, ela pode também engendrar a crítica ao próprio sistema e, por outro lado, apresenta-se com uma racionalização que impede produzir o pensamento crítico. No campo da formação científica do sujeito, muitos podem tornar-se informados, mas grande parte encontra-se sem conteúdo profundo sobre o assunto e, principalmente, sem o rigor conceitual. Apresentam-se embrutecidos como aqueles que repetem algo sem compreender e isso “(...) é a marca do método que faz alguém falar para concluir que o que diz é inconsistente e que ele jamais o teria sabido, se alguém não lhe houvera indicado o caminho de demonstrar a si mesmo sua própria insignificância” (VERMEREN, 2017, p. 188).
Compartilha-se da hipótese não iluminista de que o sujeito no campo da ciência, paradoxalmente, pode regredir e embrutecer ou a esperança que possa emancipar-se na formação plena em ser intelectual. Os processos de/formação do sujeito constituem-se na precariedade perante o saber científico e reproduz as condições impróprias na interpretação do real. Nestes termos, a consciência que rompe com o senso comum seria aquela que tem a possibilidade de criticar a si como sujeito no campo da cultura. Entretanto, na contramão da formação crítica, o que se observa é um esvaziamento ou ruptura do laço educativo e, portanto, compartilha-se da tese de Lajonquière (2009) a respeito da formação do sujeito no campo das “ilusões (psico)pedagógicas”, que identifica a perda do laço educativo humanizado, uma vez que
Hoje em dia, duvida-se da necessidade de existirem obrigações no cotidiano escolar e, portanto, não se impõem ordens, mesmo que os adultos peçam às crianças em nome de alguma razão ou tentem obediência pela via doce da sedução. Assim, bane-se o arbítrio próprio das clássicas ordens e espera-se criar uma atmosfera de trabalho e relacionamento “natural” entre adultos, crianças e “conteúdos escolares” (LAJONQUIÈRE, 2009, p. 75).

Para analisar essas alterações nas circunstâncias subjetivas perante o saber científico que compõem a formação do sujeito, o objetivo, neste ensaio, será detalhar algumas ocorrências nos casos que se produzem no interior da formação daqueles em que a cultura científica encontra-se influenciada pelas novas dinâmicas de acesso ao saber instituído na modernidade no campo da ciência e tecnologia – a formação do engenheiro.

II. Metodologia: o mestre explicador e o impossível de se pensar para além da neutralidade da ciência e tecnologia

Observamos que o elemento contraditório entre o consumido e o consumado seria compreender que a formação escolar é algo também associado ao acúmulo de informação para o esclarecimento do sujeito. Essa noção de causalidade encontra-se presente na concepção de ensino de algumas respostas dos alunos do curso de engenharia, que prevalece em todo o processo formativo e chega até os anos finais escolares da universidade. Dentro desse contexto, foi perguntado aos alunos do curso de Engenharia, numa instituição com seiscentos e quarenta e cinco ingressantes, como compreendem o seu processo formativo. Num total de duzentas e vinte nove respostas recebidas, torna-se evidente interpretar que sobre a questão do processo formativo ocorre uma demanda para que o professor assuma a posição de mestre explicador e isso condiz com a concepção hegemônica de que a formação de qualidade está diretamente relacionada à quantidade de informação recebida.
O método utilizado tem como proposição investigativa a teoria psicanalítica como elemento do campo da teoria crítica na análise do questionário aplicado aos alunos que permite interpretar que campo escolar a formação do engenheiro se traduz como o processo da obediência cega ao roteiro da aula ou do experimento, que se consolida no determinismo mecanicista, mais propriamente, na realização do paradoxo na formação do engenheiro sem engenhosidade.

III. Resultados e Discussão: o paradoxo do sujeito não reflexivo no campo da ciência e tecnologia

Compreende-se que a transmissão do saber científico possui uma representação simbólica de destaque na unidade de ensino como lugar em que os sujeitos interpretam os dados do experimento e, principalmente, reproduzem cientificamente, no trabalho de pesquisa, os elementos que objetivam a própria realidade de estudo. Portanto, torna-se possível identificar entre aqueles que ingressam na área de estudo no campo da ciência e tecnologia narrativas sobre o modo de elaboração do “como fazer as práticas científicas e tecnológicas”. No campo da formação do intelectual, a concepção pautada na produção do sujeito competente apresenta-se como coisa/objeto e isso seria a peça do quebra-cabeça para se compreender o processo formativo destituído de crítica perante o trabalho do pensamento e, portanto, dever-se-ia compreender nas narrativas desses sujeitos qual é o enredo educativo científico vivenciado que permite a regressão e a perda na realização do vínculo, mais propriamente, a perda na capacidade de amar, em que a técnica sobrepõe-se às necessidades de vínculos com o outro. Tem-se como hipótese que a redução da formação científica no aspecto da instrução apresenta-se também como uma peça-chave para entender a produção do sujeito de “caráter manipulador” (ADORNO, 1995) e, portanto
(....) quem projeta um sistema ferroviário para conduzir as vítimas a Auschwitz com maior rapidez e fluências, a esquecer o que acontece com estas vítimas em Auschwitz. No caso do tipo com tendências à feitichização da técnica, trata-se simplesmente de pessoas incapazes de amar (ADORNO, 1995, p. 133).

A partir dos anos inseridos como docente e na observação da rotina da unidade de ensino, torna-se possível compreender que as instituições de ensino encontram-se no entusiasmo pedagógico de que quanto maior a quantidade de informação durante a transmissão do saber científico melhor é a qualidade no ensino. Portanto, os resultados desse ensaio indicam, a partir da análise dessa ocorrência, que a interface entre a formação profissional em engenharia e a cultura científica, prevalece a atitude do educador na compulsão de educar - a manutenção de relações de subordinação e, principalmente, o apagamento do sujeito crítico.

IV. Conclusão: o trabalho do ensino e a pesquisa na formação crítica do sujeito

Em relação aos elementos de formação do sujeito crítico, observamos, ainda hoje, como fenômeno atual e que chama muito a nossa atenção, o fato de que, quando entramos em sala de aula ou nos laboratórios, não encontramos mais, como instrumentos de trabalho escolar dos alunos, cadernos, livros e canetas. Veem-se, agora, somente computadores portáteis, e todos conectados ao “reino da sabedoria plena do Google”. Portanto, atualmente, apenas mudamos a referência sobre a quem apresentar nossas dúvidas e inquietações. Se, antigamente, era para o oráculo, agora é para as redes de computadores que se encontram conectadas em diversas fontes de informações para esclarecer o sujeito perante sua angústia de não saber. Qualquer dúvida pode ser resolvida com o acesso imediato à conexão nas redes dos sites de busca. Não existe mais a possibilidade de não saber, pois basta apenas digitar algumas letras no computador e, em milésimos de segundos, são disponibilizados diversos endereços eletrônicos com um conjunto de informações sobre o assunto. Em termos de divulgação do saber científico pelos meios tecnológicos, pode-se voltar novamente ao caso do consumido e consumado em que a televisão consagra um “saber” ao alcance de todos no campo do senso comum. Essa situação de acesso imediato à informação coloca para alguns em questão a verdadeira necessidade da presença do mestre educador em sala de aula como mediador da passagem para o outro lado do saber comum, como elemento radical de compreender o real.
Compreendemos que o principal papel do sujeito do conhecimento no campo da ciência é constituir-se como autoridade em interpretar o real e possibilitar surgimentos de outros pensamentos que em nome próprio possa produzir novas interpretações. Entretanto, o espaço escolar fica cada vez mais destituído de sentido e talvez isso seja o motivo para que:
(...) nunca como hoje alguém pôde chegar e até sair da própria universidade carecendo de toda disciplina intelectual. Então em algum momento devemos ter perdido com aquilo que é essencial, começarmos a nos preocupar com aquilo que é acessório. Justamente, nossa hipótese é a seguinte: se nos preocuparmos pelo acessório – a afetividade, a criatividade, a felicidade... -, é por conta do discurso (psico)pedagógico hegemônico (LAJONQUIÈRE, 2009, p. 27-8).

A unidade escolar deveria se constituir como um espaço para a experiência de vida, mais propriamente, a “verdade da experiência” como lugar que em termos formativos possa escapar da lógica do “consumido ou consumado” e instaurar-se como lugar de transmissão do saber e recordações se “(...) teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres” (FREUD, 1990, p. 286). (Agradecimentos: FAPEMIG; FE/USP e UNIFEI).
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Trad. Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
CHAUI, Marilena. A ideologia da competência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 11ª ed. São Paulo,Companhia Editora Nacional, 1984.
FREUD, Sigmund. Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar (1914). In: ________. Obras Completas. v. XIII. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1990.
GUATTARI, Félix & ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 7ª Edição. Petrópolis: Vozes, 2005.
LAJONQUIÈRE, Leandro de. Infância e ilusão (psico)pedagógica: escritos de psicanálise e educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
VERMEREN, Patrice; CORNU, Laurence; BENVENUTO, Andrea. Atualidade de O mestre ignorante. Educ. Soc., Campinas, v. 24, n. 82, p. 185-202, abr. 2003 . Disponível em . acessos em 11 abr. 2017.
Título: A metodologia IRDI e as possibilidades na prática clínica. Um bebê inibido, considerado autônomo.
Autor: Sabrina Vicentin Plothow
E-mail: sabrinavplothow@gmail.com
Instituição: Universidade de São Paulo
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Este trabalho tem como objetivo apresentar um recorte da experiência com o uso dos IRDIs em creche, enfatizando as possibilidades de manejo clínico no acompanhamento do laço entre as professoras e os bebês, que convivem diariamente. Ressalta-se neste estudo, a importante relevância que a posição discursiva das professoras teve na relação com os bebês do berçário e seus possíveis deslizamentos. Tal discursividade pode ser escutada e, com a ajuda dos indicadores de referência para o desenvolvimento infantil, se deu um giro, e a partir daí, pode haver enlaçamento com um bebê que não era incluído nas falas destas profissionais enquanto sujeito.
Título: Um caso de inclusão a partir da leitura psicanalítica
Autor: Silvia de Carvalho Machione Trindade
E-mail: silmachione@gmail.com
Instituição: GEPALLE USP RP
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Este trabalho visa apresentar manejos adotados no processo de inclusão de um garoto de 12 anos, numa ONG de proteção básica de assistência social, a partir da leitura psicanalítica em interface com a educação e seus efeitos e desdobramentos. Com isso, pretende-se ilustrar como essa teoria, especificamente a noção de sujeito do inconsciente, pode contribuir na criação de manejos coletivos entre a equipe que podem ser estendidos ao grupo de alunos, em ambientes institucionais, mesmo que esta não tenha conhecimento da teoria. Verifica-se que diante do não saber os profissionais tende a tratar o aluno a ser incluído como alguém com privilégios, sem regras ou como invisível. Assim, concluímos que essa leitura tem efeitos decisivos nesse trabalho. Palavras-chave: Inclusão; Psicanálise.
Título: O espaço “entre”: a construção de novos elos nas redes de formação na educação básica
Autor: Silvia Maria da Mota Hodge Viegas
Coautor(es): adriana ferreira
E-mail: silhv50@gmail.com
Instituição: babel educação arte e cultura ltda
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Quando se deixa de ser criança, quando ainda não se construiu um projeto de vida adulta a escola consegue oferecer uma real condição de aprendizagem que dê ao sujeito possibilidades de construir um percurso de formação diferente daquele previsto à maioria dos alunos? Neste trabalho queremos compartilhar a experiência de uma reflexão que nasceu dentro da escola, no lugar da coordenação e seus impasses diante das barreiras encontradas no encaminhamento de alguns casos que se transformou numa ação fora da Escola, não para combatê-la, mas para compor com ela, como um outro modelo de educação, ampliar as possibilidades de formação aos jovens e, ao mesmo tempo, contribuir para que que a escola recupere seu lugar de direito.
Título: Acerca do mal estar e sofrimento docente
Autor: Simone Bicca Charczuk
E-mail: sibicca@gmail.com
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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Neste ensaio teórico abordamos o mal estar contemporâneo na educação. Apresentamos os conceitos de mal estar, sofrimento, sintoma e lançamos algumas hipóteses sobre possíveis arranjos escolares que podem potencializar o sofrimento, dentre eles as propostas educacionais que desconsideram o professor como sujeito, tais como os projetos reunidos sob a ideia de “escola sem partido” e a proliferação de manuais que preconizam a melhor forma de ensinar. Finalizamos essa escrita elencando possíveis modos de intervenção para fazer frente a produção desse sofrimento. Apostamos na criação de espaços de fala, nos quais a palavra possa circular e ao docente se torne possível narrar sobre o que o faz sofrer, possibilitando também deslocar-se do lugar de mero executor de práticas pedagógicas alienantes.Palavras-chave: psicanálise; mal estar; educação; professores.
Título: Escuta de adolescentes na escola: pequena subversão de efeitos segregativos
Autor: Thalita Castello Branco Fontenele
Coautor(es): Lorena da Silva Lopes, Maria Celina Peixoto Lima, Leônia Cavalcante Teixeira.
E-mail: thalitafontenele@gmail.com
Instituição: Universidade de Fortaleza - UNIFOR
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Este trabalho é um recorte de duas pesquisas de mestrado, ambas ancoradas na psicopatologia psicanalítica da infância e da adolescência. Realizamos aqui a aproximação de dois temas: a adolescência e suas vicissitudes no âmbito escolar e a segregação enquanto noção levantada por Lacan no final da década de 60. Para ilustrar nossa discussão, apresentamos questões que surgiram em nossa prática de escuta de adolescentes realizada no setor de psicologia de uma escola regular. Como considerações finais, destacamos a importância dessa escuta mesmo em um lugar consumido pelos efeitos segregativos do discurso universalizante da ciência e apostamos que nem tudo está ali consumado.

Palavras-chave: Escola; Adolescência; Psicanálise; Segregação.
Título: O centramento na criança, autonomia ou educação consumida/consumada?
Autor: Vanessa Cardoso Cezário
E-mail: van_cezario@yahoo.com.br
Instituição: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
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Discutimos o ideal de autonomia colocado à infância de nosso tempo a partir de uma abordagem psicanalítica. Entendemos que a educação seria a dimensão mais afetada pelo discurso do capitalista justamente por sua tarefa de introduzir no mundo um novato a partir do laço social, enquanto que o imperativo de autonomia pode trazer tensão ao que é específico da educação. A abordagem desse tema se fará por meio de fontes bibliográficas para discorrer sobre o ideal de autonomia na educação a partir de considerações sobre a imagem lacaniana do capitalista e algumas implicações para a educação em seu sentido civilizacional numa concepção mais freudiana ou de entrada na linguagem numa perspectiva mais lacaniana.
Palavras-chave: educação, psicanálise, autonomia.
Título: Um estudo sobre a representação do autismo nos meios de comunicação
Autor: Vanessa Ferraresi
Coautor(es): Um estudo a respeito da representação do autismo na mídia Vanessa Ferraresi O acompanhamento do que foi veiculado em portais de notícias e periódicos, ao longo da realização da pesquisa que o present
E-mail: vanessa_ferraresi@yahoo.com.br
Instituição: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
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Resumo
A pesquisa investigou as relações entre meios de comunicação, capitalismo e a difusão de um discurso sobre o autismo que o concebe como cérebro anômalo. Analisando os processos que culminaram no declínio do pensamento crítico e consolidação do Discurso do Capitalista, observamos a ascensão de uma espécie de Idade Mídia na qual a ciência é reduzida a unidades mínimas de informação veiculadas nos periódicos. Partindo do alcance das mídias e do estatuto de mercadoria que as notícias assumiram atualmente, investigamos como o corpo dos autistas é concebido e quais as implicações advém de tal concepção. A relevância desse estudo na Educação concentra-se não na aplicação direta com as crianças, mas no exame do tipo de laço que os adultos – pais, professores – estabelecem com tais sujeitos.
Palavras-chave: autismo; infância; meios de comunicação; laço-social; psicanálise.

Introdução
Embora o Brasil não tenha tradição na tabulação de dados dos diagnósticos de autismo, o Ministério da Saúde estimou que, em 2014, havia dois milhões de autistas no país. No entanto, índices mundiais balizam discussões científicas e políticas públicas a respeito. De acordo, por exemplo, com o relatório da OMS, publicado em 2013, a prevalência global do TEA é de uma pessoa em 160. Segundo dados de pesquisa divulgada em março de 2014, pelo Centro para Controle e Doenças dos Estados Unidos (CDC), uma em cada 68 crianças tem autismo no país, representando um aumento de 30% em relação a dados divulgados em 2012 pelo mesmo órgão. Números que apontam um acréscimo na população com tal nomeação. Paralelamente a esse fato, observa-se no âmbito social uma discussão marcada por um reducionismo, que intenta explicar o humano exclusivamente pelo ponto de vista biogenético, a ponto de abordagens clínicas que valorizam processos de fala e de historicização dos sintomas serem desconsideradas.
O fortalecimento de tal concepção é consonante com o entendimento da maioria dos participantes de uma pesquisa (SELKIRK; MCCARTHY VEACH; LIAN; SCHIMMENTI; LEROY, 2009) que mapeou a percepção quanto à origem do autismo entre os pais. Segundo o estudo, 72,7% dos genitores afirmaram crer na etiologia genética do TEA, embora, só 11% consultaram um especialista para fundamentar a opinião. Parece disseminada uma crença genética que prescinde do geneticista. Pensamos que os meios de comunicação têm relevante atuação nesse cenário. Outra investigação (WHITELAW; FLETT; AMOR, 2007) corrobora tal entendimento ao concluir que a internet foi a principal fonte de pesquisa para famílias que, diante do diagnóstico, preocuparam-se em compreender a etiologia e a recorrência do autismo.
Partindo dessa problemática, situamos quatro eixos de trabalho para investigar a articulação entre tecnociência, discurso do capitalista e mídias quanto ao entendimento do corpo do autista. O primeiro refere-se aos acontecimentos que desvelaram certa metamorfose da dúvida no bojo do pensamento crítico, que, inicialmente, a concebia como estado perenal em relação ao saber e, posteriormente, culmina na escolha cartesiana da dúvida como método, dando origem a um pensamento autorreferente que atribui à técnica o status de Ciência. Dufour (2014) aponta que o declínio das grandes narrativas que garantem um saber ancestral ao qual recorrer ocasionou uma dessimbolização e confinou a possibilidade crítica da humanidade. Com isso, há a assunção de um sujeito esvaziado de sentido, ausente de seus atos e abertos aos imperativos do mercado. Alia-se a essa redução do pensar, o Discurso da Ciência que, conforme apontou Lebrun (2004), extirpa do social a dimensão do impossível.
A retomada bibliográfica do que se produziu acerca do autismo na Psicanálise e na Psiquiatria, bem como, a gênese de tal nomeação, foi o segundo eixo de sustentação da pesquisa. Tal levantamento, evidenciou a ancestralidade do diagnóstico e viabilizou a historicização da clínica no interior dos dois campos. Com isso, refutamos a ideia de uma espécie de anacronismo do termo, tal como, sua banalização.
A terceira vertente, é a intersecção da pesquisa com o campo da comunicação e examinou os efeitos do capitalismo financeiro e sua relação com as mídias a partir de expoentes da teoria crítica. Por meio de noções como declínio da aura (Benjamin) e indústria cultural (Adorno e Horkheimer), acompanhamos a colonização mercantilista sobre a cultura e o processo que elevou a mídia ao zênite da “sociedade do espetáculo”, como cunhou Debord (1967) ou do “mundo omnivoyeur” (1964), designado por Lacan. Quando a tais conceitos unimos a formulação lacaniana de mercado de saberes (LACAN,1968-1969), desvelamos a estrutura, na qual tudo tem o seu valor e é cambiável, tornando-se mercadorias, inclusive o conhecimento, a prática e o sofrimento humano.
Por fim, graças à análise longitudinal de matérias publicadas em dois periódicos, traçamos possíveis articulações quanto ao modo como a tríade tecnociência, meios de comunicação e discurso do capitalista se relacionam no entendimento do corpo do sujeito autista, tomando-o como puro organismo.

Metodologia
Selecionamos dois periódicos: o jornal Folha de S.Paulo e a Revista Exame. O recorte temporal da análise compreende o período entre fevereiro de 2014 e junho de 2015 e os textos encontrados foram interrogados a partir dos seguintes questionamentos: a) como as matérias apresentam o autista? b) como o corpo do autista é designado? c) quais abordagens e tratamentos são apresentados? d) a partir de que lugar discursivo as reportagens se posicionam? e) qual o papel das mídias na difusão e na manutenção do que se veicula em relação ao autismo? f) por que o autismo é pauta?
Quanto à natureza da abordagem, o estudo se inscreve na tradição qualitativa, visto que seu escopo é problematizar os porquês da atual conjuntura social se distanciar do pensamento crítico e, em seu lugar, instaurar um funcionamento mercadológico de apreensão do sofrimento na infância, aqui expresso no diagnóstico do autismo. Podemos fixar a pesquisa, em relação aos procedimentos, no interior da investigação bibliográfica, por conta do apanhado histórico conceitual que lhe dá sustentáculo, mas a situamos, sobretudo, como documental, pois a finalidade maior foi analisar reportagens que se referem ao corpo no autismo, por meio de um recorte longitudinal.
Em relação à forma de análise do material encontrado, referenciamo-nos na proposta que Dunker empreendeu em Leitura, interpretação, comentário e reconstrução: a querela do método em Psicanálise (2015). O autor sustenta que, a partir de Lacan, o método de investigação psicanalítico adquire a acepção de uma “investigação psicanalítica de textos” e nos coloca, a todos os analistas, às voltas com uma forma peculiar de apreender o que lemos. Para além da acepção literal do texto, vemos a realização de uma leitura em camadas que desvela dimensões distintas do escrito e permite uma reconstrução. A proposta metodológica é, portanto, uma espécie de hermenêutica que visa interpelar o sentido dos textos pela negatividade de um avesso, pelas “[...] zonas e estratégias de produção de ‘não sentido’ [...].” (DUNKER, 2015, s/p).
Lacan sinaliza o não-sentido emergindo no laço entre os falantes com a formulação da teoria dos discursos. A hermenêutica psicanalítica expressa-se na proposição de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem que, por seu funcionamento pulsátil, só pode ser suposto a partir da leitura de seu não-sentido, posta em marcha na fala (oral ou escrita) por meio da álgebra discursiva.

Resultados
Ao longo dos dezoito meses compreendidos no recorte da pesquisa, encontrei quinze reportagens que se encaixavam no tema corpo. Quanto aos aspectos gerais, quatorze divulgam pesquisas realizadas e uma consiste em entrevista com um pesquisador que se dedica ao tema. Sete artigos apresentam dados acerca da prevalência do autismo na população norte-americana. Somente um, entretanto, faz referencia à fonte de tais números. Todos os artigos – à exceção da entrevista – anunciam o fato de que o estudo em pauta foi publicado em periódicos científicos especializados.
No que concerne à autoria, temos oito reportagens produzidas pelo próprio jornal ou revista, seis provenientes de grandes agências – uma nacional e cinco internacionais – e uma entrevista oriunda do jornal o The New York Times. Entre os textos gerados no interior dos periódicos, defrontamo-nos com quatro assinados pelo autor e quatro sem autoria individual.
No que tange à compreensão dos autismos e do que representam, as matérias analisadas propagam a ideia de que a verdade sobre o humano pode ser expressa em sua totalidade e que qualquer desvio de um suposto normal tem explicação orgânica e solução fármaco-ortopédica. O “cérebro autista” ganha estatuto por si só, separando-se de quem o possui, ao mesmo tempo em que aparece fragmentado em diversas partes passiveis de investigação. São textos com tom professoral e de esclarecimento, que elucidam a Verdade do que acontece ao sistema nervoso central. Na leitura, obtemos explicações, muitas vezes confusas, quanto ao funcionamento e às anomalias de um organismo restrito ao cérebro e suas funções, aspecto que constitui todo o corpo do autista que é apresentado. Não há braços, mãos, olhos, pele, boca e, muito menos, fala: é um puro organismo silenciado por um discurso que sabe, o Discurso Universitário.
Ao anunciarem sentenças afirmativas, como “que homens têm maior risco de distúrbios no desenvolvimento neurológico do que mulheres, já se sabia” ou ainda “o autismo resulta de um excesso de sinapses”, as reportagens não autorizam aquele que é colocado no lugar de outro, o leitor, a contestar o resultado das pesquisas, as evidências ou mesmo a elas incorporar algo de sua prática ou vivência. Àquele que lê, somente cabe aceitar. O saber produzido é desnaturado, sem origem nem filiação e toma o corpo como puro organismo. Quando esse não corresponde ao padrão, precisa ser consertado. Nas reportagens, alguns imperativos se impõem àqueles que irão reparar as mutações do sistema nervoso central: “[...] alterar a biologia molecular das células do sistema nervoso para fazer que funcionem mais normalmente”, “[...] cortar algumas dessas conexões, para que as diferentes partes possam se desenvolver”, “[...] corrigir as células em laboratórios, [...] administrar a droga para o paciente.” O cérebro da criança autista é um verdadeiro laboratório.

Discussão
O corpo orgânico é preponderante na ciência midiática e tal abordagem cumpre um propósito. A análise da representação do autismo na mídia, não serviu simplesmente para ver como este aparece nas reportagens, mas desvelou uma tendência simplificadora do discurso, que já é um dos produtos do capitalismo, a ser inscrito no discurso do capitalista. Esta mesma propensão reducionista corrobora o mecanismo de tal discurso, que assevera a real existência de um objeto preenchedor da falta elementar dos sujeitos, fundando um laço individualista. De acordo com Mrech (2014, p. 316), por causa dessa “[...] cultura comercial, o objeto assume seu lugar de zênite e é ele que rege as relações sociais”.
A capacidade de opinar rapidamente munidos de informações é fundamental para o Discurso Capitalista, que depende de cidadãos automatizados e instáveis às flutuações do mercado para se firmar. Àqueles que leem os jornais diários nada acontece nem os transforma, mas o consumo de notícias não cessa e os consome. Apontando sempre para frente, como se a próxima reportagem, o próximo link pudesse responder à hiância que domina o sujeito.
O binômio informação-opinião distancia-se da experiência e se constitui em um falatório estabelecido pelas mídias que reverbera na boca dos leitores opinativos, dos professores em exercício ou em formação e dos pais das crianças autistas. O resultado é um enlaçamento falsamente autossuficiente que nos conduz ao desinteresse pelo semelhante. Aspecto este que podemos observar no exame empreendido sobre o autismo na mídia. Não há curiosidade pela narrativa de sofrimento desses sujeitos, que são tratados como desprovidos de linguagem. Somente o organismo fracionado, despojado de suas relações internas e externas é digno de pauta.
Ao resgatar palavras desses textos, tais como neurológico, mutações genéticas, marcadores moleculares, bioquímica celular, desenvolvimento neuronal é possível perceber que, ao contrário de explicitar o conteúdo para o público geral, tais vocábulos emanam uma espécie de aura científica, funcionando como insígnias da ciência. Munidas de tais distintivos, as reportagens estabelecem um processo que reduz a ciência à mídia e apresentam drágeas de informações sobre que é o autista e seu cérebro, mercadorias a serem consumidas no mercado de saber.
Os meios de comunicação acabam sendo a peça principal na discussão do autismo e na argumentação científica em geral. Não é à toa que se evocam periódicos científicos especializados e se entrevistam professores de importantes universidades. Todas essas estratégias conferem uma aura científica a uma discussão que é midiática e que reduz as tão anunciadas descobertas científicas ao fantástico, à espetacularização. Judith Miller (2014, p. 66) participa dessa discussão, afirmando que parte da mídia dá provas de “[...] leviandade e toma seu desejo por realidade, ao amplificar as pretensões cientificistas de encontrar o gene em causa no autismo.”.
O discurso de neutralidade apresentado pelos grupos de comunicação, torna mais problemática ainda a real possibilidade do leitor interrogar-se quanto aos interesses que estruturam aquilo que lê. Quando a imprensa não reconhece que, como todo aquele que toma a palavra, fala alicerçada por concepções que estão na origem do que se escreve, torna mais opacas as escolhas que faz, ao selecionar o que é e o que não é pauta, e desautoriza seus leitores e espectadores a elucidá-las. Esse fato restringe o entendimento ao que é imediatamente apreensível, como se não houvesse história, política ou interesses sociais que subjazem às reportagens.
Por fim, uma das discussões em pauta hoje em dia, e que esta pesquisa endossa, diz respeito à especificidade do autista, no que concerne à sua constituição. Esta abre caminhos para a leitura, enviesada evidentemente, que nutre o pensamento de que ele é pleno organismo, servindo como modelar para erigir teses comportamentais e biológicas, conforme sinalizam Laurent (2014) e Voltolini (2015). À mercê de experimentos neurológicos, exposto a testes laboratoriais e submetidos às conjecturas comportamentais, o autista é a cobaia perfeita de nossos tempos, o melhor objeto ao discurso universitário. A criança assim nomeada é fiadora da tecnociência e das teorias comportamentais. É também perfeito à abordagem midiática, pauta ideal que oferece entretenimento aos olhos daqueles que, fisgados pelo discurso do capitalista, buscam mercadorias especiais, germinadas no interior do mercado de saberes.
Título: A CULTURA DIGITAL NO AMBIENTE ESCOLAR: SOBRE AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
Autor: Vanina Costa Dias
Coautor(es): Marcelo Fonseca Gomes de Souza;Viviane Marques Alvim Campi Barbosa;Fernanda Martins de Almeida
E-mail: vaninadias@gmail.com
Instituição: Faculdade de Educação da UEMG
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Este trabalho investiga as transformações ocorridas no campo da educação a partir da inserção das Tecnologias de Comunicação e Informação – TIC’s – nas escolas e compreender como professores vivenciam e interpretam este fenômeno. Foram realizados estudos bibliográficos e entrevistas semiestruturadas com professores de Escolas Públicas de Belo Horizonte/MG e os dados coletados são tratados através da análise do discurso. Os resultados apontam que o espaço escolar dá mostras da reconfiguração das relações que professores e alunos estabelecem a partir da virtualização de suas práticas e o modo como criam laços com o conhecimento. Além de fazer surgir um mal-estar entre os professores estes ensaiam diversas formas de lidar com esse mal-estar. Buscou-se ainda compreender como a tecnologia digital estabelece um deslocamento da estrutura do saber, impactando a relação estabelecida entre professor e aluno, a saber: a transferência.

Palavras-chave: Cultura digital; transferência; relação professor-aluno.
Título: Jornadas de criação – arteterapia no espaço de formação de professores
Autor: Veronica Patricia Aravena Cortes
E-mail: veronica.cortes@metodista.br
Instituição: Faculdade de Psicologia/Universidade Metodista de Sao Paulo
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Resumo
O artigo expõe uma experiência de arteterapia realizada durante a formação de professores em uma Escola Municipal de Educação Infantil da zona sul da cidade de São Paulo. Ao longo de quatro oficinas empregamos os recursos expressivos em uma perspectiva da psicologia analítica, seguindo a rota do mito de Dioniso, o deus do êxtase e do entusiasmo. A dimensão mítica aliada à expressão artística permitiram um reencontro do docente com a sua trajetória, ampliando seu autoconhecimento e fortalecendo sua auto-estima. Os docentes, compreendidos como uma totalidade, não apenas como sujeitos pensantes, puderam identificar alguns recursos não apenas para as práticas pedagógicas, mas, principalmente, para a própria vida. O compartilhamento no grupo, permitiu a cada um ser reconhecido como sujeito, bem como se identificar que não se está sozinho, pois muitas das angústias da prática docente são comuns, fortalecendo-se assim o coletivo.

Palavras-chave
Professores; arteterapia; formação escolar; psicologia

Introdução

Este texto apresenta um trabalho realizado com professores de uma Escola Municipal de Educação Infantil da zona sul da cidade de São Paulo, durante o espaço destinado à formação de professores no segundo semestre de 2016, utilizando a arteterapia na perspectiva da psicologia analítica com objetivo de contribuir para o desenvolvimento integral de quem ensina, buscando ativar nos educadores seu melhor potencial.
A escola tem recebido discussões e críticas, saltando aos olhos que, hoje, tornou-se um espaço com sérios problemas de adoecimento entre seus profissionais, por outro lado, é lugar comum dizer que o professor precisa ser criativo tanto em suas práticas como para encontrar saídas para solucionar conflitos que se apresentam no cotidiano, contudo sua formação se direciona à parte intelectual, dimensões outras não são a tônica dos espaços de formação de professores.
A leitura de Furlaneto (2007) contribuiu com importantes reflexões, permitindo identificar ideias e elementos a serem trabalhados no espaço de formação de professores. Escreve a autora:
Como formadora de professores é importante que reflitamos a respeito de como podemos favorecer o desencadeamento desses processos de crescimento. Uma das possibilidades que tenho percebido como criativa é favorecer o encontro dos professores com suas trajetórias de vida nos espaços de formação (FURLANETO, 2007, p. 47) .

As oficinas de arteterapia foram uma experiência inédita na EMEI e tiveram como objetivo trabalhar o autoconhecimento dos participantes, na busca que a evocação de sua memória trouxesse mais significado para o trabalho no presente. Procurou-se considerar o profissional como um todo, com todas as facetas e dimensões de seu ser, pois o docente é uma totalidade, conformada por razão e emoção, que sente, sofre, ama e se diverte.
Mediante a utilização de recursos expressivos, buscou-se desenvolver as capacidades de expressão e reflexão de diferentes formas, seja em linguagens verbais como as não-verbais, assim possibilitando um autoconhecimento que permitisse ampliar as percepções dos educadores e abrir espaços criativos em sua atuação dentro e fora da sala de aula.
A arteterapia já vem sendo utilizada na psicologia com diferentes grupos e com diferentes objetivos, no Brasil, Fagali (2005) e Gomes (2005) utilizaram recursos expressivos em seus trabalhos com professores. Fagali identifica “a necessidade do professor usufruir de um encontro de alimentação e revitalização, lembrando que na escola está ausente esse tipo de vivências de criação e expressão não-verbais.” (FAGALI, 2005, p.23) Gomes, por sua vez, em suas oficinas de capacitação com profissionais de educação infantil aponta que a arteterapia busca “ativar nos educadores seu melhor potencial, a fim de que percebam, durante a representação de seus trabalhos, em suas mensagens visuais, suas necessidades e recursos” (GOMES, 2005, p. 67). Os recursos expressivos acabam favorecendo “tanto para o desenvolvimento pessoal quanto para a identidade profissional e uma prática com maior reflexão, criatividade e contato com a criança pequena (2005, p. 68).
Na atividade de criação, processo expressivo e o produto se entrelaçam permitindo ao indivíduo um tempo e certo distanciamento para se olhar e revisitar suas práticas. O contato com os materiais e a sua transformação auxiliam o contato com as múltiplas dimensões de cada um, mas também permite integrar aspectos desconhecidos, porque inconscientes, desvelando universos e tecendo novas possibilidades. No processo, o sujeito passa a identificar e a desenvolver habilidades e potencialidades inclusive, no plano social.
Por sua vez, os mitos contam histórias da criação do universo e do homem, são narrativas que trazem a ordenação do mundo com sua visão cíclica do tempo, falam do segredo e do sublime, do mágico e do profano. Campbell afirma:
Mito é a forma mais antiga de narrativa e é, pois apresentado como a epopéia da humanidade, porque ele contém a presença das origens místico-religiosas e éticas, revelando o oculto e os rituais mais secretos da humanidade (...) conhecer o mecanismo do mito é conhecer a própria história do homem, já que suas implicações religiosas, culturais, psicológicas, mostram uma apreciação dos valores e revelações de padrões de comportamento do homem desde seus primórdios (CAMPBELL, 1990, P. 76).

Na mitologia grega, os deuses são humanos e Dioniso, talvez, seja a mais humana das divindades do Olimpo; um deus diversas vezes dilacerado e renascido, cultuado como o deus do desregramento, mas, sobretudo, da metamorfose, do êxtase e do entusiasmo.

Método
Foram realizadas oficinas, ao longo de quatro semanas, entre agosto e setembro de 2016, com os professores de uma EMEI da zona sul paulistana, utilizando os recursos da arteterapia na perspectiva da psicologia analítica. Cada oficina durou duas horas e delas participaram 12 docentes.
Na primeira oficina, os docentes receberam um convite impresso para participarem do trabalho, somente após todos terem concordado em participar, iniciamos as tarefas; o convite buscava estabelecer uma relação de respeito com o sujeito. Passo a seguir, foi solicitada a realização de um quadro no qual cada um teceu o fio de sua jornada, no final, voluntariamente, todos apresentaram a sua obra, falando de sua história de vida até o momento presente. Esta primeira oficina permitiu perceber a existência de um grupo, em sua maioria, dedicado há mais de 15 anos à docência, com sinais de desvitalização, motivo pelo qual, nas oficinas seguintes, incorporou-se o mito de Dioniso. O deus da metamorfose e do entusiasmo forneceria elementos para caminhar na construção de elementos de vitalização do grupo.
O mito foi trabalhado sob três diferentes aspectos: a sua força, o seu lado feminino e o entusiasmo. Em cada uma das oficinas, após uma leitura de um fragmento da mítica, os docentes eram solicitados a realizar uma tarefa expressiva em consonância com o tema, após a prática, seguiam-se a apresentações dos trabalhos, sempre de forma voluntária; a oficina finalizava com uma discussão em grupo.

Resultados
Trazer o mito de Dioniso talvez tenha sido uma ousadia, um mito associado hoje à banalização do prazer, em uma sociedade hedonista, mas que não encontra prazer nas coisas cotidianas. Em uma jornada de arteterapia, o prazer apareceu de diversas formas, primeiramente na experiência de se perceber fazendo arte, ou seja, de se ver como autor de uma criação. Mas é importante destacar, o prazer de se ver fazendo arte, se perceber criando contribuiu para o acesso de cada sujeito ao seu mundo interno, ampliando seu autoconhecimento. Esta força arquetípica ecoou ao longo das quatro semanas das oficinas permitindo mergulhos na psique de cada uma das participantes, insights desveladores não necessariamente compartilhados e, sem dúvida, prazerosas descobertas da vida através do culto ao deus do entusiasmo.
O espaço de formação até então havia sido utilizado somente para discutir temas pedagógicos, da forma acadêmica tradicional, mas a experiência psicológica permitiu o questionamento da saúde do docente, em certo momento um participante se questionou: “quem cuida do professor? Nós ficamos muito presas ao texto, é preciso repensar a formação do professor, o professor cuida, mas quem cuida do professor?” Como resposta houve um sonoro silêncio, o que permite identificar que a psicologia tem um grande campo de atuação para a promoção de saúde no espaço escolar.
A avaliação coletiva das oficinas identificou a importância de cada um revisitar a própria trajetória, com um saudável distanciamento, rememorar feitos heróicos e até apaziguar dores em um espaço de partilha entre colegas de trabalho. Esta lembrança colocou cada um dos docentes como autor de sua história, permitindo o trabalho da auto-estima.
O compartilhamento destas trajetórias possibilitou um momento ímpar no qual cada professor foi visto e ouvido, sendo reconhecido como sujeito pelos colegas com os quais se trabalha. Houve uma compreensão de que talvez certas dificuldades do trabalho no grupo ocorram porque as pessoas não se conhecem.
A partilha em cada uma das oficinas permitiu a identificação de pontos comuns na trajetória dos docentes, seja no momento de ingresso ao magistério, uma escolha desejada por todos, bem como ao longo da carreira de docentes concursados atuando em uma instituição pública vinculada ao governo municipal. Este compartilhamento possibilitou a empatia e o fortalecimento do grupo.
Ao longo das oficinas foi possível se conversar sobre o prazer de observar o desenvolvimento infantil, mas também as angústias percebidas agora como comuns, entre elas, o apego às crianças que ficam um curto espaço de tempo nesta escola (apenas dois anos), bem como sobre o que é possível e desejável se trabalhar na educação infantil.

Referências bibliográficas

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